Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

MERVAL PEREIRA -Apagão ecológico

PARIS. O apagão-alerta de cinco minutos da Torre Eiffel ontem foi o simbolismo mais apropriado que os franceses encontraram para chamar a atenção para as más novas que o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) da ONU deve anunciar hoje. Ao certo mesmo, sabe-se que estará nele contida pela primeira vez a certeza de que o aquecimento global é uma obra de nós, humanos, e não ocasional. Os cenários são terríveis, desde o aquecimento de até 4,5 graus Celsius no planeta até o ano 2100, até efeitos contrários, como a falta d’água em algumas regiões do planeta e inundações em outras, devido ao aumento do nível do mar, resultado do derretimento das geleiras, que, já alertou um outro relatório desta semana, estão derretendo a um ritmo três vezes maior do que anos atrás.

O aquecimento global foi um dos temas mais presentes nos debates do Fórum Econômico Mundial em Davos e, como em todos os outros assuntos, China e Índia, entre as economias emergentes, e os Estados Unidos foram centrais nas discussões. A China admitiu, através de C.S. Kiang, presidente do Fundo para o Meio Ambiente da Universidade de Pequim, que brevemente passará a ser o segundo maior emissor de gás carbônico na atmosfera, superado apenas pelos Estados Unidos.

O vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, Zhang Xiaoqiang, garantiu que seu país pretende seguir o Protocolo de Kyoto, mas lembrou que a produção de cimento e aço necessita de fontes de energia intensiva, e as tecnologias existentes são menos eficientes do que as em operação no Ocidente, e pediu ajuda das nações industrializadas para modernizar a produção chinesa e reduzir a poluição.

A necessidade de criação de empregos foi a explicação para a manutenção do ritmo de produção industrial altamente pol u e n t e , m a s Z h a n g Xiaoqiang garantiu que a China vem tomando decisões para neutralizar as conseqüências, no meio ambiente, da necessidade crescente de consumo de energia: a introdução de um sistema de transporte público em larga escala, para encorajar a população a não usar transportes individuais; a aprovação de uma nova lei sobre energia renovável; o controle mais rígido da emissão de gases; e o estabelecimento, pelo governo, de metas de eficiência no uso da energia para reduzir a poluição, para garantir que a urbanização das grandes cidades continue de maneira sustentável.

Há estudos também para reduzir a emissão de gases produzidos pela queima do carvão. Montek S.

Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, disse que seu país está se voltando cada vez mais para a energia nuclear. Houve um consenso entre os empresários de que é essencial transferir tecnologia tanto para a China quanto para a Índia, que têm necessidade de usar carvão e precisam ter acesso a tecnologias de energia limpa baseada no carvão.

O diretor do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, Steve Chu, chamou a atenção para o fato de que nos últimos cinco anos a situação foi de mal a pior, e deu exemplos: o montante de neve nas montanhas Sierra, responsáveis pelo suprimento de água da Califórnia, reduziu-se de 30% até 90%.

Segundo ele, mesmo uma diminuição de 20% levaria a uma severa seca no estado, e uma redução de 50% significa prejuízos incalculáveis à agricultura da região.

Acima disso, pode começar a faltar água potável. As piores previsões feitas há dez anos estão se confirmando, e Chu acha que a ciência terá que dar soluções para a mudança do clima, desde combustíveis renováveis até o controle das emissões de carbono.

O presidente da Assembléia da Califórnia, Fabian Núñez, se disse otimista em relação à posição do próximo governo americano, considerando possível que o país venha a assumir a liderança no combate ao aquecimento global, seguindo o exemplo da própria Califórnia, que votou uma redução das emissões de 1990 até 2020.

Muitos analistas, em diversos painéis, mostraramse confiantes em uma mudança de posição do governo americano diante das evidências, e alguns chegaram a admitir a possibilidade de os Estados Unidos ratificarem o Tratado de Kyoto e até mesmo se juntarem a Japão e Europa para formar um mercado de carbono antes mesmo das próximas eleições presidenciais.

Mas os pessimistas marcaram presença forte nos debates, como Martin Wolf, um dos principais analistas econômicos do inglês “Financial Times”, que definiu como “muito tarde” para qualquer reação, reforçando sua opinião com um comentário entre cético e sarcástico: “A humanidade só responde a catástrofes, e somos muito estúpidos coletivamente”.

O contraste a esta atitude negativista veio do empreendedor social australiano Nic Frances, de uma ONG ecológica, que conclamou a uma ação comum “através de legislação governamental ou por nossos próprios esforços”. Segundo ele, se todas as lâmpadas através da Europa e dos Estados Unidos fossem trocadas, até o próximo Natal teríamos reduzido a emissão de gases para os níveis que estão sendo previstos para 2012. “Nós podemos debater, mas temos mesmo é que agir. Já temos tecnologia para fazer o que é preciso ao nosso alcance”, garantiu Nic Frances.

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