Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 15, 2007

AUGUSTO NUNES Um viveiro de pródigos


O Código Civil divide em cinco subgrupos a categoria dos que podem ser privados do direito de "reger sua pessoa e bens". Quatro incisos do artigo 1767, que trata desse tipo de interdição judicial, abrangem, entre outros, os gravemente enfermos, os impossibilitados de exprimir com clareza a própria vontade, os deficientes mentais, os bêbados militantes e os viciados em drogas. O quinto se limita a duas palavras: "os pródigos". Pertence a essa tribo, explica o Aurélio, aquele "que despende com excesso, dissipador, esbanjador", ou gente "que dá, distribui ou emprega profusamente e sem dificuldades".

A medida prevê a imposição da curatela, providência suficiente para inibir a excitação de perdulários compulsivos. Com poderes para manter sob estreita vigilância os movimentos do interditado, e incumbido pela Justiça de administrar com sobriedade o patrimônio ameaçado, um curador trata de interromper a gastança. A aplicação do interdito, como preferem os fluentes em juridiquês castiço, já livrou da falência muitas famílias. Poderia livrar da insolvência algumas nações se o alcance do artigo 1767, historicamente limitado a enquadrar pessoas, fosse estendido a instituições.

Concebidos para neutralizar gastanças individuais, esses trechos do Código Civil parecem implorar por retoques e ajustes que abranjam farras financeiras praticadas coletivamente. No Brasil, só correm perigo perdulários solistas. Incorporados a um bando, gastam furiosamente e livres do risco de interditos ou curatelas. Se a lei valesse para viveiros de pródigos, o governo federal dificilmente escaparia da interdição reservada a esbanjadores irresponsáveis.

Nos países civilizados, o Estado se limita a controlar setores indiscutivelmente estratégicos e traçar diretrizes para outras áreas relevantes incluídas na esfera de abrangência federal. O quadro de funcionários é reduzido ao mínimo, o poder central trabalha em harmoniosa parceria com a iniciativa privada e as administrações estaduais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o primeiro escalão do governo é formado por um punhado de secretários de Estado. No Brasil, os ministérios há muitos anos passam de 30. Vão se aproximando de 40 depois da criação do Ministério dos Portos e do Ministério do Futuro, inventado para que o professor Mangabeira Unger esqueça o que escreveu no passado.

É para sustentar tais maluquices que o governo vergasta os brasileiros com a maior carga tributária do planeta. É para financiar barganhas fisiológicas que o Planalto faz qualquer negócio que garanta a prorrogação do prazo de validade da CPMF, sigla que camufla o afrontoso imposto do cheque. Em dezembro, tentará estendê-lo até 2011. É mais um passo para a eternização do insulto.

Já que o Código Civil não prevê a interdição do Grande Pródigo, o país que pensa tem o dever de reduzir-lhe a mesada. Vai ganhando musculatura o movimento nacional pela extinção da CPMF. Tratemos de conferir-lhe dimensões inquietantes para os parlamentares incumbidos de deliberar sobre esse estupro tributário.

Como fará o governo sem o imposto que lhe permite arrecadar anualmente R$ 38 milhões?, tem perguntado em tom de lamúria o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Sobreviva com o que consegue e trate de gastar menos, sugere a multidão de lesados.

Vire-se, enfim. Como tem feito há tanto tempo a maioria dos brasileiros.

15 / 05 / 2007

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