Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 05, 2005

Bancos emprestavam porque Dirceu era a garantia, diz Valério

Em entrevista ao "Estado", publicitário afirma que ex-ministro era o "avalista político" de todas as operações feitas em favor do PT

Expedito Filho

Depois de um depoimento cheio de lacunas à CPI dos Correios, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza começa a falar. Em entrevista ao Estado, ele diz que o deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro-chefe da Casa Civil, era o "avalista político" de todos os empréstimos bancários feitos em favor do PT, mas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sabia de nada: "Delúbio nunca me contou nada com o nome dele."

Valério conta que os dirigentes dos bancos BMG e Rural sabiam que Dirceu acompanhava as negociações dos financiamentos. "Por que você acha que os bancos emprestaram? Algum banqueiro deste país daria o aval para Delúbio e Valério? Os bancos só deram aval porque sabiam que por trás tinha um conforto, uma garantia", argumenta, indicando que esse conforto era o então todo-poderoso chefe da Casa Civil.

Valério afirma que vai falar em conta-gotas: "Agora vou contar tudo o que sei, mas não de uma vez. Vou contar devagarinho e vou fazer um estrago, um barulhão". Ele diz que Dirceu era avisado pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares sempre que um novo financiamento saía. O ex-ministro chegou inclusive a ter encontros com dirigentes do BMG e do Rural. Segundo Valério, Dirceu ficava sabendo passo a passo das transferências de dinheiro feitas aos diretórios do PT e aos partidos aliados por determinação do ex-tesoureiro.

"Delúbio tinha fidelidade canina e não fazia nada sem conversar com Dirceu", diz. Os repasses começaram a ser feitos em 26 de fevereiro de 2003 e totalizaram, segundo Valério, R$ 55,8 milhões - valor igual ao que o empresário tomou emprestado no BMG e no Rural com aval do ex-tesoureiro.

"Nos dois últimos anos, eu fui a pessoa mais íntima do Delúbio. Ele me disse que Zé Dirceu sabia das dívidas do partido, que Zé Dirceu sabia dos compromissos com os outros partidos da base. Delúbio assumiu mais compromissos do que realmente poderia. Além de Zé Dirceu, todo mundo na cúpula do PT sabia dos empréstimos de Delúbio e das transferências para diretórios do PT e para partidos aliados", afirma o homem que vem sendo comparado ao empresário PC Farias.

O sócio das agências de publicidade SMPB e DNA diz que decidiu contar o que sabe para atender aos apelos da opinião pública e demonstra a preocupação de não parecer um chantagista. Ele avalia que não tem mais nada a perder: "Minha vida está uma droga". Valério conta ainda que venderá sua parte nas empresas de que é sócio, mas jura que não se arrepende do período em que conviveu com o ex-tesoureiro do PT .

O único preservado por ele é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "O presidente Lula não sabia e Delúbio nunca me contou nada com o nome dele". De acordo com Valério, os empréstimos e transferências de recursos começaram depois da eleição de 2002. Foi no segundo turno da disputa presidencial que ele começou a se reaproximar de um velho amigo petista, o deputado Virgílio Guimarães (MG), seu conterrâneo da cidade de Curvelo. No mesmo ano, conheceu Dirceu e ficou próximo da cúpula do PT.

Depois de tudo que ocorreu, ele não se queixa de Delúbio, mas considera que Dirceu está fugindo de suas responsabilidades. Ele diz não saber se o Roberto Marques que aparece na lista de pessoas autorizadas a sacar no Banco Rural é o assessor particular do ex-ministro, mas conta que foi Delúbio quem pediu que incluísse o nome na relação de sacadores. "O dinheiro não era meu. Era do Delúbio. A ordem vinha do Delúbio e eu cumpria", assegura.

Em 15 de junho do ano passado, Marques foi autorizado a sacar um cheque de R$ 50 mil, mas não compareceu à agência. No dia seguinte, foi emitida uma nova autorização em nome de Luiz Carlos Mazano, identificado pela CPI como funcionário da Bônus-Banval, corretora que era usada para transferir dinheiro para políticos.

O publicitário mineiro diz rejeitar o termo "mensalão", usado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) para se referir aos repasses de dinheiro a políticos e partidos aliados do governo Lula.


Empréstimos começaram depois da eleição de 2002

De acordo com o empresário, as operações de empréstimos e transferências começaram depois da eleição.

Marcos Valério contou que na campanha presidencial de 2002 se aproximou de Delúbio Soares, na época tesoureiro do PT, depois de ter sido apresentado a ele pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG).

"Quer que eu lhe diga com sinceridade? Eu me aproximei do Delúbio porque queria me aproximar do governo", disse. "A DM9 colou no governo FHC, a DPZ colou no ex-secretário de Comunicação do governo anterior Andrea Matarazzo, a OGVI ganhou as contas... Eu me tornei amigo de Delúbio no decorrer de 2002 até o início de 2003", relatou.

No início de 2003, segundo o empresário, o ex-tesoureiro o procurou com a seguinte proposta:

"O negócio é o seguinte: os diretórios do PT estão todos endividados. Nós perdemos sete campanhas e ganhamos apenas uma. Eu preciso saldar as dívidas", teria dito Delúbio.

Foi aí que eles teriam começado a construir a idéia dos empréstimos: "Eu disse que tinha levado cano do PSDB com Eduardo Azeredo (candidato ao governo de Minas em 1998 e atual presidente nacional do PSDB). E contei que foi esse o motivo de minha briga com Clésio Andrade (vice na chapa de Azeredo em 98), meu ex-sócio. Quando eu fui cobrar a dívida, ele, o Clésio, me disse que era problema de campanha", afirmou.

Delúbio, então, lhe assegurou que o dinheiro seria pago. "Eu te dou garantias por escrito que o dinheiro será pago", teria dito o ex-tesoureiro . Todo o procedimento foi informado por Delúbio, segundo o empresário, ao então ministro José Dirceu.


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