Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 20, 2005

Lula sabia do "mensalão", afirma Gabeira

folha de s paulo
Lula sabia do "mensalão", afirma Gabeira
Rogério Cassimiro/Folha Imagem
O deputado Fernando Gabeira (PV) responde a perguntas de jornalistas e do público em sabatina promovida pela Folha, em São Paulo


LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

ANA PAULA BONI
DA REDAÇÃO

O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) disse ontem não ter dúvidas de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha conhecimento da prática do "mensalão" -pagamento em troca do apoio de parlamentares. Gabeira, 64, afirmou também que irá defender em plenário a cassação do ex-ministro José Dirceu (PT-SP).
"Claro que o presidente Lula sabia [do "mensalão']. Ele está escondido, agarrado no braço de Juscelino [Kubitschek], mas é claro que ele sabia", disse o deputado, em referência a recentes declarações de Lula sobre ser vítima de conspirações semelhantes às sofridas por Juscelino.
Gabeira foi o sétimo sabatinado pela Folha neste ano. Participaram do debate a colunista da Folha e vereadora em São Paulo Soninha Francine (PT), o editor de Cotidiano, Rogério Gentile, e a diretora da Sucursal do Rio, Paula Cesarino Costa. O colunista Clóvis Rossi coordenou o evento.
Questionado sobre um eventual impeachment de Lula, Gabeira afirmou que só em três ou quatro meses, após a conclusão de todas as investigações, haverá base legal para discutir isso no Congresso.
Quanto a Dirceu e aos demais deputados citados no escândalo, ele defendeu a cassação. "Nenhum Parlamento pode aceitar que um dirigente político organize um processo de compra de deputados e de transferência de deputados. Assim, acho que foi um crime contra a democracia."
Ao defender a cassação de Dirceu, o deputado foi aplaudido pela platéia. "Acredito que ele [Dirceu] se perdeu pelo caminho. E, pelos dados que eu tenho, votarei pela sua cassação."
O deputado falou dos "momentos trágicos" que teria presenciado antes de se desfiliar do PT, em outubro de 2003. "Eu vi a ocupação partidária. Não denunciei à época porque isso não era muito claro. Foi horrível. Tiraram muita gente competente para colocar gente menos competente. Começaram a desviar dinheiro para campanhas do PT. Foi horrível."
Um dos momentos trágicos citados foi a substituição da antiga direção do Inca (Instituto Nacional do Câncer) por um aliado. No início da gestão de Lula, em 2003, entrou Jamil Haddad (PSB) para dirigir o hospital -cargo que ocupou por apenas quatro meses.
"É verdade que ele [Haddad] foi médico, mas câncer ele só conhece o do horóscopo", ironizou Gabeira. Depois do relato, o deputado concluiu dizendo que do PT não se salva nada.
"Mas não se salva nada? Nada salva?", perguntou a vereadora petista. "Então, responda você, o que é que se salva?", perguntou ele. "Perguntei primeiro", contestou Soninha. "Existe um trabalho que avançou em relação ao governo Fernando Henrique, o combate ao trabalho escravo. Acho que isso melhorou", disse Gabeira.
O deputado disse que dificilmente disputaria algum cargo no Executivo ("não ganharia nem de um poste"). Questionado por uma pessoa da platéia sobre a possibilidade de votar nos tucanos José Serra ou Geraldo Alckmin para a Presidência, disse que, com certeza, não votaria em Lula.

