Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Merval Pereira - Regra de ouro



O Globo
1/2/2007

O novo trabalhismo inglês do provável futuro primeiro-ministro Gordon Brown, mais dedicado às questões sociais que o de Tony Blair, está inspirando parcerias com o governo brasileiro, especialmente no que se refere ao papel do Estado como indutor do desenvolvimento. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, vê uma identidade de filosofia entre os dois governos na idéia de que o Estado não deve estar ausente dos investimentos, especialmente nas áreas sociais, em que a iniciativa privada não tem interesse. Os dois conversaram muito sobre "as desigualdades que a globalização promove", e a necessidade de o governo intervir para amenizar essas situações, que são inevitáveis, mas seriam contornáveis com a atuação do governo.

O ministro Mantega cita como exemplo a indústria têxtil dos Estados Unidos, que está sofrendo uma concorrência de mão-de-obra mais barata da China e da Índia, com repercussão forte no desemprego no interior do país. Depois de quatro dias em Londres em reunião com investidores e banqueiros para "vender" a importância do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), Mantega aproveitou para discutir com o próprio Gordon Brown e técnicos do Ministério das Finanças os mecanismos fiscais do governo inglês.

Decidiu montar um grupo de trabalho para acompanhar de perto duas experiências bem-sucedidas: as parcerias público-privadas e a política fiscal, que reserva espaço para a atuação direta do governo nos investimentos sociais ligados a infra-estrutura e a educação. Um mecanismo chamado "golden rule" (regra de ouro) permite até que o governo se endivide para investir em determinadas áreas, mas não para financiar gastos correntes.

É uma regra aproximada dos Projetos Pilotos de Investimento (PPIs) que o Brasil negociou com o FMI para poder reduzir o superávit primário em benefício de investimento em infra-estrutura. Não é, porém, essa possibilidade de endividamento que atrai o ministro Mantega, consciente de que não há espaço para tais prodigalidades nas contas públicas brasileiras.

O que lhe interessa é o espírito da "golden rule", isto é, o Estado, sem abrir mão do equilíbrio fiscal nem da iniciativa privada, ser mais atuante em setores estratégicos para o desenvolvimento. Enquanto nós no Brasil recebemos uma média de US$16 bilhões de investimentos diretos, a Inglaterra recebe dez vezes mais, cerca de US$170 bilhões, e por isso o governo pode se dar ao luxo de se endividar para atuar mais diretamente nos investimentos públicos.

Os PPIs, garante Mantega, serão direcionados para áreas onde a iniciativa privada não se mostrar interessada, mas que necessitem de projetos com repercussão favorável na criação de riqueza. Um exemplo é a BR-163, importante para o escoamento agrícola do Centro-Oeste para os portos do Norte do país. A estrada, de mais de mil quilômetros, está toda esburacada e encarece a logística de transportes, mas os empresários da região, com a crise na agricultura e o câmbio desfavorável, não se interessaram em participar da sua reconstrução, nem através de PPPs nem com concessão.

A decisão do governo de assumir o aumento de investimentos públicos sem cortar seus gastos, mas reduzindo o superávit primário, está preocupando os analistas internacionais, que vêem nela o embrião de um Estado descontrolado fiscalmente, mesmo que consiga aumentar o nível de seu crescimento econômico.

Respondendo às críticas de analistas de risco, como a diretora da Standard and Poor"s, Lisa Schineller - que considera que o governo brasileiro perdeu uma oportunidade de reforçar seu compromisso com o pagamento da dívida ao lançar o PAC sem medidas de corte de gastos e, ainda por cima, com a redução do superávit primário -, Mantega garante que o crescimento do PIB vai permitir que, mesmo com a redução do superávit, a relação dívida/PIB cairá dos atuais 49% para 40% do PIB até 2010, reforçando a disposição do governo de manter o equilíbrio das contas públicas.

O governo brasileiro parece surpreso com a reação não tão positiva quanto esperava ao seu Programa de Aceleração do Crescimento, mas o fato é que a tendência de apenas controlar seus gastos, sem cortá-los, no pressuposto de que o crescimento econômico virá para compensar eventuais problemas fiscais, deixa nos analistas a sensação de que o compromisso com o crescimento a qualquer custo supera a preocupação com o equilíbrio fiscal do Estado.

Também a falta de empenho do governo de fazer reformas estruturais neste segundo mandato preocupa os investidores e, a cada movimento como esse de transferir parte do déficit da Previdência para o Tesouro, fica a impressão de que o governo não está disposto a enfrentar uma briga para equilibrar as contas do setor.

Quando o presidente Lula fixou-se na meta de crescimento do PIB em 5% em média neste seu segundo mandato, o que ele está fazendo é tentar recuperar a falta de crescimento dos quatro anos anteriores para terminar seus oito anos com um crescimento médio por volta de 3,8%.

Esse nível o colocaria como o presidente que mais fez o país crescer nos últimos 20 anos, e nos levaria de volta à rota dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), os países emergentes que a consultoria Goldman Sachs considera que serão os mais importantes nos próximos 30 anos. Pelo estudo, o Brasil precisaria crescer perto de 3,5% ao ano nos próximos 30 anos para tornar-se a quinta economia do mundo. Por isso Mantega disse que o país não precisa crescer a 10% ao ano. Mas, para o mercado financeiro, a "regra de ouro" do governo brasileiro deveria ser cortar custos.

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