Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 12, 2007

Na língua de "kmoes"

Pobre Camões. Estão mudando a língua
escrita. Felizmente na escola é diferente


Silvia Rogar

Roberto Setton

GIZ E CRIATIVIDADE
A escola Albert Sabin, em São Paulo, que publica os poemas dos alunos no blog que a turma mantém na internet: inovação

Um dos vídeos de maior sucesso do momento no YouTube não tem conteúdo de humor, nudez de celebridades nem cenas de violência. Chama-se Web 2.0...The Machine is Us/ing Us (um trocadilho para dizer que nós somos a máquina e que ela está nos usando). O vídeo teve 2,5 milhões de acessos em três meses, apesar de abordar um tema bem mais árido: a escrita na era digital. Ou seja, a influência da internet na forma como estamos lendo e escrevendo. Essa é apenas uma das medidas do interesse que o assunto vem despertando em pais e educadores. As crianças de hoje nascem imersas nesse mundo. Já não se trata apenas de fazer redações escolares com começo, meio e fim. Elas agora estão ficando craques em lidar com o hipertexto, o sistema de informação que inclui textos, fotos, áudio e vídeos, com infinitas possibilidades de navegação. E tudo isso ali, à distância de um clique. Através dos links, o aluno navega na rede descortinando um mundo de coisas novas. Tudo é muito rápido. Estaria tudo bem se as escolas estivessem acompanhando essa tendência. Não estão.

Acadêmicos que se dedicam ao assunto, como o professor de antropologia cultural Michael Wesch, da Universidade Estadual do Kansas, autor de Web 2.0..., não têm dúvidas: a linguagem não-linear da internet é, hoje, infinitamente mais sedutora para os estudantes. "Fiz esse filme para mostrar a outros educadores que a nova maneira de ler e de escrever não pode mais ser ignorada nas salas de aula", disse Wesch, em entrevista a VEJA. Chats, blogs e sites de relacionamento como o Orkut têm artifícios de sobra para atrair meninos e meninas. É na internet que eles se sentem reis: têm habilidade para escrever e interagir, numa velocidade inédita. "Eles encaram a escrita para o colégio como algo maçante. Aliás, tudo lá é linear: o horário, o currículo das disciplinas", atesta a educadora Maria Teresa Freitas, que organizou o livro Leitura e Escrita de Adolescentes na Internet e na Escola. Ela também coordena um grupo de estudos sobre o tema na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Suas pesquisas apontam que os estudantes se ressentem da falta de público leitor para suas criações. Desanimam ao escrever algo que será lido apenas por um professor. "O grande desafio da escola é mostrar que, na escrita tradicional, também existe um mundo inspirador", diz Rony Rodrigues, fundador da consultoria Box 1824, especializada em tendências de comportamento de jovens. Nos três últimos anos, a empresa entrevistou 12.000 deles para traçar o retrato da geração digital. Meninos e meninas que consideram mais difícil escrever uma redação do que decifrar enigmas complicadíssimos de jogos eletrônicos.

Lailson Santos

JOVENS E CAUTELOSOS
Os estudantes Luis Eduardo e Laura, com os pais: loucos por computador e adeptos da nova escrita, mas sem descuidar do boletim

A autoria na web dá mais motivação ao aluno porque traz visibilidade imensa e cria uma competição saudável entre os estudantes. Embalados por esse movimento, os chamados edublogs (blogs com finalidades educacionais) começam a se multiplicar. Na Inglaterra, já existe até um prêmio, o Edublog Awards. No Brasil, a maioria dos colégios particulares e algumas escolas públicas mantêm laboratórios de informática, mas poucos os utilizam como aliados no ensino da escrita. Colégios que investiram na idéia não se arrependem. É o caso do Albert Sabin, em São Paulo. Pelo segundo ano consecutivo, ele usa a internet nas aulas de português da 3ª série do ensino fundamental. Depois de lerem poemas de escritores nacionais, sempre com a ajuda do bom e velho livro, os estudantes de 9 anos soltam a imaginação. Seus versinhos não terminam nas páginas de um caderno: são publicados no blog da turma.

Essa nova escrita tem um efeito colateral desagradável para os adultos. A forma abreviada de escrever, que virou padrão nos sites dominados por crianças e jovens, é de dar arrepios. Mas há uma explicação. Na web, a escrita se aproxima mais da linguagem falada. Os internautas lançam mão de recursos como mudar o tamanho do corpo da letra, para dar entonação, e entremear seus textos com símbolos que expressem suas emoções. "Cada período histórico cria seus códigos. Essa linguagem só faz sentido na internet, graças à rapidez que caracteriza a rede", explica Maria Teresa Freitas, da UFJF. Cabe à escola reforçar as diferenças entre os dois gêneros de escrita e as situações em que cada um deles deve ser usado.

Ainda não se conhecem todas as conseqüências do contato intenso com a estrutura não-linear da internet. "Em momentos de ansiedade ou distração, uma criança pode usar a lógica da internet na escola, mas ainda é cedo para falar sobre prejuízos", diz Luiz Celso Vilanova, chefe do setor de neurologia infantil da Universidade Federal de São Paulo. Os próprios internautas mirins reconhecem que se acostumar ao estilo "kd vc?" é um perigo. "Sempre releio meus exercícios, vejo se não deixei passar nada. Um amigo já teve a nota rebaixada porque usou o jeito de escrever da internet", diz o paulistano Luis Eduardo Armando, 10 anos, que desde os 6 tem computador no quarto. Sua irmã, Laura, de 14 anos, chega da escola e vai direto para a rede. É aficionada, mas prefere evitar as abreviações. "Para não me confundir, tento escrever corretamente, mesmo no Orkut e no MSN", diz. Nem tudo está perdido.

Arquivo do blog