o globo
Ao insistir na exaltação dos bons resultados da economia brasileira e, mais ainda, sinalizar com a queda dos juros, o presidente Lula está fazendo mais do que simplesmente destacar talvez o único ponto de sucesso de seu governo até agora. Está seguindo um roteiro que lhe é dado pelas pesquisas qualitativas dos institutos de opinião, que já constataram que a partir de agosto as denúncias de corrupção "colaram" no presidente, com o eleitorado identificando-o como um político como qualquer outro, sendo que quase a metade (49%) já o carimba como um político desonesto.
Essa percepção, embora crescente na opinião pública, ainda não é majoritária, mas já existem nuances preocupantes para o governo. Uma pesquisa realizada para o PFL pelo instituto Ipsos-Opinion mostra, por exemplo, que 57% já concordam com a afirmação de que "Lula não tem moral para falar em ética". O Partido dos Trabalhadores continua em pior situação que o presidente, mas a tendência é de convergirem para uma avaliação negativa.
A queda nos índices de conceitos positivos que o identificavam com o eleitorado também é acentuada. As afirmações "é gente como a gente" e "entende os problemas dos pobres" mostram uma curva declinante a partir de agosto, depois de permanecerem estáveis nos últimos 12 meses. Mas, segundo o instituto, o que de pior poderia acontecer com Lula é a queda acentuada da aceitação da frase "Lula tem um passado limpo".
É previsível que o presidente passe a dar mais ênfase aos êxitos econômicos e às boas perspectivas de crescimento, com o conseqüente aumento de empregos, do que à sua história pessoal, que foi dominante nos primeiros discursos com que quis se esquivar das denúncias de corrupção. Tornando-se "um político qualquer", apoiado por um partido político "igual aos outros", o presidente Lula dependerá cada vez mais do desempenho de seu governo para tentar se firmar diante da crise política que domina o cenário já há mais de três meses.
Há uma tese aceita universalmente pelos políticos de que a performance positiva da economia é fundamental para o bom resultado eleitoral. Desde que o marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton cunhou a frase "é a economia, estúpido", para explicar as razões da vitória de Clinton sobre Bush pai, a tese é tida como inquestionável. No Brasil, o exemplo mais recente são as eleições de Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998, onde a questão econômica teve papel preponderante, com o Plano Real.
No caso de Lula, o que está acontecendo é o contrário das evidências: a economia vai bem, e a popularidade do presidente Lula sofreu um abalo que parece ser irreversível. O fato de que a economia não se contamina, pelo menos não na escala da deterioração da crise política, ao contrário de favorecer, é ruim para o presidente. Ele disse outro dia que quem jogou politicamente para atingir a economia "caiu do cavalo". A crítica mais parece dirigida a setores do PT e de partidos aliados de esquerda, que estão contra a política econômica, que mesmo a oposição mais ferrenha, que é a do PFL, se preocupa em preservar.
O fato é que o bom estado da economia nunca afetou a popularidade do presidente Lula, que sempre teve uma aferição melhor que a de seu governo pelas "qualidades intrínsecas" que a opinião pública identificava nele. Essas qualidades sempre estiveram mais ligadas a aspectos de sua personalidade política da campanha de 2002, do personagem Lulinha, Paz e Amor criado pelo marqueteiro Duda Mendonça que afastou as desconfianças do eleitorado médio em relação ao líder sindical raivoso encarnado por Lula nas eleições anteriores.
Sinceridade, equilíbrio, inteligência, capacidade de entender o problema dos pobres passaram a ser atributos mais valorizados do que sua capacidade de gestão, que sempre foi mal avaliada. Mesmo agora, quando cresce a percepção entre a opinião pública de que Lula não é o político honesto que parecia ser, seu maior ponto fraco ainda é a incapacidade administrativa, a inoperância de seu governo, sua falta de preparo para a Presidência.
A percepção de que ele frustrou as esperanças do povo brasileiro cresce rapidamente, e já atinge 69% do eleitorado. Por isso, a estratégia da oposição, especialmente do PFL, é centrar suas críticas à incapacidade de Lula de enfrentar as responsabilidades da Presidência, o que também facilitaria a corrupção.
Num quadro em que, perdido o elemento simbólico, o governo passa a depender mais do que nunca de seu desempenho, destacar os sucessos econômicos é o único caminho que lhe resta. Mas nada indica que será suficiente para torná-lo capacitado politicamente a se reeleger. Afinal, Lula foi eleito não por seu programa de governo, mas pela capacidade de enfeitiçar o eleitorado com promessas que se mostraram irrealizáveis.
A idéia de que o presidente Lula será efetivamente candidato à reeleição, caso não venha a ser atingido por um processo de impeachment político, é bastante razoável, mas não é definitiva. Se foi candidato três vezes seguidas sem grandes chances — contra Collor, quase perde para Brizola no primeiro turno — por que não seria agora, que é presidente? Concorreria pelo menos para tentar dar alento ao novo PT que sairá das eleições diretas no final do mês.
Vai depender, no entanto, do resultado da composição política do novo diretório nacional, e da possibilidade de centrar toda sua campanha nos êxitos da política econômica. Essa dificuldade de montar uma base política para apoiar sua eleição, a previsível baixa popularidade, e a perspectiva de uma campanha eleitoral radicalizada, com críticas da direita à extrema esquerda contra seu governo, tudo somado pode conspirar para criar um clima que inviabilize sua candidatura.
Entrevista:O Estado inteligente
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