Entrevista:O Estado inteligente
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sábado, junho 30, 2007
Ambição nuclear Miriam Leitão
— O grande medo neste momento no Brasil é de faltar energia, e a nuclear tem várias vantagens. Uma delas é que, desta forma, diversifica-se a matriz energética.
Outra vantagem é que ela não tem sazonalidade.
A energia hidrelétrica tem um sazonalidade terrível. A terceira é que pode ser instalada perto dos centros consumidores; a única exigência é que haja água para refrigerar a usina.
As hidrelétricas da Amazônia, por exemplo, têm que ser feitas, mas terão uma grande perda de energia na transmissão para os centros de consumo — afirma Rezende.
Assim, diz que a nossa matriz atual é tão sujeita à sazonalidade que a composição com energia nuclear é ideal, porque, na nuclear, segundo ele, há apenas paradas técnicas para manutenção ou para troca de pastilhas no núcleo do reator.
— São pastilhas que duram seis meses, e são três em cada reator. Desta forma, pode-se parar por apenas algumas horas, trocar uma das pastilhas, e logo depois ela está pronta para voltar a funcionar — explica.
Outra das vantagens da energia nuclear, na opinião do ministro da Ciência e Tecnologia, é que o Brasil tem matéria-prima abundante: — Nossas reservas de urânio conhecidas são suficientes para alimentar Angras 1, 2 e 3 por 500 anos.
A grande questão levantada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é que a humanidade ainda não sabe o que fazer com os rejeitos. A pastilha usada é tirada da usina, mas continua irradiando por milhares de anos. Hoje, elas são colocadas numa piscina, porém, quando a piscina não comportar mais, terão que ser postas em tanques blindados e enterrados no que o ministro chama de “depósito semidefinitivo”.
Mas onde enterrar ? — Uma das idéias é fazer uma licitação para saber que município brasileiro aceita que o lixo seja enterrado em seu território por 300 anos e, neste período, o município receberá uma receita para tanto.
Não vai faltar município. É assim em outros países.
Sergio Rezende está convencido de que o controle da tecnologia também não será um obstáculo: — Hoje controlamos grande parte da tecnologia de construção da usina, menos a do núcleo do reator, e apenas uma parte do ciclo de enriquecimento do urânio tem que ser feita fora do país. Num programa maior, não tenho dúvida que desenvolveremos tecnologia para controle de todo o processo.
E os riscos de vazamento? O ministro também acredita que não é problema.
Lembra que houve dois casos de vazamento: Chernobyl e Three Mile Island. O primeiro foi catastrófico, mas era uma usina de tecnologia ultrapassada, um reator de primeira geração; e o segundo não teve vítimas.
A energia nuclear sempre será polêmica por vários motivos e aqui estão os argumentos de um apaixonado defensor da opção nuclear.
O ministro me ligou porque, segundo ele, queria responder a alguns argumentos publicados aqui contra a energia nuclear.
O especialista em energia, David Zylbersztajn, envioume um e-mail argumentando que as restrições ao projeto de Angra 3 fazem sentido. O primeiro ponto dele é como alguns projetos viram, de repente, a salvação da vez. Agora, Angra; antes, Madeira. Mas o que particularmente preocupa Zylbersztajn é o custo da usina.
— No final dos anos 80, fiz uma análise de custos de Angra 1, publicada na revista da SBPC, e demonstrei que havia enormes “equívocos” de contabilidade que levavam o preço da energia da usina à estratosfera.
É típico na história do setor elétrico brasileiro a subavaliação dos orçamentos iniciais e a farra de aditivos contratuais ao longo da obra — lembra.
No caso de Angra 3, Zylbersztajn diz que há muitas dúvidas sobre o valor de R$ 7,5 bilhões para o resto da obra, que já consumiu R$ 2,5 bilhões.
— Alguém auditou os números apresentados? Qual o custo de oportunidade desses R$ 10 bilhões? Quanto de pesquisa com fontes renováveis poderia ser feito com tanto dinheiro? Segundo ele, a usina será subsidiada, já que dificilmente se conseguirá uma tarifa que cubra os custos.
— E subsídio por subsídio, por que não para eólica, solar ou biomassa? O ministro Sergio Rezende garante que não haverá subsídio: — Hoje não há subsídio em Angras 1 e 2, e a Eletronuclear dá lucro. A Eletrobrás é que fará a usina, porque isso é monopólio estatal. Ela tomará empréstimo no BNDES, a tarifa terá que ser realista, e terá que cobrir os custos do financiamento.
Os dados mostram que é uma energia mais barata que diesel e car vão.
O ministro diz que um ambientalista tem que ver o lado bom da energia nuclear neste momento: — Ela não emite nada de CO2.
Essa energia está condenada à controvérsia apaixonada.
Mas uma coisa é certa: o governo precisa explicar melhor como será este “programa nuclear para valer” de que fala o ministro da Ciência e Tecnologia.
Merval Pereira PSOL, ontem e hoje
Na quinta-feira, quando protocolou a ação contra Joaquim Roriz, Heloisa Helena voltou aos velhos tempos, soltando uma frase de efeito bombástico: “Quero destruir os bezerros de ouro da política nacional”, numa alegoria bíblica muito ao gosto do partido, cujos integrantes estão muito próximos da história das comunidades eclesiais de base, que deram origem ao PT.
