Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 24, 2005

LUÍS NASSIF O avalista da estabilidade

FOLHA  DE S PAULO

  É provável que o ministro Antonio Palocci Filho não chegue ao final do governo Lula. Mas ele está desempenhando papel semelhante ao do personagem de um filme clássico de Vittorio De Sica, que relata a história de um sujeito de vida obscura contratado pelos alemães para se passar por um dos heróis da resistência italiana. Seu papel seria mostrar pusilanimidade em público na hora da execução, visando destruir a imagem do seu personagem. No decorrer do processo, o ator vai assumindo o personagem e parte para a morte se comportando como herói.
A entrevista de domingo passado, talvez seu canto de cisne, entrará para a história dos momentos nobres da vida nacional, em um período em que, como em todos os momentos de catarse, a falta de discernimento e de escrúpulos parece ter se disseminado por todos os poros do poder.
A vida pregressa de Palocci o condena, sim. Agora, aparecem os aditamentos dos contratos da Leão & Leão. Amanhã, vão descobrir as mágoas da viúva de Ralph Barquete -seu assessor direto, morto no ano passado- , esmiuçarão bens de parentes e todo o estoque de recursos que podem levar à verdade ou à mentira, desde que se atinja o objetivo proposto.
Palocci integrou o grupo dos pragmáticos do PT que operaram em Santo André, Ribeirão Preto e outras grandes cidades, sim. Indicado ministro da Fazenda, imbuiu-se da importância do cargo, da relevância de sua atuação para a estabilidade do país. Afastou-se de todos os esquemas, manteve profissionais à frente de todos os cargos relevantes da Fazenda. Ganhou grandeza.
Sua política econômica foi medíocre e equivocada -e daqui mesmo não cansei de criticá-lo. Independentemente de qual seja a política econômica, porém, a estabilidade econômica é valor nacional. Como avalista da estabilidade, Palocci poderia ter insinuado que, depois dele, o dilúvio. Não o fez. Enquanto os críticos bradavam com a ferocidade dos linchadores que estabilidade não é valor maior, Palocci disse que era. Mais que isso: disse que era valor tão forte e consolidado que independia dele. Ofereceu-se para o sacrifício sem retórica, sem falso heroísmo, em nome do valor do qual se tornou guardião.
É possível que, passada mais uma grande noite do justiçamento, quando o país estiver recolhido à lassidão que sucede às grandes libações, a opinião pública se dê conta de que, independentemente de seu passado, dos equívocos de sua política econômica, a entrevista de Palocci foi um dos raros momentos de grandeza nesse episódio.
Em geral, sociedades saem purificadas desses processos quando erros de governantes são levantados e punidos dentro de regras institucionais e da atitude severa, porém equilibrada, de suas instituições -incluindo a mídia. O que se conseguirá com esse episódio, mais uma vez, será apenas saciar momentaneamente um tipo de comportamento periódico, doentio, profundamente entranhado na cultura brasileira, que permite o extravasamento dos piores impulsos -sempre que há o pretexto da "boa causa".

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