A esta altura do campeonato da lameira nacional, não faz diferença saber se o presidente Lula sabia ou não da bandalheira descomunal dos correligionários e aliados à sua volta. Por motivos eleitoralmente óbvios demais para precisarem ser explicados, não há interesse algum, tanto de oposicionistas quanto de governistas, em chegarmos de novo a um impeachment presidencial, com todo o desgaste público-político, a pa ralisia de projetos, o espanto de investidores e a decepção internacional que isso representaria. Chegou-se a uma quase unanimidade em relação a dois pontos. Primeiro: é preciso que as CPIs investiguem tudo até o fim e resultem na punição de algumas dezenas de culpados, não apenas uma dúzia e pouco de gatos pingados. (A propósito, essa investigação parlamentar também vai comprovando distorções profundas de nossa sociedade, tais como o desprezo pelos professores, ilustrado pelo fato de na conta do deputado Professor Luizinho ter sido
SÓ RESTA AGORA TER PACIÊNCIA... 16 MESES E 10 DIAS PASSAM RÁPIDO | |
Por outro lado, é impressionante a quantidade de lúcidos cidadãos - conspícuos intelectuais, dinâmicos empresários, produtivos profissionais liberais, competentes líderes classistas, talentosos artistas, mui distintos jornalistas - que, somente agora, julgam o sr. Luiz Inácio Lula da Silva uma pessoa despreparada para exercer a complexa função de presi dente da República, não obstante seu carisma e suas inegáveis qualidades de líder sindical. Quando escrevi há cerca de três anos, nesta página, uma série de artigos sobre o assunto, entre os quais Exigir preparo não é preconceito (de 14/9/2002), Exigir preparo não é preconceito - 2 (de 21/9/2002),
Exigir preparo não é preconceito -3 (de 28/9/2002) e Exigir pre paro não é preconceito - 4 (de 12/10/2002), sentia-me uma voz quase isolada. Agora, surpreso, vejo que todos acham Lula muito mais despreparado do que sempre achei - que gente exagerada, meu! Pior do que isso, cometem a supina injustiça de dizer que Lula falsificou suas próprias características depois que assumiu a Presidência. Na verdade, quando candidato Lula já era submetido a essa falsificação, porque não tinha estrutura pa ra resistir a ela e se deixava usar, languidamente, como um instrumento de puro engodo dos marqueteiros. Porque o despreparo não se traduz apenas na falta do esforço pessoal de aprendizado, na preguiça de ler ou no desprezo pela experiência administrativa, mas, sobretudo, na incapacidade de o governante articular resistências (mentais e emocionais) a pressões intensas de todo gênero - sejam, por exemplo, do MST (Movimento dos Traba lhadores Rurais Sem Terra, da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos), da Turcom (Turma dos Compadres) ou dos Papis (Partidos Picaretas).
A propósito, aqui já dissemos (em 15/6/2002): 'Na disputa desenfreada por alianças e apoios que travam os protagonistas, coadjuvantes e figurantes do nosso palco político, a cotação que mais despenca na bolsa de valores morais da vida pública cabocla costuma ser a da coerência, em quaisquer de suas acepções: política, doutrinária, partidária, ética e até pes soal. No entanto, assiste-se, no presente momento eleitoral brasileiro, talvez de forma inédi ta em nossa História, a uma furiosa e despudorada pregação da enganação, como se se pretendesse interferir na consciência alheia para forçá-la a defender o que sempre atacou e atacar o que sempre defendeu ´em nome do interesse nacional´. É como se mentir, a respeito das próprias crenças e convicções, se tornasse o mais patriótico dos deveres da pessoa pública.
Justiça se faça: nem a ditadura militar cogitou de operar a verdadeira lavagem cerebral que, no momento, estão tentando realizar no candidato a presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, forçando-o a desdizer tudo o que disse, desacreditar de tudo em que acreditou, defender tudo o que atacou e atacar tudo o que defendeu, nos últimos 20 anos - por objetivos puramente eleitorais.' Se, com tudo isso, Lula foi tão bem engolido por tantos - para usar a zagálica expressão, do gosto do presidente -, só resta agora ter paciência para en goli-lo um pouco mais, por 16 meses e 10 dias, sem ficar falando nessa chatice de impeachment. É claro que ter paciência também significa não ficar exigindo coisas que o presidente tem suficiente preparo para saber que não pode fazer. Por exemplo, conceder entrevistas coletivas, o que sabiamente sempre evitou - e com o que certamente evitou muitos de sastres adicionais ao já grande estoque deles, em seu governo.
Diga-se o mesmo em relação a pronunciamentos - que poderia ele dizer melhor do que disse no último, quando teve a elegância de não chorar e conseguiu obter aplausos frenéticos de seus ministros e auxiliares? Então, é deixar que o presidente tenha inteira liberdade de fazer seus discursos inflamados, pelo País afora, viajando em seu majestoso Aerolula - acom panhado de outro avião para transporte de sua torcida organizada - para inaugurações de todo tipo, sejam fábricas de celulares ou pistas de aeroporto, sejam pontes sobre córregos ou cabines telefônicas, sejam coretos de praças, caixas d´água ou eletrificações de as sentamentos. Afinal, o tempo passa rápido, gente! P.S.: Para investigar se nos sos cartunistas estão conseguindo quebrar a 'reserva de mercado' de nossa classe política, hoje e amanhã estarei trabalhando como jurado no 32º Salão de Humor de Piracicaba.
Mauro Chaves, jornalista, advogado, administrador de empresas, escritor, pintor e palestrante, é autor, entre outros livros, de Eu não Disse?
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