Heloisa Helena esteve a ponto de se transformar no fato novo da eleição presidencial, mas acabou em terceiro lugar, longe do segundo turno: obteve 6.575.393 votos nas eleições para presidente da República no ano passado, ou 6,85% do total válido, ficando atrás da soma dos brancos e nulos (que totalizaram 8,823,412 votos, ou 8,41% dos votos).
Para o PSOL, moralidade pública, ética na política e transparência “deveriam ser posturas básicas, elementares, precondição para a disputa de projetos. No Brasil de hoje, virou rara virtude”, analisa o deputado federal e historiador Chico Alencar, líder do partido na Câmara.
Seus próprios integrantes brincam com a sigla, a qual chamam de “pequeno notável”, ou “fraco abusado”.
Mas falam também em “PSOL nascente”, num trocadilho que exprime o orgulho de fazer parte de um partido que tem tanta fé na sua mensagem que defendeu a adoção da lista fechada nas votações proporcionais, certo de que a legenda pode representar uma parte do eleitorado que estaria cansada dos partidos tradicionais, aí incluído o próprio PT.
Eles sabem que surgiram, como define o Alencar, “em época e circunstâncias bem diferentes das do finado PT.
Ali, no alvorecer dos anos 80, havia uma energia democratizante que se expressava em sindicatos autênticos, distintos do peleguismo de Joaquinzão, movimentos de moradores, contra a carestia, luta organizada por terra e teto, comunidades eclesiais de base, afirmação de expressões étnicas e de gênero, uma ruidosa reconquista de espaços públicos”.
Ele lamenta que o PT, que tem “esse berço virtuoso e se constituiu para renovar as práticas políticas, sentindo que o ‘ônibus MDB’ já não ia na direção da ampla avenida do protagonismo popular”, tenha sido “domesticado pelo poder”. Ao negar sua trajetória, diz Alencar, o PT “perde o horizonte utópico e troca idéias e causas por um pragmatismo que faz Maluf, Jader, Renan e que tais, antigos inimigos viscerais, transitarem à vontade no Planalto”.
O PSOL se considera o “abrigo da esquerda que não se nega”. Ao contrário, diz Alencar, “temos certeza de que é fundamental a existência do ainda pequenino PSOL na sociedade brasileira”. Mas os do PSOL, embora não queiram ser “cavaleiros andantes solitários da ética elementar”, não temem o isolamento parlamentar, “quando nem outros partidos com viés supostamente progressista, como o PV e o PPS, assumem por inteiro essas batalhas contra o corporativismo que amesquinha a representação”.
Ele critica o PSB e o PDT, componentes do chamado “Bloco de Esquerda”, que “se desvencilharam do poderoso PT, mas não das amarras do poder, do qual usufruem no governo de coalizão, e ficam inibidos para questionar procedimentos espúrios de aliados”.
O PSOL enfrenta “enormes debilidades organizativas”, com 20 mil filiados em todo o Brasil. No primeiro congresso, realizado recentemente, compareceram 740 delegados “combinando impressionante energia juvenil e a persistência de velhos dirigentes populares”, na descrição otimista de Chico Alencar. Para se ter uma idéia da desproporção de forças no momento, o PT tem cerca de 800 mil filiados com direito a voto.
A estratégia do PSOL é “o equilíbrio entre a inserção social, nas lutas populares, e a presença institucional, nas instâncias formais da nossa limitada democracia.
Um pé na praça, outro no palácio, para questionar suas liturgias corrompidas, para criar ferramentas que possibilitem às maiorias sociais se expressarem como maiorias políticas”.
Chico Alencar garante que o PSOL quer ser “alternativa real de governo — quiçá de poder — algum dia, mas a longa marcha começa com os primeiros passos: vamos com tudo, com campanhas radicalmente diferentes das que já enjoam o eleitorado, em alguns municípios ano que vem, ali onde temos militância, vida real e quadros qualificados para disputar prefeituras e cadeiras na edilidade”.
Repetindo a estratégia do PT, o PSOL pode até mesmo se transformar com o tempo em uma alternativa política ascendente. Mas o PT, embora ainda não tenha tido a coragem de retirar de seu programa a defesa do socialismo, como fez, por exemplo, o Partido Trabalhista inglês há dez anos, já não se bate pela sua implantação.
E só chegou ao poder quando se uniu aos conservadores, coisa que no momento é inimaginável para o PSOL.
Os dois processos instaurados no Conselho de Ética do Senado, contra o presidente Renan Calheiros e o senador Joaquim Roriz, têm uma origem única: representações do PSOL, nascido da dissidência petista, expulsa do partido em 2003 depois de tentar fazer com que o governo Lula seguisse o programa partidário, em grande parte revogado na prática do poder.
O Partido Socialismo e Liberdade tem apenas três deputados (Chico Alencar, do Rio; Luciana Genro, do Rio Grande do Sul; e Ivan Valente, de São Paulo), e um senador sem votos (José Nery, do Pará, que assumiu o lugar da senadora Ana Júlia Carepa, do PT, eleita governadora). Mas faz um barulho danado, repetindo a tática do PT original, querendo marcar sempre sua posição. Como se dissesse: “Eu sou você ontem”.
FERNANDO GABEIRA
O CONGRESSO brasileiro é um dos mais caros do mundo. É presidido por um homem que não quer largar o osso, perdidas todas as condições políticas de representá-lo.
Como explicar tudo isso? Calheiros começou abordando seu drama com categorias psicológicas. Um processo esquizofrênico. Passou em seguida para as categorias políticas: uma perseguição fascista.
