Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 03, 2007

A história da viúva do milionário da Mega-Sena

A principal suspeita

Para a polícia, a ex-cabeleireira mandou matar
o milionário da Mega-Sena porque ele ameaçou
mudar o testamento que a favorecia


Juliana Linhares

Alaor Filho/AE
Reprodução O Globo
Adriana, no dia em que foi presa, e Renê Senna: relação tumultuada

No dia 7 de janeiro de 2006, exatamente um ano antes de morrer, o milionário Renê Senna recebeu, em seu celular, o seguinte recado da ex-cabeleireira Adriana Almeida: "Meu querido, espero que o nosso futuro seja tão lindo quanto o nosso presente. A cada dia, aprendo a gostar mais e mais de você". A mensagem foi encomendada à amiga Rose Castro, moradora de Rio Bonito (a 78 quilômetros do Rio de Janeiro) e dona de uma cabine de telemensagens, serviço de envio de recados pré-gravados com fundo sonoro romântico. Até duas semanas antes, a ex-cabeleireira e o milionário haviam se visto poucas vezes. Adriana, que trabalhava em Rio Bonito como garota de programa e, às vezes, fazia serviços de cabeleireira, era íntima de uma sobrinha de Renê, Lilian. No dia 23 de dezembro de 2005, estava na casa da amiga, vendo TV, quando Renê, acompanhado de um motorista, chegou com sua Pajero blindada. Adriana pulou do sofá. "Oi, Renê, soube que você ganhou uma grana. Não está precisando de uma empregada, não?" Renê, que sempre havia demonstrado interesse por Adriana, foi direto: "Não. Estou precisando de uma mulher". Os dois riram, conversaram mais um pouco, e Renê foi embora. No dia seguinte, ele pediu à sobrinha o telefone da amiga. "Eu falei que a Drica não prestava, mas ele insistiu", conta Lilian. Nas duas semanas seguintes, Renê, que havia se mudado fazia pouco tempo de Rio Bonito para o Rio, voltou todos os dias à cidade para ver Adriana. No réveillon, deu uma festança em sua casa e convidou a mulher. Adriana foi, levando consigo uma mala. "Vim para ficar", disse ao milionário. Ficou por um ano e três dias. No dia 4 de janeiro, ao fim de uma briga, Renê expulsou-a da fazenda onde o casal estava morando havia seis meses. No dia 7, o milionário foi assassinado com quatro tiros. A ex-cabeleireira foi presa sob a acusação de envolvimento no assassinato, que teria tido a participação de quatro ex-seguranças do casal. Como ela, três deles estão presos. O quarto permanece foragido.

Marcos d'Paula/AE
A fazenda com seis suítes em que o casal morava: 1 000 cabeças de boi

Renê Senna, que em 2005 ganhou 52 milhões na Mega-Sena, tinha 54 anos – 53 dos quais passados na miséria. Ex-lavrador, ele vivia da caridade dos irmãos desde 2003, quando o diabetes o obrigou a amputar as duas pernas. Um ano antes, a mulher com quem havia sido casado por vinte anos o deixara. Desde então, quando não estava bebendo em algum bar, Renê vendia flores na BR-101. A vida de Adriana também já fora bem mais dura. Até os 26 anos, ela vivia com o primeiro marido e três filhos (o primeiro deles fruto de um namoro-relâmpago no passado) na região rural de São Gonçalo, vizinha a Rio Bonito. O casal plantava mandioca para vender na feira. Nessa época, Adriana usava figurino bem diferente daquele que exibiu quando foi presa (jeans, blusinha de alças, óculos escuros e boné). Evangélica como o marido, tinha os cabelos ainda pretos e crespos e costumava vestir saia abaixo dos joelhos com blusa de mangas compridas. Adriana, afirmam amigos, detestava aquela vida. Um vizinho conta que, perto de 2002, ela se afastou da igreja e fez amizade com meninas "que gostavam de beber, dançar e se divertir com homens mais velhos". Um dia, depois de uma briga com o marido, ela saiu de casa, entregou os filhos para uma irmã e foi morar em Rio Bonito, cidade de Renê.

