Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 04, 2005

Editorial do JB O palanque de Lula


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deflagrou a sucessão presidencial num momento especialmente inoportuno. Repetindo um bordão utilizado pelo técnico Zagallo e referindo-se à oposição, Lula encerrou seu discurso na pernambucana Garanhuns, sua cidade natal, afirmando que será candidato à reeleição. ''Estão com medo porque eu posso provar que fiz mais em quatro anos do que eles fizeram em oito. Com ódio ou sem ódio, eles vão ter de me engolir porque o povo brasileiro vai querer'', exclamou o presidente.

Em geral, governantes costumam tentar escapar do cerco político e midiático das comissões parlamentares de inquérito, sob o argumento de que estas se tornam vasto e fértil terreno para palanques eleitorais. O Congresso está hoje engolfado no trabalho de três CPIs, todas capazes de provocar notáveis estragos eleitorais. O presidente adota, assim, uma estratégia de eficiência duvidosa. Não apenas estimula o palanque daqueles que lhe fazem dura oposição, como antecipa em demasia um processo que habitualmente turva a agenda governamental.

Embora tenha o mérito de reconhecer uma crise política até agora negada pelo Palácio do Planalto, com a opção presidencial evidenciada no discurso, sugerem-se duas inquietantes possibilidades: ou o presidente deseja desvirtuar o foco da opinião pública, perseguindo trilhas diferentes das denúncias em debate, ou resolveu preencher com a antecipação da própria campanha à reeleição o vazio administrativo em que imergiu o seu mandato. A primeira hipótese revela-se insustentável pela inviabilidade e insensatez. A segunda escancara a dificuldade crônica do governo de superar a paralisia em momentos de crise.

Lula tem sensibilidade política suficiente para perceber que está a um passo da debilitação de sua liderança. O enfraquecimento já se revelou em setores mais esclarecidos, decepcionados pelo fato de o presidente não agir oportunamente, seja qual for a razão, contra os desmandos. A decepção com os rumos éticos do Partido dos Trabalhadores - com evidentes respingos sobre o governo e o próprio presidente - não atingiu a base da pirâmide social. E a ela a que Lula tem buscado dirigir-se, confirmada pela agenda presidencial de discursos e inaugurações.

Mesmo com autoridade esquálida, o presidente parece confiante de que, aconteça o que acontecer com antigos companheiros petistas e deputados da base governista, nada o atingirá. Tanto que há dois dias afirmou: ''Podem vasculhar que não chegam ao meu governo'', para depois assinalar de modo mais preciso: ''Não chegam a mim''. Uma confiança, em princípio, incompatível com a iminência de renúncias e cassações a ocorrerem em números inéditos, das quais será muito difícil que a aprovação ao governo e ao presidente não seja maculada.

De Lula ou de outro petista que se candidate à Presidência, parcela substantiva do eleitorado saberá cobrar a natureza da crise em curso: o destempero do pragmatismo, que comprometeu a dimensão ética do capital simbólico do partido; o maquiavelismo torpe, que recorre a meios pouco edificantes em nome da importância dos fins; a ''profissionalização'' de suas campanhas eleitorais, que ampliou o eleitorado à custa da perda da identidade e da associação com personagens nada virtuosos. Ao antecipar o debate eleitoral, Lula talvez busque ganhar tempo para perceber se conseguirá, enfim, distanciar-se dos dilemas institucionais que afligem o governo e o PT.

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