Isso indica pelo menos que têm conhecimentos de psicologia e de política, embora os tenha manipulado. Por que resiste em deixar o cargo, depois de passada a hora?
Há muitos pontos que explicam essa resistência. Quem vive aqui sabe que as pessoas voltadas para o poder pessoal têm uma visão particular dele. Não consideram que o poder seja resultado do respeito e admiração de seu povo. Acham o contrário: uma vez tendo poder, admiração e respeito acabam se agregando como conseqüência.
Atribui-se a Henry Kissinger a frase: o poder é afrodisíaco. Tenho uma visão oposta: o poder é muito mais próximo de Tanatos do que de Eros. No entanto, ele engana.
Vi deputados reclamarem de solidão no cotidiano. Guindados à posição de ministro, sentiram-se subitamente interessantes. Não é nada pessoal; os cargos atraem elogios, afinidades, voltadas para o que simbolizam e o que podem dar de volta.
A resistência de Renan, execrado pela mídia, condenado pela opinião pública, contém uma dose de sabedoria. É expectativa de que as coisas se acalmem, novos temas subam às manchetes. Todos sabem que a mídia depende das notícias; não é, profissionalmente, uma cruzada moral. Novas notícias, novas manchetes.
Para isso existem intelectuais, embora também espécie em extinção. O único combate conseqüente contra o poder é a memória.
O que importa um julgamento futuro se as pessoas aceitam ser execradas no presente? O critério é o número de votos, a possibilidade de se manter no topo.
A verdade é esta: o Brasil é refém de uma categoria de políticos que está de costas para os anseios da opinião pública. Seu argumento é o de que a classe média é moralista.
Os pobres sim, esses o conhecem e vão consagrá-los nas urnas. Roriz encarna essa política. Alguns motoristas disseram claramente que votarão sempre nele: legalizou nosso terreno.
A magnitude da mudança não depende só da opinião pública. Será preciso uma ampla frente com os mais pobres, atraindo-os para uma nova concepção. É importante que vejam como direitos o que lhes é mostrado hoje como favor.
RUY CASTRO
Isso foi em 2002. Hoje entendo melhor o que acontece a esses garotos, quase todos oriundos da pobreza, que se vêem de repente na Europa, cercados por 2.000 anos de luxo e de história, e já fazendo parte desse luxo e dessa história.
Não importa a cidade -Milão, Barcelona, Baden-Baden, qualquer uma-, eles logo ganham status de heróis. Jogam em times milionários e entrosados, nos quais atuam em suas verdadeiras posições e rendem o que sabem. Tornam-se artilheiros, conquistam títulos históricos e justificam os milhões de euros que recebem. Tudo que fazem é notícia. As TVs os adoram, as mulheres caem aos seus pés e não é por acaso que quase nenhum deles é casado. É a glória.
E então, no melhor da festa, a seleção brasileira os convoca para torneios pífios, como a Copa América, ou amistosos contra o Uzbequistão.
E é sempre a mesma coisa. Os jogadores só se reúnem ao entrar em campo. São escalados fora de suas posições e jogam mal. O time não se entende e, se vencer, eles não fizeram mais que sua obrigação. Se perder ou empatar, o que hoje é comum, suas orelhas ardem ao som dos resmungos de milhões. Fora o risco de se machucar e ficar de fora do que realmente lhes importa: seus times europeus. A seleção, para eles, não quer dizer mais nada. É apenas um estorvo amarelo.
FERNANDO RODRIGUES
BRASÍLIA - A escolha de Leomar Quintanilha (PMDB-TO) para presidente do Conselho de Ética eleva ao paroxismo a capacidade de o Senado se autoflagelar.
O tocantinense responsável pela ética da Casa é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). É acusado de "suposta prática de crimes de quadrilha ou bando, peculato [desvio de verbas] e fraude a licitação". Também responde por "crime contra a ordem tributária".
Quintanilha comentou o assunto: "Jamais fui oficialmente notificado, razão pela qual não tenho elementos para me pronunciar".
Quintanilha faz parte de uma anomalia irreversível no Senado da República. Goiás passou a ter nove senadores depois da Constituição de 1988: os três originais, as três cadeiras extras para o novo Estado de Tocantins e ainda mais três para Brasília, o Distrito Federal.
No caso brasiliense, o histórico é desabonador. Um senador, Luiz Estevão, já foi cassado (o primeiro da história a perder o mandato dessa forma). José Roberto Arruda renunciou para não ser cassado. Acabou eleito governador de Brasília. Um terceiro, Joaquim Roriz, está enredado num escândalo envolvendo compra e venda de gado. Tocantins agora oferece ao Brasil o heterodoxo Leomar Quintanilha -um político com passagens pela Arena, PC do B e PMDB.
O PMDB, sigla atual de Quintanilha, é para ele talvez o porto mais seguro. Segundo levantamento do site especializado Congresso em Foco, a bancada de 20 peemedebistas no Senado é a campeã em número de processados criminalmente. Só três jamais foram indiciados pelos tribunais superiores: Pedro Simon (RS), Paulo Duque (RJ) e Geraldo Mesquita (AC).
Esses três nunca são cotados para relatar o Renangate ou para presidir o Conselho de Ética. Compreensível. Seria uma anomalia incompatível com o atual Senado.
frodriguesbsb@uol.com.br
CLÓVIS ROSSI
LISBOA - Vou zapeando distraído na TV até cair na Al Jazeera (em inglês). Mostra cenas de destruição. Penso: outra vez o Oriente Médio em chamas.
