FOLHA DE S PAULO
Vou tomar emprestado do presidente Lula o termo "Brastemp" para avaliar nosso crescimento econômico. Ele o utilizou para dizer que em 2005 a economia não vai crescer o que gostaríamos, mas, mesmo assim, vai crescer. Crescimento, do tipo Brastemp, vai ocorrer no Chile (5,7%), na Argentina (7,3%), no Uruguai (6%) e nas economias asiáticas. Aliás, essa tem sido a realidade dos últimos anos. Para nossos concorrentes e irmãos, uma Brastemp; para nós, brasileiros, uma marca de segunda categoria.
Faço parte de uma corrente de pensamento que já deveria ter jogado a toalha e se retirado do ringue do debate econômico. Temos perdido sistematicamente as discussões sobre qual seria a melhor política econômica para o Brasil. Mas, a cada nova oportunidade, como a que teremos nas eleições de 2006, nos renovamos com a esperança de que, finalmente, possamos caminhar na direção correta.
Mas existe uma diferença desta vez. Essa luta se fará em terreno mais seguro e mais fértil. Essa minha convicção nasce de duas observações principais. A primeira é que o novo presidente deve encontrar uma situação econômica só vivida na longínqua transição do presidente Castello Branco, em 1967, o que poderá possibilitar uma atuação mais estratégica visando questões de longo prazo ligadas ao desenvolvimento; a segunda é que não existem mais no Brasil as propostas populistas e irresponsáveis que foram a marca dos últimos 20 anos.
Apesar da crítica de alguns economistas sobre a qualidade do quadro econômico a ser herdado pelo próximo presidente, mantenho minha posição de que podemos identificá-lo como uma Brastemp, para ficar na imagem de Lula. Por outro lado, não temos mais no debate interno o fantasma de uma política econômica que mistura socialismo e economia de mercado, em um verdadeiro vatapá baiano condimentado por doses irresponsáveis de pajelanças econômicas.
Essa minha convicção foi reforçada recentemente pelo testemunho de um amigo que convive com a área ética do PT. Em uma reunião para discutir os horizontes e os valores de um novo PT, ouviu, estupefato, que a política econômica do partido deveria ser a dos desenvolvimentistas do PSDB. Em outras palavras, nossas propostas representam a esquerda do arco ideológico no Brasil, apesar de defendermos uma economia de mercado, aberta ao mundo e sem a presença ativa do Estado.
Esse cenário favorável precisa ser aproveitado com coragem. Como tenho dito, finalmente podemos encerrar, com pompa e circunstância, o chamado Plano Real. Feito isso, precisamos nos preparar para outro funeral para rompermos definitivamente com o passado medíocre dos últimos 30 anos. Temos que enterrar todo um entulho legal e de valores que impede que uma verdadeira economia de mercado, com suas virtudes e defeitos, tome conta de nosso país.
Para evitar generalizações, cito alguns exemplos. O primeiro, e mais representativo dessa opção envergonhada pelo capitalismo, é a proibição para que se execute judicialmente a garantia representada pela hipoteca da casa própria. É esse traço hipócrita que, se apresentando na defesa do bem de raiz de uma família, impede que a grande maioria dos brasileiros tenha acesso ao financiamento bancário e à aquisição de sua residência. Sem isso, um dos mercados mais ativos de uma economia moderna fica atrofiado e sem nenhum dinamismo. Quem tem alguma dúvida que compare o tamanho do mercado de crédito para a compra de um automóvel e o do financiamento à casa própria.
Outro exemplo marcante é a questão da concessão das estradas de rodagem em São Paulo, comparada com as outras regiões do país, nas quais ainda prevalece o conceito de que rodovias gratuitas são uma obrigação do Estado e um direito do cidadão. O sucesso de São Paulo, obra do inesquecível Mário Covas, precisa ser levado a todas as regiões do Brasil. Aliás, é desse grande político tucano que empresto a expressão "choque de capitalismo" para resumir a idéia central desta minha coluna.
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, setembro 02, 2005
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