Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Millôr

Me chamam de humorista. Sou apenas motivo de riso.

Jogos de amarelinha

Ainda brincam de mocinho.
Não mais caubóis,
Só assassinos
Matando a aula
E muitos dos colegas
Como em colégios
Do primeiro mundo
Matando a aula
Interrompendo a aula
Enquanto se divertem
Clonando um mal
Melhor, digo pior, do que o real.
Ruído de metralhas
Dos lábios comprimidos
Em meio a muita bala
bala bala bala
Bala, bala, bala,
Pipocando na sala.
Roda pião.
Bamboleia pião.
Cresceram muito
Em libido e ambição,
Etílicos sem medo
Drogados à exaustão
Seguros
Em não resistir à tentação
Prosseguem nos jogos infantis
Em outra dimensão.
Nas ruas, nos becos,
Nos porões impensáveis,
São sombras, perfis na sombra.
Agora orgíacos
Em jogos mais brutais
Cerceiam, exploram, deformam
A ferro e fogo legal
Quem não sabe, não quer,
Ou não pode
Decifrar seu sinal.
Envelhecidos embora,
São todos ainda e apenas
Crianças imorais
Que vivem o atual
Enterrando no passado
Com os dedos queimados
Queimada toda a mão.
Por erro, por pecado,
Os que teimam
Em manter a lição.
Ainda um por um,
Juntos até o fim
Jogam, desesperadamente,
A última brincadeira
(todo sério é besteira)
De medo e escuridão
Agora que
A luz apaga a luz,
Pro último apagão
Só mais uma rodada.
A volta do pião
Refletido na rua
Na poça da lagoa
No recanto da praça
Roda pião
Sob o céu da desgraça
Sapateia no tijolo
Pião.
Roda
Pião.

28 de maio de 1989


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