Depois, presto atenção e descubro que a TV árabe está mostrando o Rio de Janeiro que o repórter Luiz Fernando Vianna descreveu assim nesta Folha ontem:
"Marcas de tiros nas paredes, casas e automóveis destruídos, centenas de cápsulas de balas espalhadas e muito sangue. Moradores da favela da Grota, onde se concentrou a operação policial no complexo do Alemão, fotografaram ontem os estragos da véspera".
Não parece uma descrição do Iraque, do Líbano, do confronto entre palestinos em Gaza?
O jornal português "Público" reforça e dramatiza a comparação, em texto de Nuno Amaral, do Rio de Janeiro. Subtítulo: "Entre 2002 e 2006, foram assassinados no Oriente Médio 729 menores. No mesmo período, foram assassinados no Rio de Janeiro 1.857 jovens.
É a guerra".
A comparação se baseia, explica o jornalista, em estudo da Universidade Harvard.
É, de fato, "a guerra". Não adianta o presidente Lula reclamar que os jornais só publicam notícias ruins ou dizer que brasileiro gosta de falar mal do Brasil.
Os fatos é que falam mal do país.
Seria mais proveitoso que, em vez de resmungar, Lula jogasse o governo na guerra da segurança pública -e não apenas no Rio. Mas é pedir demais. No Brasil, guerra só se dá nas ruas. Nos gabinetes reina sempre o deixa-como-está-para-ver-como-fica.
A frase com que o cândido e bom senador Eduardo Suplicy encerrou seu artigo de ontem nesta Folha é, a propósito, todo um compêndio sobre a inação tropical: "No Brasil, já demos um grande passo nessa direção ao aprovar a lei que institui a renda básica de cidadania. Só falta implementá-la". Só.
crossi@uol.com.br
Santa inocência
Com caciques do PMDB envoltos em suspeitas, é posta à prova opção de Lula por aliança capaz de propiciar estabilidade
O PMDB não é o único partido a congregar em suas fileiras aquele gênero de políticos a respeito dos quais, hoje, é aplicado o mantra de que "são inocentes até prova em contrário".Haveria, sem dúvida, formas bem menos eufemísticas de qualificar um estilo de atuação público-privada para a qual, do PT ao PL e do DEM ao PSDB, representantes de todas as correntes ideológicas têm demonstrado estarrecedora criatividade e irreprimível vocação.
Deve-se todavia convir que, dentre os partidos brasileiros, é o PMDB que concentra, nos últimos dias, os casos em que a "presunção de inocência" precisou ser invocada de maneira mais extremada e contundente.
Inocente, até prova em contrário, seria o senador Joaquim Roriz, do PMDB do Distrito Federal; inocente, até prova em contrário, seria o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas.
Do primeiro, noticia-se que, para obter um suposto empréstimo de R$ 300 mil com um empresário amigo seu, recebeu um cheque no valor de R$ 2,2 milhões; Roriz afirma ter devolvido, em espécie, o excedente ao seu amigo.
Do presidente do Senado, ouvem-se explicações detalhadas a respeito de suas atividades na pecuária, que lhe teriam garantido os recursos para custear a educação de uma criança nascida de relação extraconjugal. Nesse delicado "affaire", Calheiros contou com a intermediação do lobista de uma empreiteira.
Ambos dizem-se inocentes, indignam-se como inocentes, explicam-se como inocentes, enredam-se como inocentes, resistem às investigações como inocentes, juram inocência como inocentes e haverão de continuar inocentes, até prova em contrário.
O que independe de "prova em contrário", todavia, é o grau de desmoralização política que resulta de toda a tragicomédia. Não se trata apenas do Senado como instituição, vacilando em meio ao esconde-esconde dos relatores e presidentes de seu Conselho de Ética.
O presidente Lula, que no primeiro mandato conheceu o escândalo do mensalão, se vê agora repetindo um mesmo discurso de apoio constrangido aos novos aliados do PMDB. Conhecera a inocência -até prova em contrário- de uma base de sustentação composta de partidos nanicos, sem ideologia definida, sem nenhum ponto em comum além da sede pelos cargos no Executivo.
No segundo mandato, Lula apostou numa base parlamentar mais "sólida", que contasse com um partido que, ao menos do ponto de vista quantitativo, não poderia ser chamado de nanico. Depois de um documento recheado de pontos "programáticos", o PMDB formalizou seu apoio ao presidente.
Seria em tese opção política mais consistente do que a experimentada no primeiro mandato. Os resultados, entretanto, não diferem, nem poderiam diferir. Afinal, peemedebistas, petebistas, liberais e "tutti quanti" competem, em pé de igualdade, na mesma santa inocência.
Celso Ming,É a lei do etanol
celso.ming@grupoestado.com.br
Na semana passada, o Senado dos Estados Unidos sancionou a nova Lei do Etanol (Energy Bill), que terá enorme impacto sobre o mercado mundial de bioenergia.
Ficou definido que os Estados Unidos tratarão de garantir em 2022 a oferta de 36 bilhões de galões (136,1 bilhões de litros) anuais de etanol (álcool) para contribuir na substituição de derivados de petróleo no transporte.
