Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 05, 2007

A régua e o compasso Josef Barat*



A propósito da posse do economista Luciano Coutinho no BNDES, quero aprofundar a análise feita pela jornalista Suely Caldas em artigo neste jornal (Da Lei de Reserva ao BNDES, 22/4/07, B02) e fazer algumas considerações na forma de uma resenha histórica. Desde meados do século 20, os governos brasileiros sempre se defrontaram com um grave conflito de objetivos: garantir, de um lado, o crescimento acelerado da economia - pelo aumento da participação do Estado em investimentos nas infra-estruturas -, e, de outro, um adequado controle fiscal para a preservação do equilíbrio macroeconômico e do poder aquisitivo da moeda. Como nenhum governo conseguiu compatibilizar esses objetivos, assistimos à contínua alternância de prioridades: longos períodos de investimento estatal e desequilíbrio fiscal, e curtos períodos de tentativas de estabilização monetária, sempre fracassadas. As ameaças de hiperinflação tornaram-se tão fortes que, a partir de meados dos anos 80, foram formulados sucessivos planos de estabilização, que valorizaram excessivamente as visões de curto prazo, em detrimento do longo prazo. Obviamente, as infra-estruturas foram as principais prejudicadas pela falta de estudos, planos e financiamentos de longo prazo. A visão de Estado sempre foi amesquinhada pelas visões imediatistas de governo. Assim, por mais de 50 anos, as políticas econômicas foram reféns de disputas renhidas entre economistas. Confrontavam-se os chamados estruturalistas - que defendiam a industrialização a qualquer custo, com apoio de investimentos do Estado - e os monetaristas, que viam nos contínuos desequilíbrios fiscais uma perigosa fonte de futuros entraves ao desenvolvimento. Não havendo espaço para detalhar o ideário de cada corrente de pensamento, cito apenas as preocupações dominantes dos economistas de maior consistência de cada grupo. Celso Furtado e Inácio Rangel preocupavam-se principalmente com o gargalo das contas externas e a carência de capital numa economia dual e estruturalmente cindida. Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen alertavam para os gastos excessivos do Estado, gerando inflação e penalizando os mais pobres. Em ambos os lados houve os que exageravam no tom: estruturalistas com exuberantes retóricas intervencionistas e monetaristas com formas minimalistas, guiadas pelos rígidos padrões vigentes em economias superdesenvolvidas. Como excesso da visão intervencionista, pode-se citar a proteção à indústria nacional no setor de informática e, como minimalismo, os penosos choques de estabilização sem a perspectiva de correção de fatores estruturais da inflação. Enquanto o PIB cresceu a taxas elevadas e a conta dos desperdícios era paga pelo imposto inflacionário, não se buscou um caminho de consenso entre a assimilação de valores externos e a depuração da realidade nacional. Hoje é certo que ambas as correntes, ao se defrontarem, não tinham uma consciência muito clara dos seus papéis na construção de um pensamento econômico brasileiro, mais pragmático e moderno. Fazendo um paralelo com a música popular brasileira, vale a pena citar um trecho do excelente livro O Século da Canção, do professor Luiz Tatit: 'O Tropicalismo e a bossa nova tornaram-se a régua e o compasso da canção brasileira... São invocados toda vez que se pede uma avaliação do século cancional do país. É como se o Tropicalismo afirmasse: 'Precisamos assimilar os modos de dizer'. E a bossa nova completasse: 'E precisamos dizer convincentemente'. Em época de exclusão, prevalece o gesto tropicalista de retomar a pluralidade. Em época de excesso de maneirismos, o gesto Bossa Nova refaz a triagem e decanta forma e conteúdo pertinentes.' Traduzindo para a Economia, a partir da estabilização da moeda conquistada a duras penas após o Plano Real - hoje patrimônio da Nação -, é preciso conciliar gestos de assimilação de parâmetros externos de controle fiscal e estabilidade com a depuração de excessos e arroubos desenvolvimentistas, para que se tenha uma correta avaliação do nosso potencial, visando a remover gargalos estruturais e retomar o crescimento. A ida de Luciano Coutinho para o comando do BNDES, como principal fomentador do PAC, representa um ganho de qualidade no debate econômico, na medida em que ele tem as melhores condições para tanto conter os excessos de maneirismos populistas quanto de retomar a pluralidade no dilema 'desenvolvimento versus equilíbrio fiscal'.

*Josef Barat é economista.

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