o globo
O embate que se viu no plenário da Câmara na terça-feira entre o deputado Fernando Gabeira e o presidente Severino Cavalcanti foi o retrato do momento atual: o Brasil moderno reagindo às tentativas do Brasil arcaico de impor sua maneira de fazer política, que levou ao descrédito completo dos parlamentares e a essa imensa rede de corrupção que está sendo desvendada pelas CPIs.
E o Brasil moderno não está representado pelo deputado Gabeira apenas por ser ele do Rio de Janeiro, nem o arcaísmo está localizado no Nordeste do deputado Severino. Tanto que o presidente do Congresso, o senador alagoano Renan Calheiros, captando o sentimento das ruas, atuou para que as CPIs venham a ter mais eficácia. O que está em disputa é uma histórica maneira fisiológica de fazer política, que encontra adeptos em parlamentares do Sul maravilha — o deputado Roberto Jefferson, do Rio, e Valdemar Costa Neto, de São Paulo, são exemplo disso — tanto quanto em outras regiões do país.
O retrato fiel do Brasil atual, e mais do que isso, da desconstrução do governo Lula, está na inversão sintomática dos papéis. Gabeira tem uma história política ligada ao PT e aos movimentos populares, e acabou rompendo com o governo Lula antes mesmo de este chegar à sua metade, por discordar principalmente da política de meio ambiente. A gota d'água foi um chá de cadeira que levou do então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, o mesmo que Gabeira ajudara a libertar da prisão, participando do seqüestro do embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick.
Já o deputado Severino Cavalcanti, hoje o principal sustentáculo do governo Lula, chegou à presidência da Câmara por um atalho inimaginável: eleito por dissidências do próprio PT e dos partidos aliados, numa revolta do baixo clero, cuja insatisfação com o governo, na ocasião não muito clara, hoje já se pode identificar com problemas no mensalão.
Esse é o reflexo de um governo que perdeu o apoio da classe média e dos formadores de opinião, e quem tem a popularidade, hoje decadente, apoiada nas populações de regiões mais carentes e desinformadas, literalmente compradas pelos programas assistencialistas como o Bolsa Família.
Pois o governo do PT está hoje nas mãos de um eleitorado despolitizado e do baixo clero do Congresso, que lhe impôs uma derrota fragorosa ontem ao derrubar o veto presidencial ao aumento do funcionalismo do Congresso e dos tribunais superiores. A arrogância da política petista, como definiu bem o homem-bomba Roberto Jefferson, pensou que contratando mercenários poderia governar sem contestações, e acabou nas mãos dos chantagistas que trabalham a golpes de saques na boca do caixa, com apetite que não se satisfaz nunca.
Lula hoje é refém desses aliados, comprados no mercado atacadista do Congresso, e pode ser detonado literalmente se algum deles resolver abrir a boca e contar o que sabe. A desculpa esfarrapada que Severino Cavalcanti tentou fazer prevalecer na sua entrevista à "Folha de S.Paulo", nada mais é do que a mesma tese desenvolvida pelo próprio presidente Lula naquela famosa entrevista parisiense: caixa dois é coisa normal no mundo da política, e o PT fez o que todo partido político sempre fez.
Por coincidência, a seção "O GLOBO há 50 anos" está registrando nesses dias o mensalão da época, com dois personagens atualíssimos: Juscelino Kubitscheck e o PTB, partido que apoiava sua candidatura a presidente, teriam pago para ter o apoio dos comunistas na eleição em 1955. Um crítico mais voraz encontraria nessa curiosidade histórica a razão de Lula ter citado tanto o JK ultimamente.
Na mesma linha, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, em entrevista a Arnaldo Bloch no Segundo Caderno de ontem, faz piada com o assunto, dizendo que o PT "pode ter aperfeiçoado" mas não inventou nada do que está por aí, referindo-se aos escândalos de corrupção. Pode até ser verdade, mas não pode ser aceito como normalidade democrática.
Pela primeira vez na História do país, há uma confissão pública de um partido, e de políticos de vários partidos, de uso do caixa dois. E, além do caixa dois, há muitos outros crimes sendo investigados, e indícios fortes de que houve a montagem de um grande esquema de corrupção, envolvendo dinheiro público, para garantir o apoio ao governo no Congresso.
Foi contra isso que se levantou o deputado Fernando Gabeira, e se formou um grupo de parlamentares "pró-Congresso", representando a majoritária opinião pública deste país, cortando a possibilidade de o presidente da Câmara encontrar brechas na legislação para retardar, ou mesmo impedir punições. Não é à toa que correm rumores na Câmara sobre ameaças e pressões que Severino estaria sofrendo de seu partido, o PP, cujo líder José Janene é um dos mais implicados na grande rede de corrupção.
A chantagem parece estar dominando as relações partidárias atualmente, e até mesmo o vice-presidente José Alencar sucumbiu. Ensaiou críticas ao PL e a seu presidente, Valdemar da Costa Neto, que abriu mão do mandato para não ser cassado, e depois mudou subitamente de posição, chegando a elogiar o deputado que negociou o apoio do PT ao custo de R$ 10 milhões, com a aquiescência, segundo seu relato, do próprio Alencar, e o conhecimento do presidente Lula.
Assim também acontece no PT, que não consegue se livrar do ex-tesoureiro Delúbio Soares nem de José Dirceu. Todos os envolvidos nessa trama parecem ameaçados pela verdade, inclusive o presidente Lula, que depois de admitir constrangidamente que fora traído, insiste agora em que não existem provas da corrupção.
Entrevista:O Estado inteligente
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