Em 2006, a produção mundial de etanol ultrapassou 13 bilhões de galões (50 bilhões de litros). Brasil e Estados Unidos produzem cerca de 4,5 bilhões de galões (17 bilhões de litros) por ano cada. Prover os 36 bilhões de galões em 2022 implica ampliar em oito vezes a oferta de 2006. A pergunta seguinte é saber de onde aparecerá tanto etanol.
Hoje quase todo o etanol produzido nos Estados Unidos provém do milho, cultura que, em 2005, recebeu US$ 9,4 bilhões em subsídios. A produção anual alcança 10,5 bilhões de bushels (266,7 milhões de toneladas). Se toda a produção de milho fosse canalizada para a produção de etanol, à proporção de 2,7 galões de etanol por bushel, os americanos conseguiriam produzir apenas 28,4 bilhões de galões de etanol. Ou seja, aos números de hoje, faltariam 7,6 bilhões de galões.
É provável que consigam aumentar a área plantada e também a produtividade do milho. Mas será indispensável que a maior parte da produção continue destinada à alimentação humana, à produção de rações e ao processamento industrial.
Para não trocar uma dependência por outra, os americanos imaginam que poderão produzir etanol a partir da celulose, cuja matéria-prima podem ser restos de madeira, palha de cereais e um capim nativo, o switch grass, que comparece aos discursos do presidente Bush sobre o assunto.
O problema é que ninguém sabe a partir de quando se poderá contar com a produção de etanol de celulose. As pesquisas estão sendo desenvolvidas tanto nos Estados Unidos como no Brasil, mas não prometem resultados antes de 5 a 7 anos.
Mesmo que essa tecnologia seja comercialmente aproveitável, será preciso garantir áreas agricultáveis. Artigo publicado no dia 27, na revista americana Slate, cita cálculos de John Deutch, ex-diretor da CIA e hoje professor de Química no Massachusetts Institute of Technology (MIT), de Boston, segundo os quais a produção de 22 bilhões de galões de etanol por ano a partir do switch grass exigiria área de 25 milhões de acres (100 mil km2), igual à superfície do Estado de Kentucky ou a 5% da área agricultável dos Estados Unidos.
A conclusão é a de que está aberto um enorme mercado para o etanol. Os Estados Unidos têm uma política protecionista para o produto. Cobram uma tarifa adicional de US$ 0,54 por galão de etanol importado do Brasil, o que acaba de ser prorrogado até 2010. Mas a virtual impossibilidade de garantir o suprimento total de 36 bilhões de galões anuais com produção própria torna inevitável a abertura às importações. E este é mais um enorme atrativo para o setor no Brasil.
Dora Kramer, Armação ilimitada
dora.kramer@grupoestado.com.br
Se as maçãs não contaminadas da caixa podre da qual, do centro da Praça dos Três Poderes, exala o odor a que se referiu o senador Jarbas Vasconcelos não compreenderem o sentido do prudente alerta feito por ele, se as consciências ainda sãs não reagirem de alguma maneira à armação ilimitada dos engenheiros do abafa, o Senado deixará de ser conhecido como um colégio de tolerantes senhores para receber na testa o carimbo indelével de casa de tolerância repleta de senhores sem compostura.
Não se pode exigir do brasileiro orgulho para com o seu país se o Legislativo é legislador de causas próprias, o Executivo é executor de salvaguardas para indecências e o Judiciário é percebido como julgador sem eficiência.
O novo presidente do Conselho de Ética, senador Leomar Quintanilha - alvo de investigação no próprio Supremo por corrupção, por denúncia do Ministério Público -, alega a necessidade de fazer “consultas jurídicas” ao departamento competente do Senado antes de dar prosseguimento ao processo paralisado desde que a tropa do presidente resolveu adotar a procrastinação como arma de defesa.
Por “consultas jurídicas”, entenda-se a arquitetura de algum parecer para sustentar o envio da representação do PSOL por quebra de decoro parlamentar ao Supremo Tribunal Federal ou a apresentação de algum óbice técnico - como a ausência de manifestação de admissibilidade da abertura do processo por parte da Mesa Diretora -, nesta altura já superado pela dinâmica dos fatos.
A Polícia Federal, segundo avaliação de um ministro do Supremo, não poderia mesmo ter feito a perícia nos documentos apresentados pelo senador, pois é polícia judiciária e não há processo criminal em curso.
Isso pode ser usado agora para retirar o trabalho já iniciado do processo e tirar a PF de cena. Mas o ato não anula os efeitos produzidos pelos indícios já encontrados nem impede que, rapidamente, seja contratada uma perícia de fora. No caso do senador Luiz Estevão, cassado, foi feito assim.
O problema é que tanto a admissibilidade para abertura do processo por quebra de decoro como a contratação da perícia dependem de autorização da Mesa presidida pelo acusado.
Sobre o recurso ao STF, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, já deu opinião: “A falta de decoro é questão interna e deve ser resolvida única e exclusivamente no Parlamento.”
Mas o Parlamento não tomou ainda a decisão firme de resolver. Segue a reboque do presidente do Senado por receio dos desdobramentos políticos (o destino da aliança PT-PMDB, por exemplo) e espírito de corpo.
Muitos acreditam que, parados, obedecendo ao padrão Lula de enfrentamento de crises - resistir e esperar o tempo passar -, estão se prevenindo contra a atuação da “imprensa opressiva” e dando combate ao “denuncismo”, enquanto estão apenas ignorando a essência das denúncias e recebendo, por isso, a condenação pública.
