Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 05, 2005

A economia dá um pódio a Lula Marco Antonio Rocha

O ESTADO DE S PAULO

"It's the economy, stupid!"

James Carville, um político democrata da Louisiana, acertou quando, em 1992, ajudou a manter a campanha eleitoral do ex-presidente Bill Clinton bem focada e sem diversionismo, com apenas essa frase de quatro palavras. O que ele provavelmente não imaginava é que, nos anos seguintes, a assertiva se tornaria pedra angular das estratégias dos pretendentes à chefia de governos.

Assim, talvez não seja temerário dizer que, ultrapassada a turbulência política que as CPIs suscitaram, a economia brasileira reassumirá seu posto como assunto preponderante e de maneira favorável ao presidente Lula. Ele pode estar sendo detestado por grande parte dos seus concidadãos, até mesmo por muitos dos que votaram nele, mas nunca foi tolo e, certamente, já deve ter percebido, à luz do que as estatísticas mensais vêm revelando, que é a economia (sim, estúpidos!) a sua tábua de salvação e a garantia de continuidade do seu reinado.

Permitam-me contar aqui uma pequena história, pelo que ela tem de ilustrativa. Um colega jornalista, conhecido de longuíssima data pelo que exibe de antipetismo, antilulismo, anti-esquerdismo e pelo que também exibe, sem constrangimento, de apego ao direitismo político à outrance, vem, ultimamente, esbravejando de dedo em riste: "Olha aí, essa nossa direita burra tanto falou e fez para preservar o Lula nessa novela toda, perdendo a chance de removê-lo, que agora vai ter de agüentá-lo por mais quatro anos, porque a economia vai reelegê-lo."

Se a marcha da economia tem realmente influência pesada numa eleição presidencial - e a questão aqui não é duvidar disso, mas de quantificar essa influência -, e se os números que estão vindo a público sustentarem os prognósticos que vêm suscitando, Luiz Inácio e dona Marisa podem planejar as reformas que introduzirão nos salões presidenciais ao longo do próximo mandato. E a oposição fica com uma Missão (quase) Impossível - digna da convocação do heróico agente Daniel Briggs, ou de um Jim Phelps, ou até de um moderno Tom Cruise - de descobrir o oponente que seja capaz de derrotar Lula a despeito do avanço da economia. Este texto se autodestruirá em, digamos, seis meses, caso nada disso se verifique.

O fato é que as duas últimas semanas, pelo menos, nos mostraram que as investigações, os depoimentos, as denúncias, especulações, etc., no âmbito parlamentar das CPIs e no âmbito da administração - Polícia Federal, Ministério Público, etc. - conseguiram revelar para o grande público mais podridão, safadezas e maracutaias do que a imaginação seria capaz. A indignação e a repulsa da opinião pública ainda terão seu impacto, a tempo e hora. Mas, em termos práticos, isto é, na busca de elementos de punibilidade, não chegaram nem perto do presidente, como ele mesmo previa, não o inquinaram de nenhuma ilegalidade.

Enquanto isso, a economia (stupid!) vai cimentando bons alicerces para o altar de Lula. As estimativas sobre o crescimento do PIB neste ano vão sendo aumentadas a cada mês e a cada novo relatório. As da inflação, ao contrário, vão sendo rebaixadas a cada mês e, juntamente com elas, as dos juros futuros. As de emprego, massa salarial e rendimento real apontam para cima. As importações de máquinas, equipamentos, de bens e insumos da produção vêm aumentando significativamente, em compasso com o aumento das taxas de investimento ou, como se diz, da Formação Bruta de Capital Fixo.

Tudo isso fornece alguma explicação para a atitude do presidente de aparentemente não ligar para a crise. Ele sabe que o eco da algaravia parlamentar se vai perder no verão e no próximo recesso do Congresso. Mas a economia continuará marcando gols - a seu favor.

E o seu partido, o PT, não tem outra escolha a não ser ficar com ele e dizer amém ao seu comando. Sem Lula, o PT pode entoar o estribilho de Raul Seixas: "Plunct, Plact, Zummm, Não vai a lugar nenhum!" E ele, sem o PT, pode muito bem reeleger-se. Daí a derrota de Tarso Genro, que pretendeu refundar o PT e acreditou que Lula lhe dera mesmo essa missão. O PT é um catamarã, cujos cascos são Lula e Dirceu.

Certamente muitos brasileiros não precisam de provas documentais nem de testemunhos fidedignos para já estarem convencidos de que o presidente Lula sabia das coisas, tolerava-as e, mais que isso, era parte do jogo sujo. Como ele próprio disse, várias vezes, no passado, quando criticava o governo anterior, é impossível que o presidente da República (referia-se a FHC) não fique sabendo do que se passa à sua volta. Aliás, qualquer dirigente de empresa, mesmo de terceiro escalão, sabe quem é quem no ambiente de trabalho e quem é suscetível de ser abordado, se necessário, para um trabalhinho do qual a lei, a moral e os bons costumes precisam estar distantes. Faro ainda mais fino e tato muito mais desenvolvido, para detectar auxiliares preciosos nesse trabalhinho, terá um político profissional com a carreira e a experiência de Lula.

Então, com provas ou sem provas materiais, já ficou claro que o que estava em marcha no País era um projeto de poder de longo prazo que envolvia, necessariamente, em primeiro lugar a ocupação ou o "aparelhamento", pelo partido, onde fosse possível, de órgãos e empresas do setor público, nas três instâncias, federal, estadual e municipal. Isso garantiria poder ou capacidade de mobilização político-eleitoral. Mas, além disso, era preciso alavancar as finanças do partido. Então, por que não abordar, nos órgãos e empresas públicas que fossem sendo "aparelhados", aquelas pessoas com menas (sic) vocação para o rigor moral, que se dispusessem a contribuir para a grande causa? E esses elementos, uma vez concitados para a nobre tarefa, que importância teria se dele auferissem algo palpável para seus próprios bolsos e contas bancárias?

Quantos petistas de boa-fé não denunciaram, interna e externamente, as rupturas com o padrão ético da legenda? Ninguém ligou. As denúncias eram tidas como aleivosias da direita ou produtos do ressentimento de companheiros. Mas ali estava o chamado ovo da serpente que mais tarde se romperia e espalharia seus filhotes sob a proteção da República.

Esse esquemão sofreu agora um solavanco sério. Mas seu Komintern não desistiu da missão. Como pregava o professor Janine Ribeiro, no suplemento do jornal Valor na semana passada, "a agenda positiva tem de ser: dar novo sentido aos projetos de esquerda. Ganha-se, assim, o futuro". Pode não ser fácil. Mas ninguém duvide da nova tentativa. Ironicamente, os bons resultados da política econômica, tão criticada, alavancam as esperanças e as possibilidades, da "companheirada", de continuar com a chave do cofre até 2010.

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