Editorial de O Estado de S Paulo Ética bolchevista

Credite-se às vozes petistas que pedem a expulsão do ex-tesoureiro Delúbio Soares um autêntico sentimento de ira diante dos atos por ele confessados que enxovalharam a imagem do partido tido como a antítese de todos aqueles outros agrupados sob o rótulo "farinha do mesmo saco". Bastam as meias-verdades das recentes declarações do homem do dinheiro do PT e do acusado de ser o homem da mala do mensalão, o publicitário Marcos Valério, para demonstrar que o Partido dos Trabalhadores não só "fez o que é feito no Brasil sistematicamente" – como acaba de admitir, exibindo conhecimento de causa, o presidente Lula –, mas o fez numa escala e com uma competência profissional que excede tudo o que se sabia dos piores costumes políticos nacionais: um caixa 2 de dezenas de milhões de reais para financiamento de campanhas de companheiros e aliados, usando o Estado, indiretamente, como "emprestador de última instância". Mas ao clamor pelo expurgo de Delúbio decerto não estará alheia a intenção de invocar a proverbial maçã podre que contrasta com a pureza do pomar inteiro e, lançada ao lixo, acaba de vez com o risco de sua contaminação. Trata-se, no caso, de uma dupla falsidade, no particular e no geral. No particular, porque a versão segundo a qual Delúbio agiu exclusivamente por iniciativa própria e sem dar satisfações a quem quer que seja já foi posta abaixo por ninguém menos do que o seu bom amigo e benfeitor Marcos Valério. Ele contou na semana passada ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que perguntou a Delúbio quem se responsabilizaria pelo empréstimo que ele lhe pedia, ouvindo como resposta: "Não se preocupe porque (o então ministro) José Dirceu e (o então secretário do partido) Sílvio Pereira têm conhecimento de toda a operação e diante de qualquer eventualidade eles serão os garantidores." No geral, a tentativa de debitar os malfeitos petistas a um dirigente, ou a um punhado deles – em suma, a uma circunstância infeliz na vida da legenda –, "não pega" porque finge ignorar que a "ética bolchevique" é um traço de nascença da agremiação. Numa entrevista ao jornal Valor, o novo presidente do PT, Tarso Genro, empregou a expressão para designar a crença de que "existe uma moral nossa e uma moral deles" e não "parâmetros éticos universais". Ele circunscreveu esse credo às "pessoas envolvidas" (no escândalo). Mas não é isso: a idéia de que os fins justificam os meios, legitimando toda sorte de crimes em nome da Causa, foi compartilhada no mundo por legiões de militantes; no Brasil, não foram poucos os petistas de primeira hora que haviam participado da "expropriação" de bancos em nome da luta contra a ditadura. Hoje, o que é corrupção em outras siglas é ético na sigla do bem. Faltou combinar com a opinião pública. Sintomaticamente, a indignação de um número cada vez maior de eleitores ludibriados pelo autodenominado partido da ética inferniza a vida de um sósia do deputado José Dirceu. Numa feira, por exemplo, atiraram-lhe tomates, aos gritos de "mensalão". A cada dia surgem novos motivos de revolta. Os jornais de ontem deram a lista de nomes que Delúbio forneceu a Valério, de petistas autorizados a sacar na agência do Banco Rural, em Brasília, a sua parte no empréstimo de R$ 39 milhões ao PT. Antes dos depoimentos de ambos, não parecia fazer sentido a informação de que políticos petistas ou seus prepostos faziam retiradas na instituição que abrigaria os recursos do mensalão pago a deputados da base aliada. Agora está claro que uma coisa não exclui a outra: se uns recebiam para votar com o governo, outros recebiam para quitar dívidas de campanha ou para arcar com a próxima. Um caso notório é do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, que contratou Valério para fazer a propaganda de sua solitária candidatura ao posto e depois, sempre por intermédio de Valério, pagou com dinheiro da Casa uma pesquisa sobre a sua imagem (ele é pré-candidato ao governo paulista). Quando se divulgou que a sua mulher, Márcia Regina, esteve na tal agência do Rural, o deputado explicou à CPI dos Correios, em ofício, que ela tinha ido pagar uma conta. Na sexta-feira, segundo O Globo, João Paulo retirou o documento para não passar por mentiroso: a comissão foi informada de que Márcia Regina fez na agência pelo menos um saque, da ordem de R$ 50 mil. O PT é uma macieira apodrecida.