Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 12, 2007

A próxima crise mundial- Luiz Carlos Bresser-Pereira




Folha de S. Paulo
12/3/2007

O ajuste externo será inevitável, passará pela depreciação do dólar e não será um "soft landing"

A QUEDA NO valor das ações nas Bolsas internacionais a partir do anúncio do governo chinês de que pretendia baixar a taxa de crescimento do país de 10% para 8% do PIB é uma indicação da próxima crise da economia mundial. Não sei quando ela ocorrerá nem qual será sua gravidade. Não creio, entretanto, que se resumirá em uma modesta recessão nos Estados Unidos, como já muitos economistas estão prevendo. A economia mundial, puxada pela China e os Estados Unidos, cresceu de forma extraordinária nesta década, mas, como acontece em todos os processos cíclicos, cresceu de forma distorcida, com desequilíbrios graves, que mais cedo ou mais tarde terão que ser corrigidos pelo próprio mercado onde as distorções ocorreram.
A origem da crise deverá ser a economia americana, porque só ela tem capacidade de provocar uma crise global e porque é nela que as distorções estão ocorrendo de forma mais acentuada. Entretanto, quando lemos as análises sobre as possíveis origens da crise na economia americana, os problemas internos predominam, embora realmente relevante seja o desequilíbrio externo. No final dos anos 90, houve o estouro da bolha da informática, que, afinal, não produziu uma crise muito grave; agora está havendo outra bolha de ativos nos EUA -desta vez mais de ativos imobiliários do que acionários-, o que leva os analistas a se preocuparem com o problema. Martin Wolf, por exemplo, resumiu sua análise das últimas turbulências com uma frase: "Os ativos parecem sobrevalorizados". De fato, estão, e esse fato pode provocar uma recessão nos EUA; dificilmente, porém, causará uma crise. Outros, ainda mais complacentes, preocupam-se com a inflação americana, que continua alta apesar dos aumentos da taxa de juros decididos pelo Federal Reserve. Conforme observou Paul Krugman, o que hoje está tornando o mercado vulnerável ao pânico não é a "exuberância irracional", mas a "complacência irracional" -o mercado não quer reconhecer a gravidade dos desequilíbrios.
O problema real está nas contas externas dos Estados Unidos; está no enorme aumento de liquidez, medido pelas reservas globais, que reduz as taxas de juros e leva o mercado financeiro a se tornar mais competitivo e freneticamente especulativo. Esse aumento da liquidez internacional, por sua vez, decorre do brutal aumento da dívida externa americana líquida, que deixa os mercados crescentemente inseguros. Preparei um pequeno quadro (veja à esquerda) que resume o problema. Enquanto as exportações globais aumentaram 150% de 1998 para 2007, a liquidez internacional aumentou 233%, principalmente porque a dívida externa americana aumentou 383% nesse período. Esses números mostram como a liquidez internacional cresceu muito mais do que o aumento das exportações exigiria e mostram a origem dessa elevação da liquidez: o aumento da dívida americana.
A complacência irracional dirá que não há por que se preocupar. Os Estados Unidos podem continuar a ter déficits em conta corrente imensos e a se endividar externamente porque seus ativos rendem mais do que seus débitos e porque o dólar é a moeda reserva internacional. É verdade que os ativos americanos no exterior rendem mais, mas isso não impede que o déficit em conta corrente seja hoje, em termos anualizados, superior a US$ 900 bilhões. O dólar continua a ser a principal moeda reserva, mas, todos os dias, perde espaço para o euro. A última notícia é a de que a China está comprando títulos em euro. O ajuste externo, portanto, será inevitável, passará pela depreciação do dólar e não será um "soft landing". Isso não significa que implique colapso global, mas os tempos internacionais róseos estão terminando.

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