Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 04, 2005

Treze teses embusteiras



Augusto de Franco

e-agora

Seguem abaixo treze teses que estão sendo apresentadas pelos mais diversos atores políticos, desde o presidente da República e o seu ministro da Justiça, passando por alguns líderes governistas e oposicionistas, até o presidente do Supremo Tribunal Federal, para manter o governo atual, tal como está, apesar da avalanche de evidências de que isso é altamente prejudicial para a democracia brasileira.


Tese 1 – A economia precisa de Lula.

Não precisa. Boa parte dos empresários e alguns políticos se iludem achando que a permanência de Lula é essencial para o bom desempenho da nossa economia. Nada disso. O fato de nossa economia andar bem apesar dos descalabros do governo é uma prova de que os mercados já estão relativamente imunes ao que se passa na esfera política, desde, é claro, que as instituições continuem funcionando normalmente. É uma prova de que Lula e o PT não têm poder sobre essa matéria. Se tomarem medidas de política econômica insensatas ou se investirem contra as instituições, o governo cai no outro dia e Lula sabe disso. Assim, a economia não é refém do governo. É exatamente o oposto: o governo é que é refém da economia.


Tese 2 – Se Lula sair o povo será levado a apoiar um líder aventureiro ou um partido populista.

Errado. Se Lula sair o povo procurará alguém mais sensato e que tenha capacidade de governar. Pois ocorre que o PT já é esse partido populista, não populista em termos de política econômica (porque não pode, pelos motivos expostos no comentário à tese anterior) e sim populista em termos das formas de controle social que utiliza, via manipulação das massas pela propaganda política e pelos discursos de palanque de um líder que se coloca acima das instituições democrático-republicanas para estabelecer uma ligação direta com as massas, prometendo-lhes o que não pode cumprir. Ora, isso é, rigorosamente falando, populismo (um fenômeno da esfera da política, em geral com repercussões econômicas, mas não necessariamente, como é o caso).


Tese 3 – Se Lula for impedido se transformará num Getúlio redivivo.

Nada disso. Lula impedido se transformará provavelmente – mutatis mutandis – numa espécie de Walesa tropical, talvez um pouco melhorado.


Tese 4 – Se Lula conseguir contornar a crise se transformará num zumbi e chegará às eleições enfraquecido e sem chances de vitória.

Juízo, no mínimo, temerário. Lula só será enfraquecido a ponto de não ter chances de vitória se ficar clara a sua responsabilidade nos descalabros, crimes e outras irregularidades cometidos no seu governo. E isso não se conseguirá mantendo-o artificialmente na presidência. Pois para mantê-lo assim, contra todas as evidências de sua responsabilidade, será necessário refrear as apurações ou interromper as investigações, escondendo os seus malfeitos. Manter Lula, nessas condições, é aumentar e não diminuir as suas chances (embora já não tão grandes) de continuar no comando do Estado.


Tese 5 – A crise é o resultado de um desvio moral de indivíduos isolados, que sucumbiram diante das tentações do poder e resolveram imitar o que sempre fizeram as elites políticas no Brasil durante os processos eleitorais.

Grosseira falsificação, que não resiste a qualquer análise séria dos fatos. Não se trata da miséria moral de pessoas (embora isso exista). Não se trata apenas dos crimes cometidos por uma "banda podre" do PT (embora isso também exista). E não se trata de irregularidades eleitorais cometidas tradicionalmente por todos os candidatos e partidos ao aceitarem doações de dinheiro "não-contabilizado" (embora isso, igualmente, tenha sido praticado). Os crimes e irregularidades cometidos pelo PT faziam parte de uma estratégia compartilhada coletivamente e não por uma tendência ou grupo qualquer e sim pela direção do partido, que manteve o controle da organização durante mais de uma década (e – incrível! – que ainda mantém), sob a liderança e a chefia inconteste de Lula, uma estratégia que tinha como objetivo ampliar tal controle para o Estado (e sobre a sociedade), conquistando hegemonia durante todo o tempo e em todos os setores e não apenas nos períodos eleitorais (como mostram, por exemplo, as evidências de pagamento de propinas durante anos não-eleitorais com o fito de forjar maiorias nos parlamentos e em outras instâncias públicas e privadas, do Estado e da sociedade: sim, é o "Mensalão", porém muito mais ampliado do que se supõe).


Tese 6 – Não existem motivos suficientes para interromper o curso do atual governo.

