Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 03, 2007

O Último Rei da Escócia, com Forest Whitaker

Idi Amin, o terrível

Forest Whitaker magnetiza a recriação do
terror instaurado pelo tirano em Uganda


Isabela Boscov

Divulgação
James McAvoy e Whitaker, como o médico e o louco: 300 000 mortes no currículo

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Trailer do filme

A galeria dos déspotas africanos é tão vasta quanto terrível. Só para relembrar alguns exemplos mais notórios, ela inclui de Jean-Bédel Bokassa, autocoroado "imperador" da República Centro-Africana, que gostava de comer o fígado – literalmente – de seus desafetos, a Mobutu Sese Seko, do antigo Zaire, que em 1968, tendo retirado o ex-ministro da Educação Pierre Mulele do exílio sob falso pretexto, tratou de extirpar seus genitais, arrancar seus olhos e desmembrá-lo vivo, num dos inúmeros casos de tortura insana pelos quais ficou conhecido. Mesmo em meio a tanta infâmia, o ugandense Idi Amin Dada conseguiu reservar para si um lugar de destaque. Nascido miserável, recrutado como cozinheiro pelo Exército colonial britânico em Uganda e protagonista de uma ascensão fulgurante nas fileiras do mesmo, Idi Amin presidiu o país de 1971 a 1979, entre dois golpes de Estado: o que ele aplicou no presidente Milton Obote (de quem fora correligionário) e o que os nacionalistas ugandenses aplicaram nele, por intermédio das Forças Armadas da Tanzânia. Idi Amin então fugiu para a Arábia Saudita, e lá se exilou até morrer, em 2003, aos presumidos 79 anos, com as quatro mulheres a que tinha direito. Como tantos outros ditadores do continente, o efusivo Amin subiu ao poder anunciando reformas modernizantes para seus governados e um papel de mais relevância para a África nos assuntos internacionais. Exatamente como todos os outros, também, deixou atrás de si hecatombes em série – na economia, nas poucas instituições que havia, na população de seus país. As estimativas atribuem a Amin 300.000 a 500.000 mortes. Em quase todas as instâncias, de supostos traidores da pátria e/ou seguidores de Obote – os quais só poderiam somar esses números na imaginação paranóide do tirano. Em dado momento, os cadáveres jogados no Rio Nilo chegaram a bloquear as comportas de uma barragem.

O que, afinal, se passou com Uganda é a pergunta que O Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, Inglaterra, 2006) lança – mas nem tenta responder, dada a futilidade de alguma explicação racional. Baseado no livro do jornalista inglês Giles Foden, que entre a infância e a juventude morou em diversos países da África, o filme que desde sexta-feira está em cartaz no país adota um expediente consagrado para conduzir a platéia: um protagonista branco que, entrando de gaiato no tumulto africano, ao mesmo tempo se fascina e é tragado por ele. Idi Amin tinha um fraco pelos escoceses, porque havia recebido treinamento militar com eles e porque compartilhava seu antagonismo pelos ingleses. No filme, então, quando o médico escocês Nicholas Garrigan (James McAvoy, vivendo uma compilação de diversos personagens reais) o socorre depois de um acidente e mostra um atrevimento que só sua juventude e ignorância poderiam explicar, o ditador se toma de amores por ele. Nicholas é trazido para o círculo íntimo do tirano e, mimado com carros, mulheres e poder, fecha os olhos para a tempestade que se está armando à sua volta. Até que, claro, por pouco não perde as pálpebras.

AFP
Idi Amin: criminoso e pândego


O recurso do ponto de vista branco sobre a África cria tantos problemas quanto resolve – como a evocação da atmosfera de gratificação sensual e, ao mesmo tempo, de pesadelo que os europeus enxergam no continente. O Último Rei da Escócia não escapa do lugar-comum. Mas o compensa com algumas qualidades robustas: o roteiro estruturado de Peter Morgan (também de A Rainha), a direção apaixonada do escocês Kevin Macdonald (do excelente documentário Um Dia em Setembro), o bom elenco de apoio e a atuação cheia de energia de McAvoy, como Nicholas. Mais do que qualquer outra coisa, porém, o que imanta o filme é a presença de Forest Whitaker, um sujeito normalmente gentil e introspectivo, mas que aqui navega as vertiginosas mudanças de humor de Idi Amin com um apetite de que só os atores maiores do que suas oportunidades são capazes. Em Uganda, Idi Amin Dada até hoje é lembrado como um criminoso e também como um pândego, que durante quase uma década, até que suas atrocidades se tornassem insuportáveis, conseguiu desarmar a opinião pública internacional, que adorava vê-lo bater nos ingleses, como hoje se encanta com as patacoadas antiamericanas de Hugo Chávez. Whitaker, aposta certeira para o Oscar de ator, acrescenta a esse prontuário um outro aspecto – o do déspota como uma triste figura, do tipo que a África, em seu estado permanente de conflagração, não cessa de produzir.

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