O alastramento da crise está pondo a funcionar a sempre fecunda imaginação dos políticos. Não que as suas intenções sejam condenáveis a priori: até onde a vista alcança, o que os imaginosos têm em mente é prevenir o pior – a desintegração de um sistema cujo ramo legislativo se mostra cada vez mais enredado nos faustosos esquemas ilícitos do grão-operador da corrupção, o publicitário Marcos Valério, e cujo ramo executivo, além de mambembe, parece correr o risco de ser atingido a qualquer momento por uma denúncia demolidora. Não se pode esquecer que quem Silvio Pereira e Delúbio Soares estão "protegendo" quando mentem descaradamente é o ministro José Dirceu, não o deputado. A preocupação é legítima, embora ainda seja remota a possibilidade de surgir uma acusação consistente ao presidente da República em pessoa. Salvo prova em contrário, o máximo que dele se pode dizer, como se aventou nesta página, é que não quis saber o que pudesse haver de delituoso no seu governo, no seu partido e no relacionamento deste com os demais. Por via das dúvidas, no entanto, figuras políticas de expressão aparecem no noticiário como envolvidas em tratativas para contornar a mera hipótese de que um dia emerja um fato, ou mesmo o que os juristas chamam "indício veemente", capaz de colocar em xeque o mandato presidencial, reeditando em condições muito mais traumáticas o processo que deu fim à breve era Collor. À época, passados nem sete anos completos da saída do Palácio do Planalto do último dos generais do ciclo de 1964, havia o justificado receio de que as instituições democráticas poderiam não suportar o impacto da destituição do primeiro presidente civil eleito pelo voto direto em quase três décadas, por desmoralizado que estivesse. Para orgulho de todos, não apenas suportaram, como se engrandeceram, a começar do Legislativo. Já agora, o quadro seria inteiramente outro se a questão se pusesse em terreno mais firme do que o da especulação pela especulação. Em primeiro lugar, para dizê-lo sem eufemismos, o Congresso não teria autoridade moral para mexer com o presidente Lula. Embora não se possa afirmar que a integridade desertou de vez das suas Casas, os documentos em poder da CPI dos Correios e as apurações da mídia indicam que está longe de ser ínfima e de ser integrada apenas por membros das bancadas governistas a banda podre parlamentar. Segundo, à parte quaisquer considerações éticas, o Planalto teve êxito em robustecer a sua maioria na Câmara e no Senado, dando mais poder ao PMDB e abrindo finalmente a Esplanada ao PP do deputado Severino Cavalcanti. Terceiro e mais importante, a popularidade do presidente ainda é tal que ele aparece como favorito em qualquer cenário que se construa para a sucessão de 2006. O prestígio de Lula já não se compara ao dos primeiros meses do seu mandato, o que é natural, mas continua alto. Esses fatos da vida é que estão por trás do mais novo casuísmo posto a circular em Brasília: a antecipação das eleições de outubro para janeiro do próximo ano, mediante emenda constitucional. O estratagema abreviaria não só o tempo de governo de um presidente passível de entrar na linha de tiro da crise, mas também dos deputados e daqueles senadores cujos mandatos expiram em 2006. Não está claro se os governadores e deputados estaduais entrariam de cambulhada nesse arranjo. Tampouco se sabe se as "novidades criadas pela imaginação brasileira diante da crise", como diz o senador Marco Maciel, incluiriam mudanças no sistema de financiamento de campanhas, responsável em última análise pelo uso e abuso de "recursos não contabilizados", como o professor Delúbio fala do caixa 2. E o instituto da reeleição seria mantido? Nesse caso, a julgar pelas pesquisas, não se estaria com toda a probabilidade antecipando o segundo mandato de Lula? Mas não é por isso que a manobra em preparo deve ser arquivada sumariamente. É porque a estabilidade das regras políticas – entre elas a dos prazos do calendário eleitoral – constitui um dos pilares essenciais da ordem democrática. Crises não se resolvem com golpismos parlamentares para encurtar (ou encompridar) mandatos em exercício. Crises se resolvem cumprindo a lei, investigando os malfeitos que lhes deram origem e punindo os que por eles tiverem culpa formada.
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sábado, julho 23, 2005
Editorial de O Estado de S Paulo Não aos casuísmos
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