Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 21, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO 'Refundando' a verdade

 

No que parece uma concessão dos setores ditos moderados do PT, reunidos no Campo Majoritário, às correntes de esquerda que obtiveram na eleição interna de domingo votos suficientes para levar a segundo turno a disputa pela presidência da agremiação, a executiva nacional, dominada pelos majoritários (que já não são tantos), aprovou uma resolução com ataques virulentos a todos quantos se recusam a chamar pelo eufemismo "erros" ou "desvios" os ilícitos comprovados do petismo, principalmente mas não exclusivamente no governo Lula. Fazendo lembrar a "quase lógica" dos improvisos do presidente, o texto afirma que a crise política "alcançou um estágio cujo intuito é criminalizar o PT". E este "não pode assistir a esta formidável chantagem pública (seja lá o que isso queira dizer) contra a sua própria existência".

Os agentes desse processo de "massificação totalitária da opinião" são as oposições e o "golpismo midiático" (que "criminalizam" o "mensalão" que o PT pretendia institucionalizar). Já no primeiro dos 13 pontos do texto que pretende refundar a verdade e cujo principal redator terá sido o presidente interino Tarso Genro, fica-se sabendo que "nunca na história do regime democrático brasileiro um partido sofreu tamanha inquirição, duros e sistemáticos ataques de partidos oposicionistas, divulgados com a ajuda irrestrita da ampla maioria da mídia". É o caso de replicar que nunca na história da democracia brasileira um partido recorreu tão deliberadamente à corrupção, em escala aluvional, para favorecer um governo e se manter no poder.

Queriam os petistas o quê? Que a oposição se emasculasse e a mídia se amordaçasse para que delas não se dissesse que estão mancomunadas em um projeto para destituir o presidente? Os oposicionistas, lê-se na resolução, são "as novas vestais da moralidade". É natural que alguns ajam assim, procurando ocupar o lugar deixado vago pelas antigas vestais. Mas isso é uma insignificância perto de décadas da pregação ética do PT que começou a ser desmentida na prática assim que o partido conquistou governos municipais e estaduais. O divórcio entre as palavras e os fatos chegou ao paroxismo no governo Lula. Petistas honestos sabem disso. Foi um deles, Paul Singer, militante de primeira hora, quem disse que a legenda é capaz de usar métodos "delinqüentes" para ganhar eleições. E não foram poucos os que já romperam com a sigla e fizeram denúncias convincentes sobre a ética petista.

"Começamos a enfrentar nossos erros, buscar a punição dos culpados e a debater as correções políticas necessárias à superação da crise", proclama o documento. O começo foi tentar impedir que alcançasse o número necessário de assinaturas o pedido de constituição da CPI dos Correios. Derrotados, tentaram impedir a sua instalação. Derrotados novamente, vieram com uma CPI da compra de votos para investigar o governo passado. Foi inútil: ela é a CPI do Mensalão. A terceira, a dos Bingos, surgiu por decisão judicial: se dependesse da busca petista da punição dos culpados, continuaria na gaveta em que a colocou, depois do Waldogate, o presidente do Senado, José Sarney, arrimo político de Lula. Agora, são as CPIs que não têm "a mínima preocupação com a busca da verdade".

A mentira tem pernas curtas. Em matéria das citadas "correções políticas", só depois de ter ficado insustentável a posição do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, dele se desgarrou o chefe do governo que passou a tê-lo na conta de protetor do seu mandato contra eventual pedido de impeachment - o que nem sequer está na ordem do dia. Diante disso, que autoridade tem o PT para cobrar da oposição que se desculpe por ter ajudado a eleger Severino? O duplipensar, como diria Orwell, é um hábito que deitou raízes fundas no partido. "É verdade que o PT não adotou mecanismos de controle para combater estes desvios que estavam em nosso meio", diz o texto. Parece um mea-culpa, mas não é. Falar em desvios é camuflar a enormidade dos delitos. Além disso, se os tais mecanismos fossem adotados, o projeto petista de poder sucumbiria. O PT, em suma, que não debite a terceiros a sua ruína ética e política. De ponta a ponta, eis uma obra intransferível.

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