Números das contas públicas de 2006, fechados nesta semana, confirmam o que esta coluna comentava em 25 de maio do ano passado. Sob o título “Não mudará, já mudou”, dizíamos que, com Guido Mantega na Fazenda, a política econômica mudava na direção de um forte aumento dos gastos públicos, sob a velha inspiração petista: é o governo que vai promover o crescimento e distribuir a renda.
Não se pode dizer que a era Palocci está inteiramente superada porque resta o Banco Central ainda com autonomia em sua política de metas de inflação. Na semana passada, no ambiente do vai-ou-racha do PAC, o BC reforçou seu conservadorismo ao reduzir a taxa básica de juros em apenas 0,25 ponto percentual.
Essa atitude, aliás, atraiu crítica correta, no seguinte sentido: o que o BC faz não combina com o que o resto do governo Lula faz e tudo o mais que pretende fazer.
Os números mostraram que todas as despesas aumentaram no ano passado, menos uma. O pagamento de juros foi menor, por causa do contínuo processo de redução da taxa básica. As demais, Previdência, pessoal, custeio e capital, subiram e não foram gastos eleitorais, aqueles que se esgotam no período. O governo contratou despesas — como aquelas decorrentes do salário mínimo e dos reajustes de várias categorias do funcionalismo — que se prolongam ao longo dos anos.
A meta de superávit primário — a economia para pagar a conta de juros — foi cumprida, com algumas marteladas. A relação entre dívida pública líquida e Produto Interno Bruto caiu um pouco. Mas o chamado déficit nominal de todo o setor público, que contabiliza todas as receitas e despesas, inclusive de pagamento de juros, aumentou de R$ 63,6 bilhões (ou 3,28% do PIB), em 2005, para R$ 69,9 bilhões (3,35%) no ano passado.
Como disse o próprio Mantega na apresentação do PAC, esse conceito de déficit é o mais importante porque exprime a totalidade das contas. No cenário do PAC, o ministro prevê uma forte redução desse déficit nominal, já neste ano, para 1,9%, até ser zerado em 2010.
Impossível. O Orçamento da União para este ano e o próprio PAC prevêem, de um lado, aumento de todas as despesas não financeiras e, de outro, a redução no pagamento de juros (isto é, a redução do superávit primário). Só tem um jeito de fechar a conta com queda do déficit nominal: com um brutal aumento da receita de impostos, acima do nível de crescimento dos gastos.
A propósito, no ano passado, a receita de impostos e a carga tributária voltaram a subir. Assim, o financiamento do aumento dos gastos veio da elevação da carga tributária e da redução no pagamento de juros. E vai continuar assim.
É por isso que o presidente Lula e seus ministros iniciaram esse movimento para dizer que o déficit do INSS não é tão feio quanto parece. A idéia geral é mostrar que o governo tem, sim, dinheiro para gastar.
Nesse ambiente, não surpreende que os governadores queiram lançar seus PACs estaduais. E no mesmo estilo do governo federal: estão reclamando maior participação na receita de impostos e menor pagamento de juros.
O espaço para aumento dos investimentos privados continua bloqueado, por dois obstáculos. Um, ideológico: o governo, em seus diversos níveis, desconfia dos empresários, acha que eles só buscam lucros exorbitantes quando agem livremente.
Por isso, o governo pretende orientar o investimento privado para este ou aquele setor e ainda determinar as margens de ganho. E conta com isso quando faz as premissas do PAC.
Claro que o setor privado adora grandes programas de investimentos públicos.
Mas só coloca dinheiro quando sua avaliação — e não a palavra do governo — garante que as regras serão cumpridas e que o ambiente de negócios é favorável.
Não há essa avaliação no momento. É o segundo obstáculo.
Tudo considerado, ficamos assim: um governo gastador, procurando dinheiro por todo lado para aumentar despesas e investimentos, ao lado de um BC conservador.
Como o perfil do gasto público continua o mesmo — quase tudo em custeio e despesas correntes, quase nada em investimentos — e como o setor privado não encontra ambiente propício, é remota a chance de aceleração do crescimento.
Mas Lula continua com sorte. As chuvas enchem os reservatórios e garantem energia, mesmo que os investimentos em novas usinas continuem atrasados. E a economia mundial parece estar emplacando mais um ano de forte crescimento.
Em tempo: existe, sim, déficit na Previdência, como indicaram duas excelentes reportagens do GLOBO, nas últimas terça e quarta.
Entrevista:O Estado inteligente
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