Associam-se ao auto-engano do presidente do Senado e do senador Joaquim Roriz. Ambos invocaram nos últimos dias o exemplo do presidente Lula, reconduzido ao posto com todas as honras por parte do eleitorado depois de enfrentar escândalos em série e dar repetidas demonstrações de inépcia administrativa.
Abstraindo-se todas as circunstâncias já examinadas sobre as razões do personalíssimo sucesso de Lula, diferença crucial se impõe entre as situações: o presidente da República não foi flagrado em conversas telefônicas combinando partilhas de dinheiro, não foi pego em fraudes documentais nem foi alvo de processos de investigações.
Se esteve no centro de episódios que até justificariam ações investigatórias, trata-se de uma outra história que, por obra de um consenso nacional, ficará a cargo do julgamento da História.
Renan e Roriz tentam fazer de seus problemas uma questão institucional. O presidente do Senado convoca o Legislativo a reagir e, examinando as coisas pela ótica de sua personalidade, até compreende-se a manobra. Incompreensível, porém, é o Senado aceitar a participação nas chicanas, absorvendo como natural a adoção do rito conforme as regras impostas pelo acusado.
Não obstante a reação contrária de alguns poucos senadores - vale nominar Jefferson Peres (por sinal ausente da sessão de eleição de Leomar Quintanilha), Demóstenes Torres, Jarbas Vasconcelos, Renato Casagrande e Pedro Simon (sumido, aliás) -, as urdiduras prosperam sem contestação eficaz.
Da tribuna, Joaquim Roriz clamou em protesto: “A que ponto chegamos!”
Ao ponto de exaustão é a única resposta possível. A ponto de o senador Demóstenes Torres, ao comentar a acusação que pesa sobre o novo presidente do Conselho de Ética, render-se ante a mais cruel das evidências: “É absurdamente incompatível, mas não dá para tirá-lo, vai atrasar tudo ainda mais. Se ele ficar, estamos no lucro.”
Quando o prejuízo é lucro na comparação entre malfeitorias, é sinal de que chegou-se ao fundo do fosso. Ou da fossa.
VEJA Carta ao leitor
Não deixe a vida te levar
Montagem sobre foto Hulton Archive/Getty Images |
Montaigne: auto-estima a serviço do bem comum |
Três reportagens desta edição de VEJA tratam de assuntos aparentemente distintos. Uma delas é tecida em torno do conceito da auto-estima e investiga desde seu valor filosófico, poético e histórico até desembocar em suas potencialidades como instrumento de aprimoramento pessoal da vida social, acadêmica e profissional. Outra é uma cuidadosa reconstrução da história da empregada doméstica agredida por delinqüentes juvenis de classe média do Rio de Janeiro. A terceira reportagem mostra como o governo está arrancando das garras do crime organizado o Complexo do Alemão, favela que virou cidadela do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
As três reportagens embutem uma lição em comum: a de que o verdadeiro sucesso está em não se deixar conduzir pelas pressões sociais. Está em garantir que no decorrer da vida as escolhas fundamentais sejam sempre individuais. Alguém pode nascer no Complexo do Alemão e escolher ser honesto. Pode nascer no bairro carioca de classe média chamado Barra da Tijuca e escolher ser um espancador de mulheres. Uma pessoa pode nascer e ser criada em condições domésticas adversas ao desenvolvimento do amor-próprio e da autoconfiança e, ainda assim, encontrar recursos psicológicos suficientes para fazer escolhas que permitam mudar sua vida para melhor.
Os tempos que correm são propícios à imputação de culpas coletivas, de crença em destinos definidos por raça ou classe social. Essas grandiosas noções esquemáticas são imperfeitas porque minimizam o poder de decisão individual das pessoas. Desprezam os méritos das mães do Complexo do Alemão que optaram por criar seus filhos para uma existência honesta. Minimizam o papel deletério da ação ou inação dos pais na produção dos jovens bandidos espancadores de classe média da Barra da Tijuca. O francês Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo cujos ensinamentos embasam parte da reportagem especial sobre auto-estima, ensinava que as experiências negativas de vida inculcam nas pessoas predisposições violentas e até monstruosas. Cabe a cada um refreá-las, menos pelos seus efeitos sobre os outros do que sobre si mesmo. Disse Montaigne: "O que eu sou para mim mesmo importa mais do que eu significo para os outros".
VEJA Entrevista: Jiang Shixue
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Lya Luft
Não vou pra Pasárgada
"Achei que em Pasárgada eu correria menos
risco de me tornar descrente. Eu, que detesto
o ceticismo, agora tenho medo de me contagiar"
Ilustração Atômica Studio |
Eu já estava de malas prontas: ia pra Pasárgada (para quem não se recorda, é o reino feliz inventado por Manuel, o Bandeira; para quem não sabe, ele foi um poeta maravilhoso). Queria escapar deste reino das frases infelizes e atitudes grotescas, dos reis feios e nus, das explicações cabotinas, da falta de providências e de autoridade, da euforia apoteótica de um lado e da realidade tão diferente de outro.
Pasárgada podia ser um bom lugar, onde se acredita nas instituições e nos líderes, onde vale a pena ser honrado e os malfeitores vão direto para a cadeia, onde se tomam providências antes que tudo desabe. Lá, ao contrário daqui – em que a manada se divide entre os ingênuos, os que sabem das coisas mas se conformam e os aproveitadores –, autoridade serve para cuidar do bem do povo, decoro é simplesmente decência, seja em algum cargo, seja na vida cotidiana de qualquer um.
