Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 07, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Fatos de ponta-cabeça


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um homem de muita sorte. Ele deve a sua sobrevida no Palácio do Planalto - onde ainda acha que conseguirá ficar até 2010 - principalmente ao compromisso com o interesse público das lideranças políticas mais expressivas da oposição, preocupadas com o impacto que poderia ter sobre a economia um eventual pedido de abertura de processo contra o titular do governo, por crime de responsabilidade, capaz de desembocar no seu impedimento. Elementos para isso existem em potencial - o suficiente, outras fossem as circunstâncias, para colocar a questão em pauta.

Se não há nenhuma evidência da participação pessoal e direta do presidente da República em qualquer dos numerosos escândalos que ainda continuam vindo à tona (suborno de deputados, negociatas na administração direta e indireta, "contribuições" para o "fundo eleitoral" do PT, nas prefeituras do partido - e, agora, no plano federal -, de empresas prestadoras de serviços, além dos delitos eleitorais que envolvem membros da família petista mais próxima de Lula, o Campo Majoritário do partido), tampouco faltam suspeitas de que ele sabia de muito disso que os brasileiros estão conhecendo através das CPIs, do Ministério Público e da Polícia Federal.

Em um episódio revelado pela primeira vez à época da campanha, o candidato presidencial, em companhia do senador José Alencar, estava a poucos passos do recinto em que o seu braço direito José Dirceu e o tesoureiro Delúbio Soares negociavam, no sentido mais absolutamente literal do termo, com o notório Valdemar da Costa Neto, o apoio do PL ao seu nome. Depois de intermináveis barganhas, a transação custou R$ 10 milhões - e, naturalmente, a presença de Alencar na chapa. A aliança com o PL, lembrou na semana passada, numa reunião petista, o deputado João Paulo Cunha, ameaçado de cassação, foi "quase uma exigência de Lula" para disputar a Presidência.

Segundo se divulgou, Cunha perguntou, em tom de acusação: "Quem tomou a decisão de fazer alianças? Foi o Zé Dirceu? Quem exigiu o contrato com Duda Mendonça? Éramos nós que dizíamos ser amigos do Duda Mendonça? Que freqüentávamos a casa de praia do Duda Mendonça?" Lula não poderia ignorar que o publicitário de coração de Paulo Maluf não trabalha por amizade, nem considera remuneração pelos seus inestimáveis serviços a honra de poder receber na sua casa de praia o futuro presidente da República. Há pouco mais de um mês, na contrafeita manifestação em que pediu arrevesadas desculpas aos brasileiros, Lula disse que "nunca" teve conhecimento de malfeitorias.

E, não obstante, a narrativa rica em detalhes do deputado Roberto Jefferson sobre como levou ao presidente a denúncia do mensalão permite pôr em dúvida a sua negativa - sem esquecer que, antes, o governador de Goiás, Marconi Perillo, havia lhe contado pelo menos um caso de tentativa de compra de parlamentares por um deputado do PL. E o que dizer da desastrada entrevista de Lula em Paris? Endossando a farsa de Delúbio e Marcos Valério sobre a dinheirama repassada aos políticos para serem fiéis ao governo, disse que "o PT fez do ponto de vista eleitoral o que é feito no Brasil sistematicamente", como se o uso do caixa 2 não fosse crime eleitoral e contra a ordem tributária.

E, depois disso tudo, vem agora esse presidente bafejado pela sorte colocar os fatos de ponta-cabeça, sem o menor constrangimento, ao atribuir essa crise a supostos interessados em prejudicar o desenvolvimento do Brasil (para evitar sua reeleição). Eis a enormidade que ele disse na segunda-feira, em mais um de seus calamitosos improvisos, para uma platéia de empresários, em São Paulo: "Se alguém achou que poderia fazer conflito político, criar conflito político, exagerar mais ou menos, achando que iria acertar a economia e que o País iria sair do trilho, caiu do cavalo, porque a economia está cada vez mais sólida." Compreende-se que ele faça a apologia de sua gestão e reivindique a paternidade dos bons números da economia. Louve-se que reitere a disposição de manter o curso da política econômica, apesar das pressões que disse receber, "muitas, infinitas", para "agradar o mundo" (pressões, todas, de petistas), isto é, para recuperar a popularidade que a crise levou. Mas nem isso o absolve do passa-moleque com que imagina impedir os brasileiros de ver quem, de fato, poderá cair do cavalo.

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