Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 08, 2005
MERVAL PEREIRA Nas ruas
O GLOBO
Apesar de não ter havido nenhuma grande manifestação popular, sendo que a maior delas, a convocada pela Força Sindical em São Paulo, pode até ser tachada de fracassada por ter reunido apenas 20 mil pessoas na terça-feira, o fato de que em praticamente todas as principais cidades do país populares foram às ruas no Sete de Setembro para protestar contra a corrupção, tendo sido vaiado o presidente Lula no desfile em Brasília, mostra que alguma coisa se move na opinião pública brasileira, e marcadamente contra o governo.
Se é verdade, como diz a professora Kathryn Hochstetler, do Departamento de Ciência Política da Universidade do Estado do Colorado, em seu estudo sobre as quedas de presidentes sul-americanos aqui já abordado, que os protestos populares desempenham papel central nos resultados das contestações do Congresso a presidentes, a parte do Congresso brasileiro — leia-se PFL — que mantém em seus planos a possibilidade de impeachment do presidente Lula, ainda não tem as condições necessárias para desencadear tal processo. Mas, sem dúvida, as condições estão sendo criadas.
No estudo da professora americana, ela constata que enquanto se desenrolam as manifestações populares, os políticos parecem calcular se as populações têm maior tendência de puni-los por ação ou inação. Os protestos de rua, quando disseminados em larga escala, clamando pela saída dos presidentes, sempre convenceram os legisladores a agir contra eles.
Ela cita o caso brasileiro da deposição do ex-presidente Collor, que, segundo o estudo, teve sua força motriz no temor de castigo dos eleitores e nas comissões parlamentares de inquérito, que revelaram importantes informações que ajudaram a mobilizar os cidadãos. Seu estudo cita ainda diversos outros casos (Venezuela/1992-1993; Equador/1997; Paraguai/1998-99; e Peru-2000), onde as mobilizações de rua também levaram os legisladores a agir contra presidentes que haviam "razoavelmente" violado as leis na escala da linguagem americana de "altos crimes e delitos".
Ao mesmo tempo, ela cita alguns casos em que as contestações falharam: em 1987 no Equador; 1991/1992 no Peru; e 1994 no Paraguai, "quando a sociedade civil fracassou na tentativa de juntar-se ao clamor para afastar presidentes que quase certamente tinham tido comportamento ilegal. Mais de 50 ONGs colombianas organizaram um respeitada comissão civil para acompanhar a tentativa de impeachment de Samper em 1995-1996, e líderes empresariais tentaram organizar a oposição, mas não conseguiram levar as pessoas às ruas".
A professora Kathryn Hochstetler diz que a imagem final que emerge destas contestações é a de uma interação dialética entre o Legislativo e a população, "processo que poderia desenvolver-se em uma ação mutuamente fortalecedora, freqüentemente capaz de tirar os presidentes do poder". Ela ressalta que nos casos em que a ação legislativa não se defrontou com uma reação popular, a contestação fracassou. Em contrapartida, "quando o clamor popular em relação aos presidentes não tinha apoio institucional, as contestações com base nos protestos de rua poderiam prosseguir por si só e muitas vezes o fizeram com sucesso".
O cientista político Nelson Paes Leme acha que a professora Hochstetler "está completa e absolutamente equivocada em sua análise sobre a mobilização popular no Brasil". Ele lembra que a América Latina "tem realidades completamente diversas entre os países que a compõem, principalmente o Brasil lusofônico que já foi até monarquia e império e nada teve a ver, por exemplo, com a formação bolivariana dos demais países hispânicos".
Por isso, Paes Leme diz que a professora Hochstetler, ao avaliar que "os protestos têm sido pequenos para um país do tamanho do Brasil" e especular que "os brasileiros estão esperando o resultado das investigações contra Lula antes de sair às ruas" — observações feitas na coluna de domingo — está revelando desconhecimento da situação brasileira atual.
"Os protestos não acontecem pelo simples fato de que os aparelhos de mobilização estão com o governo e até dentro do governo", ressalta Paes Leme, lembrando que, na reforma ministerial, "a primeira providência de Lula foi chamar para seu ministro do Trabalho, Luiz Marinho, presidente da CUT, e que a UNE é um feudo do PCdoB há mais de 20 anos". E, realça Paes Lema, o MST de João Pedro Stédile "saiu até em socorro do presidente subscrevendo a tese da conspiração das elites". Fora disso, lembra Paes Leme, "há o silêncio dos intelectuais, formadores de opinião dentro e fora das universidades. Estes têm sido sempre outro fator de grande importância nas mobilizações".
Na visão do cientista político Nelson Paes Leme, a mobilização popular também não acontece porque "a mídia está empenhada, neste momento, na preservação da democracia e no livre funcionamento das instituições. Sem falar que estas estão já bastante calcificadas para evitar o pior. E o próprio Legislativo está depurando a crise, dentro do Parlamento, com bastante competência até agora, diga-se de passagem". Além do mais, diz Paes Leme, "a oposição quer mesmo é ver o Lula sangrando até 2006, quando pretende ir para o poder. Nada de mobilização fora de hora, é a tese".
O fato é que não existe no momento clima político para um processo de impeachment, que pode estar sendo criado no processo de investigação das CPIs. Se para tirar o deputado Severino Cavalcanti da Presidência da Câmara, com provas documentais e fortes indícios de que teve um relacionamento ilegal com o concessionário do restaurante da Câmara, as oposições procuram apoio político mais sólido, o que dirá para tirar o presidente da República.
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