Na minha nova pátria eu tentaria não escrever mais sobre o que por estas bandas tem me angustiado ou ameaça transformar-se num tristíssimo tédio: sempre os mesmos assuntos? Mandaria só questionamentos sobre o que faz a vida valer a pena: as coisas humanas, como família, educação, transformações, relacionamentos e separação, responsabilidades e escolhas, alegria, vida e morte, incomunicabilidade e o mistério de tudo – até a dor (mas que seja uma dor decente).
Nem problema de transporte eu teria: para Pasárgada se viaja com o coração e o pensamento. Ainda bem, pois de avião seria loucura e risco. Desses meses todos me ficou inesquecível o trabalhador humilde cochilando numa cadeira de aeroporto que, entrevistado sobre toda a confusão, respondeu: "A casa já caiu, o brasileiro tem de se conformar". Ninguém faz nada? – perguntam-se as pessoas, no limite de sua capacidade de espanto. A impressão que estávamos tendo, nós, comuns mortais, era que resolver problemas e impor ordem importava bem menos do que distribuir ilusões como quem distribui pirulitos. É para rir ou para chorar? Ora rimos, ora choramos, esse é o novo jeito brasileiro de ser.
Cresce a economia, encolhe a respeitabilidade; pisca uma luzinha de esperança, mas a seriedade extraviou-se. Poucos andam à sua procura. Aumenta o isolamento dos homens e mulheres públicos respeitáveis, que mais parecem dinossauros sobreviventes de um tempo em que seria totalmente impensável o que hoje é pão nosso de cada dia. Eu ia embora porque enjoei dessa repetição obsessiva de fatos que provocam insônia no noticioso da noite e náusea no café-da-manhã. Ia partir sem endereço, sem telefone, sem e-mail. Levaria comigo pássaros, crianças e esta paisagem diante da minha janela (com nevoeiro, porque aí é de uma beleza pungente). Levaria família, amigos, livros, música e o homem amado. Ah, e as minhas velhas crenças de que não somos totalmente omissos ou sem caráter, portanto este país ainda teria jeito, embora neste momento eu não tenha muita fé nisso.
Achei que em Pasárgada eu correria menos risco de me tornar descrente: eu, que detesto o ceticismo e não vivo bem com os pessimistas, agora tenho medo de me contagiar. Podia me livrar da suspeita de que por trás de tudo isso existe algo muito sério, gravíssimo, que nós, rebanho alienado, desconhecemos. Quem sabe até terminasse o romance que venho escrevendo, num compasso de desânimo que nada tem a ver com literatura: nasce do meu amor por este país, ao qual dei meus filhos e meus netos para nele crescerem.
Mas então, entre lideranças que negavam qualquer problema, fazendo afirmações estapafúrdias e divertindo-se talvez com nossa agonia, soprou um vento de lucidez e autoridade – parece que as coisas se reorganizam. Botar a casa em ordem ao menos nos aeroportos não podia ter levado tanto tempo, pobres de nós, mas hoje não precisarei ter medo se um de meus filhos viajar de avião. Amanhã é um enigma (sabe se lá o que vai acontecer no breve intervalo entre escrever esta coluna e ela ser publicada).
E assim, na última hora, decidi ficar. Acho que me sentiria como quem deserta de um grupo com o qual tem laços muito fortes: meus leitores. Os que me acompanham, os que pensam diferente e até os indignados – às vezes por terem lido algo que nem estava ali. Todos são importantes para mim. Com eles tem sido imensamente estimulante partilhar alegrias e preocupações, descobertas ou receios. Afinal, somos irmãos, filhos desta mãe, que, com decoro, firmeza e vontade, será melhor do que qualquer Pasárgada inventada.
André Petry
Você entregaria
seu filho?
"Você, leitor, entregaria seu filho,
que cometeu uma violência covarde,
para coisificar-se na barbárie das
prisões brasileiras?"
"Tchau, filho." Foi assim que Ludovico Bruno se despediu do filho Rubens, de 19 anos, que ajudou a espancar a doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, no Rio de Janeiro. Com o filho partindo a bordo de um carro de polícia, Ludovico, o pai, chorou, passou a mão na cabeça, zanzou desorientado e acabou dando uma declaração que provocou espanto mais ou menos generalizado. Em defesa do filho, disse:
– Eles cometeram erro? Cometeram. Mas não vai ser justo manter presas crianças que estão na faculdade, estudando, trabalhando.
Ludovico Bruno está errado? Ludovico Bruno está moralmente obrigado a defender a prisão do filho? Ludovico Bruno deve colocar a exigência de justiça acima do sentimento paterno? A resposta: Ludovico Bruno está perplexo – e que atire a primeira pedra o pai que, numa situação parecida, não caísse na perplexidade e vacilasse entre defender o filho e a justiça. Porque, no Brasil, há fortes razões para vacilar.
A primeira, a primeiríssima, é que estamos no país da mais amarga impunidade. Se – Ludovico deve se perguntar – ninguém vai preso, se o assassino confesso da jornalista Sandra Gomide está livre, se os senadores debocham do país com explicações vergonhosas sobre seus milhões aos borbotões, se as quadrilhas do mensalão, dos vampiros, dos sanguessugas estão todas livres e leves e soltas, por que o meu filho deve ser preso? Por que só o meu filho?
