Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Celso Ming - A lebre e o macaco



O Estado de S. Paulo
1/2/2007

Um reumatismo doloroso atacou as quatro pernas da lebre, antes tão esperta. "Procureum feiticeiro que a transforme em cobra e seus problemas desaparecerão", aconselhou o macaco. É o que o presidente Lula está sugerindo como saída para a encalacrada da Previdência. Transforme-se tudo ou quase tudo em questão social que o problema previdenciário desaparecerá sem que seja necessária a reforma, uma encrenca política.
Na edição de ontem, esta coluna mostrou que, de fato, grande parte do rombo da Previdência tem natureza social. No entanto, não é separando déficit previdenciário de déficit social que o problema desaparecerá, porque o que falta continuará faltando e exigirá cobertura do Tesouro.
Mas é preciso dizer mais: até a parcela correspondente ao déficit previdenciário propriamente dito precisa de conserto urgente.
Aqui vão algumas razões:

(1) O salto da despesa -Em 2000, a despesa com previdência, tanto do setor privado (INSS) como público (nas três esferas), equivalia a 10,4% do PIB.
Se fosse em reais de 2006, seriam R$ 217 bilhões, ou 44% da arrecadação federal. Em 2006, saltou para 12,2% do PIB, ou para R$ 254 bilhões - salto de 27,1% (descontada a inflação) em sete anos.

(2) Muito ou pouco? - O aposentado do setor privado ganha uma merreca. Não há quem não se queixe, com mil razões, do benefício aviltado. E, no entanto, o Brasil gasta 12,2% do PIB apenas com aposentadoria. A tabela mostra que esta é uma distorção grave, que não tem similar em outros países e só pode piorar.
Alguém dirá: É o PIB que cresce uma merreca e, assim, a despesa com aposentadoria comparada com o PIB fica uma enormidade. Deixe o PIB crescer o que precisa e a despesa com aposentadoria em relação ao PIB ficará miúda. Resposta: o rombo da Previdência é uma das principais travas que brecam a marcha do PIB.

(3) Avanço da sobrevida -O professor Fábio Giambiagi, do Ipea, observa que as atuais regras da Previdência foram fixadas em 1988 pela Constituição.
Naquele ano, quem tinha 60 anos viveria, em média, outros 17 se fosse homem ou outros 20, se mulher. Pelos cálculos do IBGE, daqui a três anos o sexagenário viverá mais 20 se for homem e 23, se mulher. Quer dizer, as bases do sistema continuam as mesmas, mas o tempo de aposentadoria mudou muito. Isso precisa de ajuste, sob pena de ficar faltando.

(4) Incentivo ao calote -Se o Estatuto do Idoso garante aposentadoria pelo piso mínimo (salário mínimo) a qualquer pessoa que chegue aos 65 anos sem que tenha contribuído para isso, fica passado o recado de que, se for para contribuir pelo piso, é melhor não contribuir. Hoje são 3 milhões de pessoas que ganham benefício nessas condições. Isso é um incentivo à informalidade.

(5) O privilégio dos servidores - Quando se aposenta, o funcionário público ganha o que valia seu último salário, normalmente engordado com as vantagens de anuênios, qüinqüênios, etc. e, quase sempre, com uma promoção estratégica que um chefe amigo sempre arruma na reta final da carreira. Em 2005, o governo federal gastava com aposentadoria dos seus ex-funcionários nada menos que 86% do que gastava com os da ativa. Os funcionários públicos federais aposentados ou pensionistas são apenas 972 mil e, no entanto, seu benefício produziu um buraco de R$ 35 bilhões no ano passado. Enquanto isso, o INSS tem 22 milhões de aposentados e apresentou um déficit de R$ 42,1 bilhões.
Noano passado, o déficit previdenciário do setor público aumentou 6,5% sobre o do ano anterior. Com o aumento da expectativa de vida, esse número tende a inchar inexoravelmente.

Nessas condições, a lebre continuará entravada. Como até o macacosabe, a proposta de transformá-la em cobra leva o jeito de não passar de embromação.


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