Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 21, 2005

LUÍS NASSIF Lula contra o relógio

FOLHA DE S PAULO

  Continua não caindo a ficha do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Há três saídas possíveis para ele. A única honrosa será abrir mão da reeleição, até do PT se for o caso, convocar os demais partidos e montar um governo de coalizão que leve o país em paz até as próximas eleições. Ele irá pairar acima das paixões partidárias e eleitorais e poderá conduzir o país como um árbitro. E dar um fôlego para o PT se reerguer.
O segundo caminho será resistir, não abrir mão de nada, confiando em que as denúncias acabem se esgotando por si. Não vão reduzir o ritmo. O terceiro caminho é ir para o confronto com a opinião pública.
A campanha poderá perder ímpeto temporário. Mas a cada dia que passa mais o país vai rachando, com a classe média midiática numa ponta contra Lula, e a simpatia passiva da população de baixa renda, na outra. Esse racha está expondo o que de pior existe no imaginário do país: denuncismo, catarses, oportunismo, falta de escrúpulos, escândalos variados, falta de discernimento na apuração. E uma nova direita que surge com o mesmo radicalismo e falta de escrúpulos da esquerda xiita.
Nas eleições americanas, Al Gore renunciou a uma luta judicial da qual poderia sair vitorioso -a comprovação da fraude eleitoral na Flórida- porque a estabilidade é valor tão caro ao americano que provavelmente ele conquistaria a Presidência, mas ficaria marcado para sempre.
Aqui, procuradores estaduais ouvem um réu, prometem a delação premiada -instituto novíssimo no país-, recolhem a confissão, envolvendo o próprio ministro da Fazenda, e antes de qualquer investigação soltam a informação. Chegaram a sair no meio do interrogatório para se expor à mídia, desmoralizando a instituição.
Não se está no terreno da normalidade e dos princípios constitucionais. O país converteu-se em um vale-tudo sem regras, sem princípios -da mesma maneira que nos períodos em que a catarse era alimentada pela oposição petista. Brinca-se com a estabilidade, do autismo da Presidência às exortações de impeachment.
No seu último comício, no lançamento do programa "Luz Para Todos", Lula comparou a Presidência à paternidade. Há que refletir bastante sobre isso.
É possível que tema que a renúncia à reeleição seja vista como sinal de fraqueza, que acabe expondo-a definitivamente aos adversários. É um risco que precisa ser trabalhado, de fato. Pactos nacionais não são de desenho fácil, e o clima não está bom.
Só que as alternativas de pacificação estão se esgotando dia a dia, nesse clima de catarse. Depois de Palocci, será Paulo Okamotto; depois, Roberto Teixeira; depois, a Prefeitura de São Paulo. Se quiser ir para o ataque, o PT poderá divulgar seletivamente dados do CD do Banestado. E como ficará o país nessa?
Não adianta Lula julgar que fez apenas o que as regras do jogo permitiam. Foi-se além e se abriram brechas enormes para o questionamento político do seu governo. Há muita hipocrisia no meio, muita vestal vestida de inquiridor, mas quem armou o braço que o fuzila foi ele próprio, com erros de estratégia política e de método. E o grande gesto de pacificação nacional depende de Lula.

Proer
Uma das informações relevantes desses escândalos -mas que acabou passando despercebida- foi a maneira como Marcos Valério tentou dobrar o Banco Central: transformar em dinheiro a receber a dívida dos controladores do Econômico.
O banco tinha títulos cambiais em carteira. Esses títulos sofreram valorização expressiva, com as sucessivas maxidesvalorizações. Antes do Proer, o passivo do banco ficava congelado, e o ativo se valorizava. Com o Proer, no ato de liquidação do banco, o Banco Central se apropriava de todos os ativos, como garantia pelo dinheiro colocado.
Por esse sistema, a massa falida do Econômico deve R$ 2 bilhões ao BC. Se fosse pelo esquema pré-Proer -que Valério tentou impingir ao BC-, caberia aos ex-controladores o módico troco de mais de R$ 1 bilhão.
Mesmo assim, ainda se repete até hoje que o Proer foi feito para salvar banqueiro falido.
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