Eis a distorção que a impunidade causa. Claro que não há dúvida sobre a necessidade, a correção e a importância da punição a Rubens Bruno e a seus comparsas por espancarem covardemente uma mulher indefesa numa parada de ônibus. Isso não está em discussão. O que está em discussão, o que deve resultar em reflexão, é a perplexidade de um pai mediante a iminente punição de seu filho num país em que a impunidade é uma regra repulsiva. E, mesmo aceitando a punição, qual a punição adequada? Cadeia?
Eis a segunda razão para a perplexidade de Ludovico: prisão para quê? Se – Ludovico deve se perguntar – ninguém vai preso, se as prisões do país são desumanas, por que o meu filho, só o meu filho, deve ser enviado a essa sucursal do inferno? É com prisões assim, transbordando de crueldade e rebaixando homens a animais, que se quer pais entregando filhos criminosos à polícia em nome da justiça? Você, leitor, entregaria seu filho, que cometeu uma violência covarde, para coisificar-se na barbárie das prisões brasileiras?
A sociedade brasileira está se especializando em hipocrisia. O espancamento da doméstica produziu a mais recente: solidarizar-se com ela é imperioso, mas, em paralelo, xingar o pai pela defesa do filho é uma hipocrisia – em um país, repita-se, em que se combinam impunidade debochada e prisões desumanas.
Ainda que punição boa seja sempre para os outros, para o filho dos outros, é preciso reconhecer que só seremos um país capaz de se espantar com a declaração de Ludovico no dia em que criminosos, de gravata ou de chinelo, acabarem na cadeia pelos crimes que cometerem – e a cadeia for um local de punição, sim, mas não de selvageria.
Roberto Pompeu de Toledo
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Diogo Mainardi
Eles são Oba!,
eu sou Epa!
"Os Oba! são otimistas, alegres e donos de
um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado,
são censuradores, precavidos e facilmente
escandalizáveis. Os brasileiros sempre foram
esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie
de paradigma universal do Oba!, com focos
isolados e desorganizados de Epa!"
"O mundo se divide em dois tipos de pessoas: as que gritam Oba! e as que exclamam Epa!". Quem disse isso? Demócrito? Santo Agostinho? Leibniz? Nietzsche? Nenhum deles: foi Ivan Lessa, no Pasquim. A frase resume tudo o que conseguimos aprender até hoje sobre o ser humano. De acordo com Ivan Lessa, os Oba! são otimistas, alegres, aproveitadores, oportunistas, barulhentos e donos de um caráter flexível. Os Epa!, por outro lado, são censuradores, precavidos, desconfiados, facilmente escandalizáveis, dotados de um caráter rígido e de pouquíssimo senso de humor.
A popularidade de Lula já foi analisada sob diferentes prismas. Faltou um: o que aplica à realidade política a tipologia do Oba! e do Epa!. Os brasileiros sempre foram esmagadoramente Oba!. Somos uma espécie de paradigma universal do Oba!, com focos isolados e desorganizados de Epa!. O grande mérito do lulismo foi separar claramente as duas categorias: uma para cá, outra para lá. Tome-se a última pesquisa CNT-Sensus, publicada alguns dias atrás. Entre os eleitores que ganham até 380 reais, 72,3% festejam Lula com um alegre e ruidoso Oba!. Entre os que ganham mais de 7 600 reais, há apenas 31,7% de Oba! e uma arrasadora maioria composta de 65,9% de censuradores e escandalizados Epa!.
É bom que os que ganham até 380 reais estejam dizendo Oba!. Podemos parar de nos preocupar com eles. Quanto menos a gente se preocupar com eles, melhor para eles e melhor para nós. Agora que o lulismo reintroduziu no Brasil uma pitada de identidade de classe, contrapondo ricos e pobres, temos de encontrar um jeito de preservá-la. Quando um jornalista do Oba! Oba! vier pedir anúncios à sua empresa, diga Epa! e mande-o procurar o governo. Quando um ator ou cantor do Oba! Oba! aparecer pleiteando patrocínio para seu espetáculo, diga Epa! e nem o receba. Quando um professor universitário tentar doutrinar seu filho com o Oba! Oba! de Mészáros, Guattari ou Sachs, diga Epa!, tire seu filho da universidade e arrume-lhe um emprego. Quando um diretor de TV propuser uma minissérie esteticamente arrojada a partir da obra do Oba! Oba! Ariano Suassuna, diga Epa!, mude de canal e veja um enlatado americano.
É assim que eu protesto contra a turma do Oba!: todos os dias, às 4 da tarde, interrompo minhas atividades para ver a reprise de um episódio de The Office, a prova mais evidente da superioridade moral e intelectual da turma do Epa!. De tanto assistir a The Office, é capaz que um dia eu ainda consiga derrubar Lula. Reinaldo Azevedo, em seu blog, comparou os antilulistas àqueles cavaleiros medievais do Monty Python que acreditam poder derrotar seus inimigos berrando um estridente Ni!. É verdade. Se 100.000 pessoas se reunissem na Candelária e berrassem juntas Ni! ou Epa!, o governo cairia na hora. O problema é que a turma do Epa! jamais conseguiria se organizar para reunir 100.000 pessoas num mesmo lugar. É bem melhor ficar em casa vendo TV e zombando da turma do Oba!.
Simon, Jarbas, Peres, Gabeira e Torres: luta pela ética
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