Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 04, 2005

Um encontro no banheiro da Câmara Por Rui Nogueira

PRIMEIRA LEITURA


Na quarta-feira passada, um banheiro da Câmara dos Deputados, com alguns usuários e serventes no papel de testemunhas, foi palco de um encontro histórico. Foi no banheiro que se encontraram os deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e Devanir Ribeiro (PT-SP). Pena que o encontro do acaso, provocado pelo aperto na bexiga, não tenha sido nem filmado nem gravado. A República e a democracia só teriam a ganhar.

O contexto do encontro no banheiro só pode ser compreendido se o leitor lembrar o que aconteceu no dia anterior, na terça-feira, no plenário da Câmara. O dia político havia amanhecido nervoso por conta de uma entrevista que o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Casa, havia concedido à Folha de S.Paulo. Não era uma entrevista qualquer, coisa de canto ou pé de página, como se diz na gíria das redações. Era uma conversa "solene" e pensada, de página inteira, com três repórteres da sucursal de Brasília a entrevistar Severino. Envolveu até o diretor-executivo da sucursal da Folha.

E o que disse o presidente da Câmara? Do alto de uma lógica ziguezagueante e investindo-se da condição de magistrado de todas as causas espúrias deu o veredicto: caixa dois não é crime assim tão grave, e, por isso, ninguém deve ser cassado pelo uso desse gênero de financiamento de campanhas eleitorais. E pediu "penas brandas". Disse mais: que o gasto comprovado do dinheiro do caixa dois na campanha é menos grave ainda. Uma nota fria aqui, outra nota fria ali, uma nota quente, mas fabricada, ou qualquer expediente dessa natureza para justificar o gasto e o roubo perpetrados lá trás, em campanhas de 2002 e 2004, seriam o de menos.

O momento da entrevista não foi menos simbólico. A edição da Folha chegou às bancas dois dias antes de os relatores das CPIs dos Correios e do Mensalão divulgarem o parecer sobre nada menos que 18 deputados e recomendar ao Conselho de Ética as cassações de todos eles. Tudo muito pensado e normal, na visão canhestra de Severino Cavalcanti.

Na sessão da Câmara, que começou no meio da tarde de terça-feira, dava para sentir a cortante e irritante eletricidade gerada pelos matreiros disparates de Sua Excelência. A oposição estava irada. Quem não era oposição, também. O sentimento geral foi expresso por Fernando Gabeira que, usando o microfone postado no meio do plenário, mandou Severino "ficar calado" — a instituição não merecia tamanho constrangimento. Só um barulhento e pequeno cordão de bajuladores se postou para defender Severino, o que se tornou imperioso depois do cala-boca objetivo e sincero de Gabeira. Defender Severino e tentar desqualificar Gabeira, como se crime fosse defender, à luz do dia, o que ele bem quiser defender.

A maioria dos discursos dos bate-paus foi óbvia pelos ditos e pelos nomes que os pronunciaram. Mas dois, em especial, chamaram a atenção: os dos deputados Devanir Ribeiro (PT-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), que é líder do governo na Câmara. "Vossa Excelência [Severino Cavalcanti] terá minha solidariedade enquanto presidir esta Casa, enquanto não acatar o que a mídia quer que façamos aqui, ou seja, uma caça às bruxas", disse Devanir. Chinaglia foi na mesma linha. Devanir chegou, depois, a apoiar a idéia de representar contra Gabeira no Conselho de Ética, o que foi feito pelo deputado Benedito Dias (PP-AP). A razão alegada para tanto seria uma coisa apelidada de "gravíssima ofensa moral" ao presidente da Câmara — o próprio Severino vai dizer o será feito com o pedido do Benedito, se o envia ou não ao Conselho.

Devanir Ribeiro, militante histórico do PT e ex-sindicalista metalúrgico contemporâneo daquelas greves do final dos anos 70, quando os bons estavam todos de um lado, e os maus, do outro, é íntimo de Lula e cultiva, à semelhança do presidente, a idéia regressista cristã de que os pobres são sempre bem aventurados e têm um lugar especial na história. Devanir disse no plenário, em conversas com os companheiros do PP — sim, do PP —, que tem apreço especial pelos homens "simples", como Severino, que venceram na vida. Somando os apreços pelos presidentes da República e da Câmara, vê-se que Devanir tem muito mais apreço pelos pobres de espírito. E acha mesmo que Gabeira deve responder pelo "ataque a Severino" no Conselho de Ética.

Irônico, Gabeira disse a Devanir, no banheiro, que pensara em lhe pedir desculpas, mas, pensando melhor, optou por lhe pedir um favor. O deputado do PV rogou-lhe que engrossasse o cordão dos que desejam vê-lo a responder a um processo no Conselho de Ética. Gabeira gostaria de expor para o Brasil, em uma transmissão de rádio e TV, dessas que são feitas nas CPIs e empolgam o país, o que ele tem a dizer sobre o Partidos dos Trabalhadores e o governo Lula.

Poderiam até, em um sadio debate, fazer uma troca de favores: Gabeira diria como é que Lula e o PT empulharam todo um país, e Devanir explicaria porque é que o PT, segundo a revista Veja da semana retrasada, usava o gabinete dele, quando era vereador, em São Paulo, para trocar milhares de dólares por reais, uma espécie de caixa-forte que movimentava boladas consideráveis usando doleiros como Dario Messer, do Rio de Janeiro. Na semana seguinte à publicação da informação jurei que veria uma carta irada de Devanir Ribeiro endereçada à revista, desmentindo as informações e exigindo reparos por injúria, difamação e qualquer coisa mais. Até agora nem uma só letrinha!

Trocar dólares na Câmara dos Vereadores ou matar crianças índias do Mato Grosso do Sul sob liderança de outro sindicalista plantado pelo PT na gestão da Saúde pública são assuntos que Gabeira gostaria de discutir no Conselho. Eu me alio a Devanir para atender Gabeira. O país merece que a conversa saia do banheiro continue no Conselho de Ética.

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