Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Pilotos do Legacy não tinham noções básicas sobre o funcionamento do jato

Fita mostra erros de americanos

Gravação de caixa-preta revela que pilotos do Legacy não tinham noções básicas sobre o funcionamento do jato

EDUARDO REINA E RODRIGO BRANCATELLI

Pilotos ouvidos pelo Estado disseram ontem que a análise de diálogos dos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino mostra que eles eram despreparados e não sabiam operar equipamentos do jato Legacy que se chocou com o Boeing da Gol em 29 de setembro, causando 154 mortes. A transcrição da caixa-preta do Legacy foi publicada ontem pelo jornal Folha de S. Paulo. Com base nela, pilotos acreditam que Lepore e Paladino não “plotaram” - digitaram - corretamente o plano de vôo no Flight Management System (FMS), equipamento que gerencia todos os dados do trajeto.

“Não souberam nem configurar o plano de vôo”, disse um comandante de aviões comerciais. O plano previa três altitudes diferentes de São José dos Campos (SP) a Manaus, mas o Legacy voou o tempo todo a 37 mil pés. Quando bateu no Boeing, no Pará, o jato voava na contramão - deveria estar a 38 mil pés.

Nos diálogos, um dos americanos (a transcrição não identifica se Lepore ou Paladino) admite que estava com problemas para manejar o FMS. “Ainda trabalhando os problemas de como mexer nesta coisa. Este FMS”, apontou a gravação às 18h41 - o choque aconteceu às 19h56. “Tudo está uma bagunça porque nós precisamos, eu acho, limpar esse avião e o configurar”, é o registro momentos adiante.

Noutro trecho, o mesmo piloto admite que o TCAS, sistema anticolisão do Legacy, estava desligado. Com isso, radares perderam a localização exata do avião e o TCAS do Boeing não pôde evitar o choque.

Lepore e Paladino não conheciam o manual com informações sobre o avião, que tem um capítulo indicando soluções para problemas enfrentados, o Trouble Shooting (TX). “Eu não sei o que TX 35 significa”, disse por volta de 18h51 um dos pilotos do Legacy, pertencente à empresa americana ExcelAire.

Se o plano de vôo estivesse plotado corretamente, a tripulação seria avisada por alerta sonoro ou de luz cada vez que se chegasse ao ponto da rota onde fosse necessário mudar a altitude. Ou, se o jato estivesse no piloto automático, o próprio FMS faria essa mudança. “Isto é o beabá da aviação. Não foi só uma mancada. Foram várias”, disse um piloto aposentado.

“Percebe-se de cara que os americanos não tinham nenhuma intimidade com os instrumentos de navegação”, diz outro piloto brasileiro. “É uma coisa básica, mas parece que eles tiveram dificuldade até em usar o rádio. Se de fato plotaram os dados do plano de vôo corretamente, teriam como saber que estavam na altitude errada. Mas os controladores de vôo também têm sua parcela de responsabilidade, pois o controle deveria ter alertado sobre isso.”

A caixa-preta registra a irritação de Lepore e Paladino com a torre de São José, que liberou o vôo a 37 mil pés sem dar maiores detalhes. “Estávamos tentando pegar uma altitude antes de partirmos e houve isso. Isso fica difícil”, diz um deles.

“A cada etapa de vôo é feito um check-list. E parece que não foi feito”, disse um comandante aposentado. “Isto é o beabá da aviação. Não foi só uma mancada. Foram várias.”

Pela legislação internacional, a tripulação tem de fazer dois vôos de reconhecimento de um novo avião, de, em média, duas horas, e testar três arremetidas. “É para ter noção de altura da cabine até o chão. Depois disso a fábrica libera a aeronave”, disse o mesmo comandante. “Mas num avião novo você fica uma criança, se empolga, diz que sabe voar e não presta muita atenção no que estão ensinando. Eu mesmo já fiz isso.”

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