Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 03, 2010

Não é hora de uma guerra comercial JOSEPH E. STIGLITZ

O Globo - 03/05/2010

A batalha com os Estados Unidos sobre a taxa de câmbio da China continua. Quando a Grande Recessão começou, muitos temeram que o protecionismo ergueria sua tremenda cabeça.

É verdade que os líderes do Grupo dos 20 afirmaram ter aprendido as lições da Grande Depressão. Mas 17 dos 20 membros adotaram medidas protecionistas meses após a primeira cúpula, em novembro de 2008. O item Compre na América ("Buy America") na lei de estímulo dos EUA foi o que chamou mais a atenção. Ainda assim, o protecionismo foi contido, em parte pela Organização Mundial do Comércio.

O fato de a economia continuar dando sinais de fraqueza nos países avançados aumenta o risco de uma nova onda protecionista. Nos EUA, mais de um em cada seis trabalhadores que procuram um emprego em tempo integral não consegue obtê-lo.

Esses eram alguns dos riscos associados ao insuficiente pacote de estímulo adotado nos EUA, projetado tanto para aplacar o Congresso quanto para reviver a economia. Com os déficits estourando, um segundo pacote de estímulo parece improvável; com a política monetária atingindo seu limite e a inflação mantida à distância com dificuldade, há pouca esperança de que alguma ajuda surja desta área.

O Departamento do Tesouro foi encarregado pelo Congresso de determinar se a China é uma "manipuladora da moeda". Embora o presidente Obama tenha ampliado o prazo para que o secretário do Tesouro Timothy Geithner divulgue seu relatório, o próprio conceito de "manipulação monetária" é furado: todos os governos adotam ações que, direta ou indiretamente, afetam a taxa de câmbio. Grandes déficits orçamentários podem enfraquecer a moeda; da mesma forma, baixas taxas de juros.

Até a recente crise na Grécia, os EUA se beneficiavam de um dólar fraco diante do euro. Os europeus deveriam ter acusado os EUA de "manipularem" a taxa de câmbio para expandir suas exportações às custas deles? Embora os políticos americanos ponham o foco no déficit bilateral com a China — persistentemente elevado — o que importa é o equilíbrio multilateral. Quando as exigências para que a China ajustasse sua taxa de câmbio começaram, no governo Bush, seu superávit fiscal multilateral (com todos os parceiros comerciais) era pequeno. Mais recentemente, contudo, a China obteve também grandes superávits multilaterais.

A Arábia Saudita também tem superávit bilateral e multilateral: os americanos querem seu petróleo, e os sauditas, menos produtos americanos.

Mesmo em valores absolutos, o superávit comercial multilateral da Arábia Saudita de US$ 212 bilhões em 2008 superava o de US$ 175 bilhões da China.

Como percentual do PIB, o atual superávit em conta corrente saudita, de 11,5%, é mais de duas vezes maior que o da China. O superávit saudita seria muito maior não fossem as exportações de armas dos EUA para o país.

Numa economia global com demanda agregada deficiente, superávits em conta corrente são um problema. Mas o da China é menor do que os do Japão e da Alemanha combinados; como percentagem do PIB, é de 5%, comparado aos 5,2% da Alemanha.

Muitos fatores outros que taxas de câmbio afetam a balança comercial de um país. Um determinante importante é a taxa de poupança nacional. O déficit comercial multilateral dos EUA não será reduzido enquanto os americanos não pouparem significativamente mais; embora a Grande Recessão tenha induzido a maiores taxas de poupança das famílias (que estavam próximas de zero), elas foram anuladas pelo crescimento dos déficits governamentais.

Ajustar a taxa de câmbio é como simplesmente trocar o lugar de onde os americanos compram têxteis e roupas — Bangladesh e Sri Lanka, em vez da China. Já um aumento na taxa de câmbio deverá contribuir para a desigualdade na China, na medida em que seus pobres fazendeiros enfrentam competição crescente das fazendas americanas altamente subsidiadas. Essa é a distorção comercial real na economia global — milhões de pobres nos países em desenvolvimento são prejudicados enquanto os EUA ajudam alguns dos fazendeiros mais ricos do mundo.

Durante a crise financeira asiática de 1997/1998, a estabilidade do yuan (moeda chinesa) foi importante para a estabilização da região. Assim, também, a estabilidade do yuan ajudou a região a manter um crescimento vigoroso, do qual todos se beneficiam.

Alguns argumentam que a China precisa ajustar a taxa de câmbio para prevenir inflação ou bolhas. A inflação permanece contida e o governo da China tem um arsenal de outras armas (de taxas sobre a entrada de capitais e sobre ganhos de capital a uma variedade de instrumentos monetários) à sua disposição.

Mas taxas de câmbio de fato afetam o padrão de crescimento e é no interesse da própria China uma reestruturação que a torne menos dependente do crescimento impulsionado pelas exportações.

A China reconhece que sua moeda precisa se valorizar no longo prazo, e a politização da velocidade em que isso deve acontecer tem sido contraproducente.

(Desde que começou a reavaliar sua taxa de câmbio, em julho de 2005, o ajuste está na metade do que a maioria dos especialistas julga necessário.) Além disso, iniciar um confronto bilateral não é algo inteligente.

Uma vez que o superávit multilateral da China é a questão econômica e preocupa muitos países, os EUA deveriam procurar uma solução multilateral, dentro das regras. Impor barreiras unilaterais depois de chamar a China de "manipuladora de moeda" seria prejudicial ao sistema multilateral, com pouco a ganhar. A China poderia responder impondo taxas sobre produtos americanos direta ou indiretamente subsidiados pelas maciças operações de resgate de bancos e fabricantes de automóveis.

Ninguém ganha uma guerra comercial.

Então, os EUA deveriam ser cuidadosos antes de iniciar uma em meio a uma incerta recuperação global.

Infelizmente, a crise global foi feita nos EUA e o país precisa olhar para si mesmo, não só para recuperar sua economia, mas também para prevenir uma recorrência.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista.

© Project Syndicate

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