Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 17, 2007

FERNANDO GABEIRA Segunda vida


LULA FALOU sobre sexo seguro, criticou a Igreja Católica. Recebeu resposta rápida e dura. Isso já aconteceu comigo. Mencionei o tema num congresso internacional sobre Aids e o representante da Santa Sé ficou bravo.
Condenar o uso da camisinha representa um erro histórico, desses que nos fazem pedir desculpas meio século depois.
No caso do aborto, a resposta também é direta. Numa das eleições no Rio, dom Eugênio Sales, que é um homem conservador, mas muito inteligente e estudioso, lançou uma lista de candidatos que não deveriam ser votados pela Igreja Católica.
Como só tinha cinco segundos de propaganda, reagi assim: o arcebispo manda você não votar em mim, mas acha que você não deve usar camisinha; não se pode confiar nele em tudo o que recomenda. O papa Bento 16 diz agora que o segundo casamento é uma chaga.
Não é isso que a vida me ensinou. Andei pelas ruas do Rio com o senador Nelson Carneiro e testemunhei o carinho que as pessoas tinham por ele: "O senhor me ajudou a ser feliz, aprovando o divórcio, agora tenho uma segunda vida".
Existe, no entanto, um aspecto admirável no papa e sua tomada de posições. Ele não está preocupado em inchar a Igreja Católica: assim pensamos, esta é a palavra de Deus, quem se aproximar que saiba que não fazemos concessões no que nos parece essencial.
Em analogia com partidos políticos, constatamos que são raros os que se mantêm fiéis às suas posições. A política, é claro, alimenta-se da realidade, precisa responder constantemente às mudanças sociais. Saber adaptar-se aos novos tempos é importante. Mas transformar-se apenas para ficar no poder, ou para alcançar um coeficiente eleitoral, é um tipo de oportunismo que o comportamento de Bento 16 nega.
Isso não quer dizer também imobilismo completo. Foi divulgada a síntese de um documento no qual a Igreja Católica estaria reavaliando o uso da camisinha. Nos textos que li, isso era possível quando um dos cônjuges for soropositivo. Sinceramente, acho que, num caso desses, não é preciso de grandes estudos religiosos. É apenas condenar o suicídio.
Sempre tive dificuldade na cadeia a aceitar a greve de fome como forma de luta. Mesmo em Ghandi, a abstinência sexual parecia incompreensível. O número de pessoas que morrem todo ano com a Aids na África é equivalente aos mortos nos campos de concentração na 2ª Guerra. Com todo o respeito à integridade ideológica dos católicos, não há outro caminho a não ser o diálogo. Na vida real, as pessoas continuarão se amando e casando mais de uma vez.


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