IMPRENSA E CRISE

Ao criticar o papel da imprensa diante da crise, Gabeira disse que as notícias precisariam ser melhor sistematizadas, com um formato mais pedagógico para o leitor. Além disso, lamentou que a imprensa "tenha se desinteressado completamente do Parlamento", apenas cobrindo com amplitude as eleições para o Executivo.
Ainda sobre a crise, Gabeira -que disse ter ouvido sobre o "mensalão" quando Miro Teixeira saiu do governo, em 2004- também defendeu a cassação de todos os deputados envolvidos.
Ele citou especificamente e de forma repetida Dirceu. Os dois se conheceram no período do regime militar. O deputado disse que Dirceu foi um grande nome da esquerda estudantil. "Acredito que ele [Dirceu] se perdeu pelo caminho. E, pelos dados que tenho, votarei por sua cassação."
Diante das denúncias que vieram à tona na atual crise, Gabeira disse que hoje há um sentimento de desolação moral na sociedade e no Congresso. "Nenhum Parlamento pode aceitar que um dirigente político organize um processo de compra de deputados e de transferência de deputados. Dessa maneira, acho que foi um crime contra a democracia."
Com a possível renúncia de Severino Cavalcanti à presidência da Câmara, Gabeira disse esperar do próximo presidente um nível ético superior ao do pepista. "Não tenho candidato [a presidente da Casa]. Ele deve ser alguém que não desperte na oposição medo por criar dificuldades nas investigações nem que desperte medo no governo por uma abertura de processo de impeachment", disse o deputado, que ressaltou que essas são suas condições para um candidato merecer seu voto.

IMPEACHMENT

"Claro que o presidente Lula sabia [do "mensalão']". Com essa convicção Gabeira afirmou que o presidente Lula tinha conhecimento da compra de parlamentares dentro do Congresso. Diante dessa certeza, disse ele, já há razões para que o impedimento dele seja colocado em discussão.
O deputado, no entanto, fez uma ressalva. Disse que a abertura de um eventual processo só será possível depois do fim das investigações das CPIs, o que ainda deve levar três ou quatro meses para acontecer. Questionado se a falta de manifestação popular não afetaria uma possível abertura de processo de impeachment do presidente, Gabeira mencionou dois exemplos dos EUA, os de Bill Clinton e Richard Nixon.
Nixon renunciou em 1974 antes que o processo de impeachment fosse aberto pela Câmara em razão do escândalo Watergate. Em dezembro de 1998, a Câmara aprovou a abertura de processo de impeachment contra Clinton, mas o Senado rejeitou sua destituição em fevereiro de 1999. "A questão decisiva não é a manifestação popular, mas é conseguir provar constitucionalmente que o presidente cometeu um crime e deve ser punido", disse Gabeira.
Ele fez questão de destacar o papel que a internet tem na crise. "Hoje as pessoas protestam por e-mail. Isso não tem a mesma eficácia do passado, mas não deixa de ser uma forma de protesto. É uma luta nova, pelo esclarecimento. Só não estamos acostumados a ela."
Além disso, ressaltou que hoje o Parlamentarismo seria uma boa idéia. "Poderíamos, por exemplo, fazer eleições gerais em janeiro."

ALIANÇAS

As críticas que Gabeira dirigiu ao PT, ao qual foi filiado entre 2001 e 2003, fez com que Soninha lhe questionasse se não haveria nada no partido que se salvasse. Ele retrucou: "Então, responda você, o que é que se salva?"
Pega de surpresa, ela afirmou que havia perguntado primeiro. Gabeira disse, então, que a única área em que reconhece algum avanço em relação à gestão FHC é o combate ao trabalho escravo.
Depois, Gabeira enumerou diversas críticas ao PT no governo: as alianças com a direita, o aproveitamento da máquina partidária, a política econômica e a distribuição de cargos em estatais.
Ele criticou o processo de decadência das siglas. "Vivemos, em termos de partidos, uma indigência política e teórica. Não vejo vitalidade para responder à crise."

