o globo
Germano Oliveira e Flávio Freire
SÃO PAULO
Em meio às denúncias de que o PT comprava o apoio de parlamentares, a Polícia Federal prendeu ontem no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, um dirigente do PT cearense que carregava quase meio milhão de reais em dinheiro. José Adalberto Vieira da Silva — secretário de Organização do PT do Ceará e chefe de gabinete do deputado José Nobre Guimarães, líder da bancada do PT na Assembléia Legislativa e irmão do presidente nacional da legenda, José Genoino — foi preso quando embarcava para Fortaleza, com escala em Brasília, carregando R$ 437.500 em dinheiro vivo: R$ 200 mil estavam numa mala e outros US$ 100 mil (cerca de R$ 237 mil) presos ao corpo, escondidos sob a cueca.
Os policiais apreenderam ainda com o assessor uma agenda comemorativa aos 25 anos do PT, além de ofícios do partido na Assembléia do Ceará. Delegados da PF disseram ontem que apresentariam à imprensa apenas o dinheiro apreendido porque o material caracterizava a prática de crime e recusaram-se a exibir os documentos do PT que estavam na mala.
Esmalte do assessor despertou suspeitas
José Adalberto, de 39 anos, foi detido quando passava a mala de mão com o dinheiro pelo aparelho de raio-x do aeroporto, recém-aparelhado e ampliado pelo governo Lula. Perguntado sobre o alto valor que carregava na mala, o assessor disse que é agricultor e que o dinheiro seria fruto da venda de legumes ao Ceagesp, o maior centro de abastecimento do país. Depois de checar se as mãos de Adalberto apresentavam sinais comuns de quem costuma mexer com terra, os policiais verificaram que se tratava de uma mão "bem cuidada" e que ele usava esmalte incolor.
Desconfiados, os agentes federais o levaram a uma sala reservada do aeroporto. Lá, descobriram os US$ 100 mil sob a cueca. Enquadrado no crime contra o sistema financeiro e a ordem tributária nacional (qualquer pessoa que viaje com mais de R$ 10 mil dentro do país deve declarar o valor ao escritório da Receita Federal nos aeroportos), o petista recebeu voz de prisão às 11h40m e foi levado à sede da PF. Ele se recusou a prestar depoimento e disse que só falaria em juízo e na presença de seus advogados.
Em 2000, José Adalberto tentou se eleger vereador pelo PT em Aracati, no interior do Ceará, mas só obteve 215 votos. O assessor teria chegado a São Paulo na quinta-feira por volta de 14h. Ficou hospedado no Hotel Quality, na Avenida Faria Lima, região nobre da capital.
Ao ser informada da prisão de José Adalberto, a presidente do PT do Ceará, Sônia Braga, disse estar surpresa.
— Isso não entra na minha cabeça. Que diabo é isso que você está me falando? Quando você me disse que ele estava preso em São Paulo, pensei que tivesse matado alguém. Almocei com ele aqui na cantina da sede do PT no Ceará ainda ontem (anteontem). Ele me disse que ia para casa (mora em Aracati) e ainda não acredito que ele foi para São Paulo e que estava voltando para cá com uma mala cheia de dinheiro. Estou passando mal — disse Sônia Braga.
'Estou chocada', diz petista do Ceará
A presidente do PT do Ceará disse não acreditar que o irmão de Genoino tenha envolvimento com o dinheiro que José Adalberto carregava.
— Eu conheço o Guimarães há 25 anos. Ele é um moço pobre, não tem patrimônio. Sempre foi muito correto — disse Sônia Braga, afirmando que Guimarães se "dá muito bem com o irmão José Genoino", negando a versão de que os dois estejam rompidos politicamente.
Sônia disse que, se ficar comprovado que José Adalberto carregava dinheiro de forma ilícita, ele será expulso do partido.
— Não passa nem pela comissão de ética. Estou chocada com tudo isso. Prefiro acreditar que tudo não passa de um grande engano. Mas antes de tudo, não posso acreditar que o deputado Guimarães tenha qualquer coisa a ver com essa mala de dinheiro — disse a presidente do PT cearense.
Procurado pelo GLOBO por telefone, José Genoino, que estava na reunião do Campo Majoritário, corrente que dirige o PT há dez anos, não quis comentar o assunto, informando que seu irmão já havia dado entrevista e esclarecido sua posição a respeito do homem da mala preso em Congonhas.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que, por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a PF está apurando todos os fatos que devam ser esclarecidos. O ministro afirmou ainda que o governo não protege os amigos, nem persegue os inimigos.
"A investigação será ampla e profunda até descobrir a origem e o destino do dinheiro", disse, em nota divulgada pelo "Jornal Nacional".
O GLOBO tentou falar com a mulher de José Adalberto, em Aracati, mas o celular estava desligado.
COLABORARAM Tatiana Farah e Dawlton Moura
'Ele falou ao ser preso? Nada? Ainda bem'
SÃO PAULO E FORTALEZA. A primeira reação do deputado estadual José Nobre Guimarães (CE), ao ser informado pelo GLOBO sobre a prisão de seu assessor político José Adalberto Vieira da Silva, foi de espanto.
— Como ele foi preso? Será que ele estava envolvido com droga? Nem sabia que ele estava aqui em São Paulo. Não falo com ele desde quarta-feira — disse Guimarães, irmão do presidente do PT, José Genoino, e coordenador da campanha de Lula no Ceará, na eleição presidencial de 2002.
Guimarães, líder do PT na Assembléia do Ceará, conhece há dez anos o assessor preso em São Paulo.
— Ele é meu assessor político há três anos. Vem do movimento sindical. Nunca mexeu com dinheiro. Isso está me cheirando a armação, para surgir num momento como este, em que o partido enfrenta tantos problemas — disse o deputado, membro do diretório nacional do PT, que estava ontem em São Paulo para participar da reunião do Campo Majoritário.
Depois de falar com O GLOBO pelo celular, Guimarães não desligou o aparelho e, sem saber que estava sendo ouvido, conversou em outro telefone com um assessor que fora a PF se encontrar com José Adalberto.
— Ele falou alguma coisa ao ser preso? Não falou nada? Disse que só vai falar na presença do advogado? Ainda bem. Me mantém informado — disse Guimarães.
Ele está no segundo mandato e tem como base Quixeramobim, no interior do Ceará, onde também nasceu Genoino. Advogado, é líder do PT na Assembléia do Ceará, onde é presidente da Comissão de Constituição, Justiça, Redação e de Fiscalização e Controle. Ele presidiu o PT cearense de 1992 a 2001 e foi chefe de gabinete da prefeitura petista de Fortaleza.
Professor Luizinho defende Genoino no novo escândalo
O ex-líder do governo na Câmara Professor Luizinho defendeu ontem à noite o presidente nacional do PT, José Genoino, de mais um escândalo, ao ser comentar a prisão do dirigente petista do Ceará.
— O Genoino não tem nada com isso. Ele não pode ser responsabilizado por um crime cometido por uma pessoa do Ceará, que nem é dirigente do PT — disse o professor Luizinho, esquecendo-se que José Adalberto Vieira da Silva é Secretário de Organização do PT do Ceará e assessor político do deputado José Nobre Guimarães.
José Adalberto ocupa o cargo desde janeiro, quando o então presidente do PT estadual assumiu a direção da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). (Germano Oliveira, Tatiana Farah e Dawlton Moura)
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