A união da ex-cabeleireira com o milionário mudou a vida dos dois. Dona de uma conta conjunta com Renê, Adriana matriculou-se na melhor academia de ginástica da região e fez, além de lipoaspiração, cirurgias para afilar o nariz, eliminar varizes e tirar três verrugas do rosto. Colocou apliques para que o cabelo, tingido de loiro, chegasse à cintura, fez "preenchimento" de lábios e pôs aparelho nos dentes. Louca por carros, ganhou quatro de Renê: uma picape S10, um Citroën C3, um Astra e um Audi blindado. A cada dia, saía com um diferente. "Caraca, amiga, eu tô muito rica!", comentou, certa vez, num telefonema à amiga Rose. Já as mudanças na vida de Renê foram todas decorrentes das exigências da mulher: Adriana pediu ao milionário que afastasse de casa os parentes que moravam com ele, convenceu-o a demitir um contador que administrava os seus bens (a fazenda, avaliada em 9 milhões de reais, abrigava 1.000 cabeças de gado) e substituiu seus seis seguranças por pessoas de sua confiança. Dentre os novatos, estava o ex-PM Anderson Souza, casado com Janaína Oliveira, amiga de Adriana. Do novo staff, também fazia parte Davi Vilhena. No fim de agosto, o patrão descobriu que Souza havia sido expulso da PM por suspeita de envolvimento em crimes. Decidiu demiti-lo. Souza ficou furioso. Ao deixar a fazenda, disse ao patrão que voltaria para matá-lo. Com Souza, saíram também outros três seguranças. Apenas Vilhena ficou. Uma semana depois, Vilhena foi morto a tiros numa emboscada na estrada. A polícia suspeita que os seguranças demitidos estejam envolvidos na sua morte. Testemunhas ouvidas pela polícia afirmam que Souza, o ex-PM, depois da demissão, procurou Vilhena para dizer-lhe que estava planejando seqüestrar o milionário. Vilhena teria recusado o convite para participar da ação.

Salvador Scofano/Ag. O Globo
Eurico Dantas/Ag. O Globo
O ex-PM Souza e outros dois ex-seguranças de Renê presos na semana passada: suspeita de participação no assassinato do milionário

Durante o tempo em que viveram juntos, Adriana e Renê brigaram muito. A um tio, Calisto dos Santos, o milionário confidenciou que tinha problemas de ereção e que só conseguira ter duas relações sexuais com Adriana. A ex-cabeleireira, por sua vez, adquirira o hábito de sair sozinha, o que enfurecia Renê. A última briga do casal aconteceu no dia 4. Renê soube, por intermédio de parentes, que Adriana tinha um amante: o motorista de van, Robson Andrade, que ela havia namorado em 2003 e com quem passara a noite de Ano-Novo. O casal discutiu e Renê disse a Adriana que iria deserdá-la. Assim que enriqueceu, Renê fez seu primeiro testamento. Segundo esse documento, metade da sua fortuna deveria ser dividida entre seus irmãos e um sobrinho, e a outra metade ficaria para Renata, sua única filha, de 25 anos. Em outubro, no entanto, sem que sua família soubesse, Renê foi com Adriana a um cartório no Rio, onde lavrou um segundo testamento, deixando para ela a metade que cabia aos irmãos. Na noite da briga, Renê disse a Adriana que anularia esse testamento. Para a polícia, essa frase pode ter selado o destino do ex-lavrador.

Quando Adriana deixou a casa, Renê chegou a dizer a um de seus seguranças: "Não quero mais saber dessa mulher". No dia seguinte, no entanto, Adriana voltou à fazenda, pediu desculpas e Renê a aceitou de volta. O casal parecia ter reatado. No último dia 7, quando bebia cerveja em um bar, Renê foi morto com quatro tiros na cabeça. Os criminosos se aproximaram do milionário de moto, usando roupas escuras e capacete. Na última quinta-feira, a polícia apreendeu uma moto parecida com a que foi usada na ação na casa do filho de Ronaldo de Oliveira, um dos ex-seguranças de Renê. Ele foi preso juntamente com Marcos Antonio Vicente, também ex-segurança do casal. O ex-PM Souza, que estava foragido, entregou-se à polícia na sexta-feira. As suspeitas sobre o envolvimento de Adriana no crime foram reforçadas depois que a polícia descobriu que, às vésperas de sua prisão, ela telefonou diversas vezes para Souza de um telefone público. "Ela não ligou de seu celular porque queria esconder algo", disse um dos investigadores do caso. Quando foi presa, em um hotel de Niterói, Adriana pediu a um dos policiais que lhe desse "um tiro na cabeça". Agora, jura inocência.

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