CANDIDATURA

Sobre a possibilidade de disputar algum cargo no Executivo, Gabeira disse reconhecer que dificilmente ele seria bem-sucedido.
"Eu não ganho nem de um poste em cargo Executivo porque eu vou sempre ser o veado e maconheiro." O deputado disse que, enquanto houver esse tipo de preconceito na sociedade, "eles [políticos] vão explorar isso até o fim".
Ao falar de uma mudança na política nacional, ressaltou que não se sente disposto a encarnar uma proposta do novo, apesar de afirmar que queria "fazer muitas coisas antes de morrer". "Meu problema é o de todo velho, que está vendo que a vida vai acabar e vê que um projeto de vida não avançou", afirmou.
Gabeira aproveitou para expressar sua decepção com o PT, afirmando que essa proposta do "novo" era a de Lula, mas que o projeto se esfacelou, "caiu o Muro de Berlim". "Todo o conteúdo messiânico de classe operária em Lula era o conteúdo dos nossos sonhos. [...] Hoje não há mais salvadores, não há mais salvação."
Segundo ele, o "novo", que não existe mais, não deve ser mais vislumbrado e que as próximas eleições devem se basear no pragmatismo. "Não serão grandes líderes [os próximos governantes], mas eles devem ter condições de responder a problemas que o PT não conseguiu resolver."
Além disso, Fernando Gabeira acredita que os novos eleitos pelo país devem se conscientizar, desde as prévias das eleições, de que ser político é ser funcionário público. "Quem quiser dinheiro e ascensão social que vá para a iniciativa privada."

DROGAS E ECOLOGIA

Conhecido pela defesa da ecologia e pela descriminalização da maconha, entre outras causas, Fernando Gabeira criticou a política do governo federal em relação às drogas. Ele afirmou não ver interesse dos políticos em um trabalho de prevenção, também não havendo verba para isso.
"Eles preferem a repressão. Se o Brasil tivesse política de drogas que não fosse só repressão, dava para fazermos algo. Costumo dizer que o problema hoje é a ignorância." O deputado completou que, quanto mais as pessoas souberem sobre drogas, melhor para a educação da sociedade. "Não há nem educação nas escolas", disse.
Quanto aos temas relacionados ao ambiente, como a importação pelo governo de pneus usados e os programas contra a devastação da floresta amazônica, Gabeira disse que, "infelizmente, a situação das políticas ambientais piorou após sua saída do PT".
Ele criticou a atitude adotada pela ministra Marina Silva (Meio Ambiente) de ter "fé" no presidente Lula. "Não que Marina tenha se apequenado no cargo. Ela tem muito respeito por Lula e é uma religiosa fervorosa. Para tudo o que acontecia de ruim, ela dizia simplesmente que tinha fé no presidente. Mas fé é aspecto religioso, não político."
Gabeira também responsabilizou José Dirceu pela política ambiental do governo Lula. "Ele [Dirceu] não teve coragem de dizer "nós fracassamos" [sobre a devastação recorde da floresta amazônica no governo Lula]. Ela [Marina] não sabe enfrentar o governo. Do negócio dos pneus usados ela nem sabia."


CASSAÇÃO

Questionado sobre a atitude do presidente do STF, Nelson Jobim, de conceder liminar a seis deputados petistas acusados de participar do "mensalão", Gabeira criticou a atitude do ministro.
"O Jobim tem um problema: ele é candidato a alguma coisa, mas não sabe a quê. Age como candidato, não como juiz. Liberou Dirceu no caso Santo André [que investiga corrupção na prefeitura e a morte de Celso Daniel]."
Sobre as denúncias de "mensalão" e financiamento por caixa dois, disse ser possível dispensar esse artifício. "Se há mobilização, o povo faz a campanha. No lugar de financiamento público, prefiro o particular e transparente. O público é difícil sem caixa dois."
E disse que as chances de Lula estão diminuindo. "Passou a ser candidato como outro qualquer."

FRASES

"Claro que o presidente Lula sabia [do esquema do "mensalão"]. Ele está escondido, agarrado no braço de Juscelino [Kubitschek], mas é claro que ele sabia"

"Acredito que ele [José Dirceu] se perdeu pelo caminho. E, pelos dados que eu tenho, votarei pela sua cassação"

"Nenhum Parlamento pode aceitar que um dirigente político organize um processo de compra de deputados e de transferência de deputados. Assim, acho que foi um crime contra a democracia"

FERNANDO GABEIRA
deputado federal (PV-RJ)

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