Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 17, 2005

LUÍS NASSIF Os vários Brasis e a Daslu

Folha de S Paulo

Na década de 90, o Brasil foi dividido em quatro.
O Brasil 1 era o país oficial, que pagava impostos e tomava crédito em reais. Nesse país, só sobreviveram os grupos com poder de cartel.
O Brasil 2 é um segundo Brasil que surgiu nas barbas do BC e da Receita, por meio das liberalidades abertas para a entrada de recursos de empresas "offshore".
É o Brasil que não paga impostos, que deposita no exterior os bônus de seus executivos e de seus economistas -para que sigam bradando que é necessário aumentar impostos e cortar gastos sociais do Brasil 1. Esse modelo elevou o dólar às alturas, o que elevou as taxas de juros, dando espaço para dois subprodutos.
O Brasil 1 gerou o Brasil 3, das empresas que, tentando pagar em dia os encargos cada vez mais pesados, quebraram ou ficaram inadimplentes com o fisco.
Daí derivou o Brasil 4, do crime organizado: os grupos que se formaram com esquemas variados de sonegação ou corrupção de várias espécies, libertando-se do peso do "sócio" fisco e crescendo como um foguete.

O Brasil 4
O Brasil 4 está exemplificado no chamado "esquema Daslu", utilizado por um grande número de empresas importadoras. Vai aí um breve modelo, com informações adicionais do leitor Luiz Roberto Costa. Consiste no seguinte:
1) criam-se empresas laranjas no exterior e no Brasil, para que as empresas principais -o fornecedor principal no exterior e no Brasil- não corram o risco de receber nem pagar por fora;
2) em geral, remete-se para empresas laranjas no exterior algo em torno de 80% do valor da operação em moeda estrangeira. É por isso que o dólar paralelo não morre. As laranjas externas adquirem os produtos lá fora e revendem para as laranjas internas por preço subfaturados;
3) somados, impostos e custos de importação para artigos de luxo saem, em média, por 180% do valor FOB (preço no porto de origem). Ou seja, para mercadoria cujo preço FOB seja US$ 1, irá pagar-se, em média, US$ 1,80 de impostos e custo de importação;
4) ao internar o produto por 10% do valor, haverá a sonegação dos seguintes impostos e encargos que incidem sobre o valor da mercadoria: a) Imposto de Importação, b) IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), c) ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), d) PIS e Cofins, e) gasto de armazenagem e comissão para despachantes.

O Brasil 2
Conforme amplamente veiculado na imprensa, o Banco Pactual está sendo vendido por US$ 2 bilhões ao Goldman Sachs. O patrimônio líqüido do Banco Pactual no Brasil é de R$ 600 milhões, conforme dados do BC. Para ser vendido por US$ 2 bilhões, precisa ser muito rentável.
O Pactual tem o Pactual Overseas, em Bahamas. Oficialmente, o banco não consolida as demonstrações financeiras de ambos no Banco Central e na Receita Federal. Mas já divulgou seus números no exterior, para embasar o lançamento de títulos emitidos no mercado internacional pela Pactual Overseas. Juntando as demonstrações dos dois bancos, chega-se a isto:
1) o Pactual tem receitas por volta de US$ 300 milhões e lucro líqüido de US$ 150 milhões;
2) em 2004, pagou R$ 40 milhões em impostos no Brasil. Considerando-se que nenhum imposto é pago em paraísos fiscais, a tributação efetiva do banco está por volta de 9%, muito abaixo de bancos como Itaú e Bradesco;
3) as operações do banco são aqui, por aqui estão seus funcionários, clientes e custos. No entanto ele transfere seus lucros para Bahamas, que é um mero centro de custo. Só há uma explicação para essa estrutura societária e operacional do Pactual: não pagar impostos. É tudo tão escancarado que o banco entrega suas informações praticamente consolidadas às agencias de "rating", para que analisem seu credito. Os próprios auditores do BC, em suas análises sobre a solidez do banco, trabalham com o balanço consolidado.
No entanto, todos -BC, Receita, CVM- teimam em não olhar os ossos que estão no armário, mas expostos na sala de visita.

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