Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 08, 2006

E a Rússia deu certo em apenas 14 anos (3) POR ALBERTO TAMER

E a Rússia deu certo em apenas 14 anos por Alberto Tamer(1 e 2) 

E a Rússia deu certo em apenas 14 anos (3)

Alberto Tamer*

Naquele ambiente de puro terror mafioso, de bombas e tiroteios - meu guia tinha medo de tudo, e com razão, pois vira a morte passar por perto várias vezes; uma vez me fez sair às pressas de um bar porque haviam entrado dois "guarda-costas" armados, procurando por alguém - procurei na medida do possível entender o caso das privatizações criminosas - e eram mesmo - como as víamos no Ocidente.

Falei com "empresários", inclusive um filho do Luís Carlos Prestes, João, se não me engano. E aí eu vi "a esperteza oportunista" desse beberrão corajoso, o Yeltsin. Todos diziam, inclusive no Brasil, que a privatização ia fracassar, era um escândalo, era precipitada porque não havia sido criada antes uma legislação, uma estrutura legal para isso.

Foi aí, falando com aquelas pessoas, que entendi o que Yeltsin havia feito. Ele sabia muito bem que não só não havia estrutura legal, como não havia lei nenhuma em vigor, não havia nada, o país como Estado estava esfrangalhado após 74 anos de estatização imposta e brutal, inclusive no campo, nas terras mal cultivadas do governo.

Ele, Yeltsin, só podia contar com os membros privilegiados da "nomenklatura", os "gerentes" das fábricas estatais, os senhores dominantes do sempre vigilante e onipresente partido. Em resumo, com os líderes comunistas que mandavam.

Não havia também - não poderia mesmo haver! - possíveis investidores estrangeiros, mesmo que os preços dos ativos, em dólares, das fábricas, de qualquer instalação, fossem irrisórios.

Quem de fora iria investir um centavo sequer na Rússia entre 1991 e 1994? Em suma, não havia nada, só a desordem e o caos, que estávamos vendo, eu, com grande tristeza, e meu guia com imensa revolta e frustração.

Só havia naquele momento os péssimos e corruptos administradores soviéticos; eram, comunistas, sim, não por convicção ideológica, mas porque isso os beneficiava, permitia-lhe passar férias em suas dachas nas águas quentes do Mar Negro. (Contava-se em Moscou a piada - os russos adoram piadas - da senhora Brejnev. Após chegar à dacha soberba do marido, ela o chamou de lado, e sussurrou no seu ouvido para não ser ouvida por ninguém: - Brez, vamos embora logo antes que os comunistas cheguem...)

O que Yeltsin fez foi "vender" a eles a preços simbólicos as fábricas desde que eles as mantivesse em produção e pagasse o possível aos atuais operários. Com isso, ele resolvia dois problemas:

1 - acabava com qualquer oposição dos comunistas que, de uma hora para outra, haviam sido transformados em "capitalistas"; e

2 - tirava de um Estado completamente falido o peso que não poderia mais carregar, de sustentar fábricas economicamente deficitárias, improdutivas, inoperantes, dispendiosas, totalmente inviáveis numa economia mais aberta. Elas somente sobreviviam com o caixa, agora vazio, de um governo que havia quebrado e mal e mal acabara de nascer.

DE ARMAS A CAFÉ SOLÚVEL

Foi um erro? Foi. Houve corrupção? Houve, e muita.Uma corrupção sem limites, o roubo de bens do qual o Estado havia se apropriado, em 1917.

Houve má-fé? Talvez, provavelmente sim, mas, naquele momento, Yeltsin simplesmente não tinha outra saída. Ou privatizava tudo ou não privatizaria nunca; ou enfrentava a oposição dos dirigentes e "administradores" comunistas e, ao mesmo tempo, seria obrigado a parar a produção, abrindo espaço para a oposição, para que eles voltassem ao poder, ou lhes transferia a propriedade - palavra desconhecida naqueles 74 anos - fábricas depredadas pela incompetência estatal.

Muitos novos "capitalistas" quebraram, muitos ganharam muito e ficaram ricos, mas as fábricas continuaram produzindo, adaptando-se ao novo regime de mercado.

O filho de Prestes, uma pessoa extremamente franca, gentil e aberta, contou-me uma história deliciosa. Um dos gerentes "comprou" uma fabrica que produzia peças bélicas. Ninguém entendeu por quê. E então, perguntei.

"Ele simplesmente desmontou-a, adaptou-a para... enlatar café solúvel! Abasteceu o mercado e ficou rico", respondeu-me.

ROUBO E MAIS ROUBO

Naquele ano de 1994, outro drama era o roubo descarado, aberto, livre, fervilhando por todos os poros, todos os tipos de produtos e mercadorias que chegavam à qualquer porto ou aeroporto da Rússia. O grau de ladroagem era de tal ordem que empresas, inclusive brasileiras, só se responsabilizavam pelo produto exportado até a Finlândia. Recebia o pagamento e, a partir daí, a responsabilidade passava para o importador russo...

E o filho de Prestes me conta que certa vez houve um roubo tão grande, mas tão grande, que ficou no folclore do comércio russo daqueles anos. Os ladrões simplesmente tinham conseguido desviar, roubar, toda uma composição ferroviária, dezenas de vagões repletos de produtos importados... Sim, roubaram o trem inteiro! Nunca ninguém descobriu - ou procurou descobrir - para onde tinham sido desviados e estavam "escondidos" os vagões... (Continua na próxima quinta-feira.)

*E-mail: at@attglobal.net[/EMAILOPIESP]



Arquivo do blog