Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 05, 2007

Miriam Leitão Enxugar gelo

O Banco Central enfrenta o mesmo ataque especulativo que já enfrentou no passado. Desta vez no outro lado, mas na mesma moeda. Houve um tempo em que o BC gastava bilhões na inútil tentativa de conter o teto da cotação do dólar. Agora se esfalfa para impedir a queda do dólar abaixo de uma linha imaginária. Ao fazer isso, está tentando defender o piso de uma banda inexistente.

Ao fazer o que fez na quinta-feira e na sexta-feira, o Banco Central está tendo o mesmo custo que já teve quando tentava conter a inevitável alta da moeda em momentos outros.

Pior: está transformando o câmbio flutuante em administrado. Ou está operando o câmbio flutuante com a atitude de quem defende uma banda cambial. O mercado ganha dinheiro igual, não interessa se testando o BC no teto ou no piso. Ele não ganha dinheiro com a alta nem com a queda, mas com o movimento, com a arbitragem.

Ganha quando vende para derrubar a cotação e recompra quando o Banco Central entra omprando. E agora já foi informado: o BC não quer o dólar abaixo de R$ 2.

O Brasil está entrando nos mesmos equívocos de sempre em sua política cambial. De um lado, o Banco Central no córner tentando neutralizar movimentos especulativos. De outro, o governo criando subsídios ou elevação setorial de tarifas, como acaba de fazer com têxteis e calçados, para setores prejudicados pelo dólar baixo. O mesmo artificialismo de outros tempos. A inflação baixa, em parte, por causa do dólar, vive um efeito semelhante ao da época da âncora cambial.

O cenário de ontem à tarde mostrava exatamente o retrato desse artificialismo cambial. Todas as moedas se valorizavam em relação ao dólar. O peso mexicano subia 0,24%; o peso chileno, 0,41%; a lira turca, 0,55%; o euro, 0,32%.

Enquanto isso, o real caía 0,44% no Brasil depois do esforço de dois dias de forte intervenção.

— Não faz muito sentido o movimento. O cenário está bastante favorável em relação a todas as c o mmodities que o Brasil exporta, a tendência é de entrada de capital, o contexto internacional é extremamente favorável.

Portanto, o real só se desvaloriza após forte intervenção do Banco Central e, mesmo assim, só no curto prazo — avalia o economista José Alfredo Lamy, da Cenário Investim e n t o s .

Um motivo para essa operação é a acumulação de reservas, mas, a partir de um determinado ponto, a vantagem dessa acumulação deixa de existir, enquanto os custos permanecem, afinal o Banco Central está comprando um ativo que se desvaloriza e assumindo um passivo que custa muito caro.

— Nem gosto muito de calcular o custo disso, porque há sempre várias outras vantagens difíceis de calcular, mas o fato é que é caro para o Banco Central — afirma Lamy.

Além de inútil e cara, essa política está desconectada com o resto da política econômica, que acaba de estabelecer barreiras para conter as importações de calçados e vestuário. O Ministério da Fazenda estuda medidas casuísticas que tenham efeito curativo sobre os setores supostamente atingidos por essa queda do dólar. No BNDES, pensa-se em linhas de crédito para socorrê-los. Tudo se passa como se o câmbio fosse um sinistro que merecesse medidas de socorro.

O sinal dado tinha que ser exatamente o contrário: o Brasil deveria estar pensando em aumentar importações através da redução de alíquotas para indicar ao mercado que a tendência do dólar não é continuar caindo, e do comércio internacional não é continuar produzindo grandes superávits.

Hoje todos os caminhos levam à queda do dólar. Entram dólares pelo saldo comercial, pelo fluxo financeiro e pelo investimento direto.

A tendência é ele cair.

Isso faz com que até exportadores antecipem a entrada da moeda americana para reduzir o prejuízo nas aplicações financeiras. O que empurra mais o dólar para baixo.

A política econômica, monetária e cambial fica assim: o Banco Central mantém juros altos apesar da sensível melhora da conjuntura econômica internacional e, principalmente, local; a alta dos preços das commod ities que o Brasil exporta e a competitividade brasileira garantem para o país grande saldos comerciais; o BC compra dólares para evitar mais valorização da moeda; o Ministério da Fazenda desonera setores exportadores e barra importações, o que garante a continuação dos saldos altos.

O conjunto das ações do governo e do Banco Central vira um frankenstein econômico: onde, afinal de contas, quer se chegar com essa política? O Brasil agora poderia estar reduzindo a alíquota de importação de bens de capital e bens de informática, incentivando o investimento, a modernização do parque produtivo, o aumento de produtividade.

Poderia estar iniciando reformas que dessem às empresas brasileiras ganhos de produtividade de longo prazo. O salto exportador do Brasil dos últimos anos não foi apenas resultado do bom momento do mundo. Foi conseqüência também de todos os avanços estruturais do país após a abertura comercial e a estabilização.

Mas esse aumento de produtividade parou de acontecer nos últimos anos.

O país está perdendo um bom momento do mundo, o Ministério da Fazenda e o BNDES estão lançando uma coleção de produtos da velha linha band-aid para a indústria, e o Banco Central está enxugando gelo. Esse é o resumo de uma política econômica sem rumo.

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