Em geral, governantes costumam tentar escapar do cerco político e midiático das comissões parlamentares de inquérito, sob o argumento de que estas se tornam vasto e fértil terreno para palanques eleitorais. O Congresso está hoje engolfado no trabalho de três CPIs, todas capazes de provocar notáveis estragos eleitorais. O presidente adota, assim, uma estratégia de eficiência duvidosa. Não apenas estimula o palanque daqueles que lhe fazem dura oposição, como antecipa em demasia um processo que habitualmente turva a agenda governamental.
Embora tenha o mérito de reconhecer uma crise política até agora negada pelo Palácio do Planalto, com a opção presidencial evidenciada no discurso, sugerem-se duas inquietantes possibilidades: ou o presidente deseja desvirtuar o foco da opinião pública, perseguindo trilhas diferentes das denúncias em debate, ou resolveu preencher com a antecipação da própria campanha à reeleição o vazio administrativo em que imergiu o seu mandato. A primeira hipótese revela-se insustentável pela inviabilidade e insensatez. A segunda escancara a dificuldade crônica do governo de superar a paralisia em momentos de crise.
Lula tem sensibilidade política suficiente para perceber que está a um passo da debilitação de sua liderança. O enfraquecimento já se revelou em setores mais esclarecidos, decepcionados pelo fato de o presidente não agir oportunamente, seja qual for a razão, contra os desmandos. A decepção com os rumos éticos do Partido dos Trabalhadores - com evidentes respingos sobre o governo e o próprio presidente - não atingiu a base da pirâmide social. E a ela a que Lula tem buscado dirigir-se, confirmada pela agenda presidencial de discursos e inaugurações.
Mesmo com autoridade esquálida, o presidente parece confiante de que, aconteça o que acontecer com antigos companheiros petistas e deputados da base governista, nada o atingirá. Tanto que há dois dias afirmou: ''Podem vasculhar que não chegam ao meu governo'', para depois assinalar de modo mais preciso: ''Não chegam a mim''. Uma confiança, em princípio, incompatível com a iminência de renúncias e cassações a ocorrerem em números inéditos, das quais será muito difícil que a aprovação ao governo e ao presidente não seja maculada.
De Lula ou de outro petista que se candidate à Presidência, parcela substantiva do eleitorado saberá cobrar a natureza da crise em curso: o destempero do pragmatismo, que comprometeu a dimensão ética do capital simbólico do partido; o maquiavelismo torpe, que recorre a meios pouco edificantes em nome da importância dos fins; a ''profissionalização'' de suas campanhas eleitorais, que ampliou o eleitorado à custa da perda da identidade e da associação com personagens nada virtuosos. Ao antecipar o debate eleitoral, Lula talvez busque ganhar tempo para perceber se conseguirá, enfim, distanciar-se dos dilemas institucionais que afligem o governo e o PT.
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