Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 16, 2005

Um debate a ser aprofundado LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE S PAULO

O vazamento de uma proposta do Ministério da Fazenda para uma redução expressiva das tarifas de importação provocou um pequeno terremoto entre os empresários brasileiros. O ministro Palocci, bombeiro de quatro costados, rapidamente desqualificou o documento dizendo que representava apenas uma proposta para reflexão. Mas o que se sabe é que esse é o caminho proposto pelo czar da economia e principal sustentáculo, hoje, do governo do presidente Lula.
O embaixador Rubens Barbosa nos dá a pista para entender os bastidores dessa proposta: as negociações que serão realizadas em dezembro no âmbito da OMC, conhecida como Rodada Doha. O que saiu na imprensa é, portanto, apenas a ponta do iceberg de uma queda-de-braço entre os defensores de uma liberalização unilateral de nosso comércio internacional e aqueles que recomendam uma atitude mais realista e negociada. Em outras palavras, um choque entre o chamado bom mocismo ideológico de um lado e o pragmatismo realista de outro.
Meu leitor sabe que estou alinhado com as idéias do segundo grupo. Posição consolidada ao longo dos últimos anos pela observação factual de nossa economia e do mundo que nos cerca. O Brasil é hoje um exemplo vivo dos benefícios que uma abertura comercial organizada, e com visão estratégica de longo prazo, pode trazer a uma sociedade moderna. As vantagens que essa opção, realizada de maneira clara no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, trouxeram ao Brasil falam por si só. Mesmo seus antigos críticos renderam-se a ela. Hoje não há dúvida de que o país deve buscar maior abertura e dinamismo no comércio exterior. Estamos discutindo agora não mais "o que fazer", mas sim "como fazer".
Existem algumas diferenças de fundo entre os chamados desenvolvimentistas e monetaristas em relação à abertura econômica. A mais importante delas está relacionada à dependência, ou não, do ritmo de nossa abertura às negociações com outros parceiros comerciais. Para os economistas de corte mais liberal, devemos reduzir nossas barreiras comerciais independentemente da ação de outras nações. Os benefícios intrínsecos associados a uma economia aberta justificam, por si mesmos, as distorções que ocorram nas relações com parceiros comerciais importantes. Trata-se de uma posição fundamentalista e que não leva em consideração os prejuízos eventuais de empresas que atuem em setores com maior grau de proteção, ou mesmo subsídios, em outros países.
Para eles, os feridos e mortos, como em uma guerra contra o Mal, não contam em razão da grandeza da vitória final da racionalidade das economias de mercado. Essa atitude é criticada pelo outro grupo que mostra que o processo de abertura não pode deixar de considerar as imperfeições que existem no comércio internacional de hoje. Administração da taxa de câmbio, esquemas de subsídios a produtores internos, barreiras fito-sanitárias artificiais, ao lado de barreiras e impostos formais, fazem parte das regras do jogo. Todas essas distorções estão hoje sendo debatidas e modificadas pela ação da OMC. Mas vai levar tempo e, por isso, o unilateralismo motivado por ideologia não deve ser aplicado.
Outra diferença de fundo está relacionada às condições particulares que ainda existem na economia brasileira. O exemplo mais marcante é o da taxa de juros, e seu reflexo, sobre nossa taxa de câmbio. Reduzir drasticamente nossas proteções alfandegárias em uma situação de taxa de câmbio valorizada por fatores financeiros vai expor nosso tecido produtivo a uma situação de concorrência injusta e fora do contexto da eficiência produtiva. Essa distorção não existe para o outro grupo, que se defende dizendo que, ao longo do tempo, nossos juros devem convergir para os níveis internacionais.
Lembro aqui uma frase famosa de Keynes em sua discussão com os economistas clássicos do início do século 20: "Infelizmente, a longo prazo, todos estaremos mortos".

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