Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 01, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Caso de memória seletiva


D o ainda não presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 30 de julho de 2000: 'Não é possível que o presidente (Fernando Henrique) não soubesse de nada (a violação do painel do Senado), que ele não tivesse idéia do que o seu homem de confiança (Eduardo Jorge Caldas Pereira) fazia na sala ao lado da sua no Palácio do Planalto. Afinal, um presidente da República não pode ser tão desinformado. Aliás, o presidente deveria ter se dirigido à opinião pública para, no mínimo, prestar esclarecimentos sobre esses escândalos.' Do relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, nos jornais de ontem: 'Acho que alguém da Repúbli ca teve responsabilidade (pelos esquemas de corrupção).
Minha percepção é que não chegou ao presidente. Aparentemente, havia um chefe de governo e um chefe de Estado. E o chefe do governo era o (então ministro) José Dirceu.' Chefe de Estado nefelibata, objeto da maior blindagem já armada em torno de um governante brasileiro, como deixou mais do que transparecer o áli bi do relator Serraglio, Lula não pode, todavia, se desvencilhar do que escreveu há cinco anos. Ele ambicionava ser presidente muito antes disso. Conseguiu tornar-se o que um colunista denominou, numa síntese irretocável, um pseudopresidente. Anteontem, no enésimo pseudo-evento criado para ele aparecer nos telejornais da noite, como o candidato à reeleição que pretende esconder que é, o pseudopresidente que nunca soube de nada mostrou como é seletiva a sua memória.
Na inauguração das obras de ampliação do Aeroporto de Uberlândia - a que talvez não se abalasse um estadista ocupa do em governar, ainda mais durante uma crise 'extremamente grave' -, ele deu um conselho aos brasileiros. 'Toda vez que vir uma notícia muito escandalosa, analise-a, leia duas vezes', ensinou. 'Veja se tem verdade ali.' Perfeito, não fosse o fato de que, em 2000, o partido de Lula, com o seu co nhecimento e endosso, valeuse de um procurador federal faccioso, o notório Luiz Francisco, e de jornalistas com que da por notícias escandalosas para, mirando no secretário Eduardo Jorge, alvejar o presidente Fernando Henrique.
Naqueles idos, Lula seria o último a recomendar a um lei
tor 'veja se tem verdade ali'.
Hoje, desempenha o papel de
defensor número um da honorabilidade alheia. A cada improviso, ele dedica mais tempo a condenar prejulgamentos do que a apresentar evidências de que ajudará a identificar e le var a julgamento os que, em seu governo e no seu partido, 'fizeram coisa muito suja', como afirmou o ministro Ciro Gomes. Até agora, as evidências não são bem essas. Os membros governistas da CPI dos Correios conseguiram barrar a convocação do seu amigo e ex procurador Paulo Okamotto, presidente do Sebrae.
Okamotto transformouse em protagonista do que já foi chamado 'o Fiat Elba de Lula', assumindo o pagamento da dívida de R$ 29,4 mil do presidente com o PT - não se sabe bem se oriunda de empréstimo ou de erro contábil - por meio de depósitos na conta do partido, atribuídos a Lula, e sempre em dinheiro. Perto das dezenas de milhões gastos com o suborno de deputados, é quirera. Mas isso não invalida as suspeitas de que a origem do dinheiro tenha sido a mesma: as contas de Mar cos Valério.
Tivesse Lula a intenção de fazer os esclarecimentos que cobrava do antecessor, mais do que depressa mandaria votar a favor da convocação de Okamotto. (Ele será ouvido, afinal, pela CPI dos Bingos.) O clamor de Lula pela presunção de inocên cia das pessoas foi ecoado pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti. Ele ten tava justificar a sua oposição à cassação dos deputados que demonstrarem que o dinheiro recebido - 'dos Correios, de publicidade' - foi para o seu caixa 2 eleitoral. No embalo, proclamou: 'Enganam-se aqueles que pensam que deixarei levar inocentes ao cadafalso.' Recebeu os ataques que fez por merecer - menos do PT. Dissipando qualquer dúvida sobre a sintonia entre Severino e Lula, o petista Devanir Ribeiro discursou: 'Vossa Excelência terá minha solidariedade enquanto (?) não acatar o que a mídia quer que façamos aqui, ou seja, uma caça às bruxas.'

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