No início deste governo, em artigo publicado nesta Folha de S.Paulo ("Tendências/Debates", dia 5/2/04), levantei a suspeita de que o núcleo dirigente do PT tivesse um projeto de poder com vista à mexicanização do país na forma de um modelo semelhante ao que vigorou no México durante os 70 anos de domínio do Partido Revolucionário Institucional.
Consistiria na manutenção da democracia formal, mas com a implantação de uma ditadura de fato graças ao poder hegemônico de um partido, não apenas pelo controle do aparelho estatal mas também pelo controle de boa parte da sociedade organizada.
Como resultado da clarividência dos políticos chilenos, aquele país é um modelo de estabilidade, exceção sul-americana |
Desconfio que esse plano começaria a ser executado de maneira dissimulada neste primeiro governo e, então, ser acelerado e consolidado no segundo mandato.
Esse projeto algo sinistro foi abalado, no início de 2004, pelo caso Waldomiro Diniz, e definitivamente abortado pela atual maré de escândalos, que fragilizou o governo e feriu fundo o PT.
O sonho petista de hegemonia transformou-se rapidamente num pesadelo de agonia. Mas o problema não é só do governo e do PT. O país vive situação muito difícil, pela conjugação de uma grave crise política com um complicado impasse econômico.
A crise política todos conhecemos. O impasse econômico consiste na impossibilidade de se retomar um crescimento elevado sem disparar a inflação. E a superação da crise política, por sua vez, é precondição para o rompimento do impasse econômico.
Para não reinventarmos a roda, talvez seja a hora de recorrermos à experiência alheia, não para copiá-la, mas para adaptá-la à nossa realidade. E nem precisamos sair do contexto latino-americano. Já que o PT quis repetir o mau exemplo do México do Partido Revolucionário Institucional, vamos mirar o bom exemplo do Chile do Partido Socialista.
Como é sabido, o regime militar chileno foi politicamente tirânico e socialmente injusto, mas se revelou competente na gestão da economia, que apresentou excelente desempenho na fase final do período autoritário.
Com o advento da redemocratização, temia-se que qualquer um dos dois grandes partidos do país -o Democrata Cristão, de centro, e o Socialista, de esquerda-, ao chegar ao poder, enveredasse por uma política econômica populista e irresponsável.
Foi então que o dirigentes de ambos os partidos tiveram a lucidez de fazer a chamada "concertación", um pacto que consistia basicamente em sustentar o equilíbrio macroeconômico, com mudanças apenas pontuais no modelo seguido pelos militares.
Acordo fielmente cumprido pelos governos que se seguiram ao regime militar -tanto pelos democrata-cristãos como pelos socialistas, ora no poder.
Importante lembrar que o Partido Socialista chileno é o mesmo de Salvador Allende, cujos herdeiros souberam reformular o programa partidário a fim de ajustá-lo ao mundo de hoje.
Como resultado da clarividência dos políticos chilenos, aquele país é um modelo de estabilidade, uma grata exceção no cenário conturbado da América do Sul, ao viver há anos em lua-de-mel com a trindade virtuosa: elevado crescimento econômico, inflação baixa e sistemática redução da pobreza.
Os dirigentes dos quatro maiores partidos do Brasil -PMDB, PT, PSDB E PFL, que detêm a maioria absoluta do Congresso Nacional-, se tiverem visão de estadista, aproveitarão a crise política atual para transformar esse limão em uma limonada e buscar, com grandeza, uma saída à chilena.
O objetivo? Encurtar o caminho para alcançar a trindade virtuosa que eles alcançaram.
Já que os petistas não conseguiram fazer, unilateralmente, a mexicanização que só eles queriam, então, que façamos, consensualmente, a chilenização que todos queremos.
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