Existem sim. Formação de quadrilha é crime gravíssimo, sobretudo quando o grupo delinqüente é montado dentro do Estado e a partir do comando do governo. Todavia, do ponto de vista político, é um delito menor. É um expediente tático para a consecução de um objetivo estratégico. O malfeito mais pernicioso para a democracia e para as instituições republicanas é o sistema que foi montado, com o auxílio dos recursos ilegais fornecidos pela quadrilha e por meio do aparelhamento do governo e das instituições públicas, para a retenção do poder nas mãos de um grupo privado, falsificando a dinâmica democrática. Trata-se de privatização mesmo, do tipo mais perigoso que pode haver e que se assemelha àquela que o PRI conseguiu praticar no México. A privatização partidária do Estado é motivo mais do que suficiente para interromper o curso político do atual governo. Se o impeachment for o único remédio democrático, ele deve ser aplicado.


Tese 7 – Os riscos do impedimento de Lula são maiores do que os da sua permanência.

Muito especulativo. Quem pode afirmar isso com segurança? Do ponto de vista prático, é um cálculo de risco difícil de ser feito. Quem sabe o que o verdadeiro Estado paralelo, montado a partir do aparelhamento do governo e ainda intocado (pois que, até agora, ninguém o desmontou), poderá fazer para falsear e perverter subterraneamente a dinâmica democrática nestes 14 meses que nos separam das próximas eleições? Por outro lado, sustentar, por ação ou omissão, a permanência de Lula na presidência da República, significa mantê-lo também na chefia desse aparelho privado que foi montado dentro do Estado a partir do governo.


Tese 8 – Lula não sabia de nada, foi traído e, portanto, não pode ser responsabilizado.

Falso. O presidente da República é o responsável pelo que acontece no seu governo. Se não se trata de um delito pontual, restrito a uma área ou setor da administração, mas de um esquema generalizado e que envolve a participação de dirigentes de um mesmo grupo privado (ao qual pertence o presidente), então fica clara a responsabilidade do chefe. Pouco importa se Lula está participando ou não das atividades ilegais, se ele é ou não é pessoalmente corrupto. A única maneira de Lula se eximir da sua responsabilidade, no caso de ter sido realmente traído, seria dizer à nação quem foram os traidores, quais foram as suas traições e, além de exonerá-los, processá-los imediatamente. Se não faz isso, assume solidariamente a responsabilidade.


Tese 9 – Não existem provas.

Depende do que se quer entender como provas. Em termos estritamente jurídicos também não havia provas contra Collor. Tanto é assim que ele foi absolvido na justiça. Fortes evidências avaliadas pelas instituições republicanas apropriadas são mais do que suficientes para a interrupção de mandatos. A rigor, se não há provas para o impeachment do presidente, também não há provas para cassações de mandatos parlamentares.


Tese 10 – Impeachment é golpe.

Não é. É um mecanismo democrático, previsto na Constituição Federal (que, aliás, no seu famoso Artigo 85, nada fala de condições de movimentação social ou de "clamor das ruas" para ser aplicado).


Tese 11 – Não existem condições políticas para o impeachment porque não há movimento popular ou clamor das ruas exigindo a medida.

Outra bobagem e uma bobagem perigosa para a democracia. Em primeiro lugar, porque as instituições não podem ser regidas pelas ruas e sim pela dinâmica do processo democrático formal. Mesmo que houvesse forte movimentação social exigindo o impeachment de um presidente, isso não significaria que as instituições devessem se curvar à vontade das massas na ausência de evidências suficientes de transgressão dos dispositivos constitucionais que autorizam o impeachment. Em segundo lugar, porque a sociedade brasileira contemporânea não se manifesta mais, predominantemente, por meio de manifestações de massa, como ainda fazem os velhos movimentos sociais de caráter corporativo, reativo e reivindicativo. Em terceiro lugar, porque – mesmo assim – nem todos os velhos movimentos sociais estão com Lula.


Tese 12 – Se Lula for impedido os movimentos sociais vão sair do controle e vão instalar o caos no país.

Conversa fiada! Sim, alguns dos velhos movimentos sociais – não todos – vão sair às ruas em defesa de Lula. E daí? Que saiam. Isso não significa que eles terão a menor condição de instalar o caos no país. Se transgredirem as leis, deverão ser coibidos. Enquanto as instituições do Estado de direito estiverem funcionando, não há esse risco.


Tese 13 – O impeachment é a única solução.

Não é, não. Se Lula denunciar aqueles que (segundo ele próprio afirmou) o traíram e processá-los, se parar de dificultar as apurações e de tentar vender versões falsas à população e se se dispuser a desmontar o aparelho que foi criado dentro do Estado a partir do seu governo, então ele poderá continuar. O impeachment é uma medida extrema – a última – que só deve ser aplicada se o presidente se recusar a mudar de comportamento e a consertar tudo o que fez ou que permitiu que fosse feito, no seu governo, contra a democracia brasileira.

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