O ESTADO DE S PAULO
O deputado Severino Cavalcanti, que até outro dia falava em reeleição para a presidência da Câmara dos Deputados e ainda ontem ameaçava parlamentares da oposição de partir para "o tudo ou nada" se alguém ousasse questionar sua permanência no cargo, pode ir se preparando para voltar à planície.
Depois das novas provas e testemunhos publicados ontem na versão eletrônica da revista Veja não sobra muita escolha a Severino além de partir para o "nada"; apresentar escusas gerais e retornar à João Alfredo natal.
Foi um sonho de poder, mas acabou. A menos que se prove falso o documento assinado por Severino Cavalcanti prorrogando ilegalmente a concessão do restaurante da Câmara e se demonstrem inverídicos os testemunhos do dono, do gerente e de um ex-sócio do restaurante colhidos pela revista, o mandato de Severino não vale mais um tostão.
Ele foi eleito por 300 que em tese deveriam se responsabilizar pela obra até o fim, até para que da próxima pensassem duas vezes antes de brincar de "cacareco" com coisa séria.
Mas essa exigência só se poderia fazer com o presidente da Câmara mantido dentro dos limites da legalidade e da legitimidade.
Ilegítimo ele se tornou semana passada quando, em entrevista à Folha de S. Paulo, fez prejulgamento das investigações em curso no Congresso, tomando posição num processo onde deveria ser magistrado. Ao dar opinião sobre como deveriam ser as punições de processos ainda em fase inicial, o presidente da Câmara agrediu as normas internas e o sentimento externo, contratou contra si a má vontade nacional e os brios feridos dos congressistas.
A ultrapassagem dos limites da legalidade deu-se com a história de recebimento de propina e da troca de outros favores na época em que era primeiro-secretário da Câmara.
Além de permitir a prorrogação da concessão do restaurante por meio de documento sem valor legal, maquiou a existência de licitação em documento oficial e, segundo afirma sem hesitação o ex-sócio, o dono do restaurante ainda pagou fatura do cartão de crédito de Severino. Ou seja, não estamos nem mais falando de quebra de decoro, mas de crimes previstos no Código Penal.
Não há proteção do baixo clero que consiga sustentar o presidente da Câmara. Aliás, não há sequer mais baixo clero minimamente organizado e com força para patrocinar ação de qualquer natureza. Muito menos montar "blindagens", ou modismos assemelhados, para manter Severino longe de suas atuais e nefastas circunstâncias.
A massa conhecida pela denominação utilizada para identificar os escalões inferiores da Igreja só conseguiu eleger um representante presidente da Câmara porque o cardinalato decidiu aderir.
Agora com os cardeais do lado oposto, a balança - ao peso das denúncias, das provas e dos testemunhos - pende para o lado contrário.
O toque de exotismo vem do Palácio do Planalto, cujos estrategistas resolveram se aliar à causa de Severino e atuar em favor da proteção de seu mandato.
Em matéria de vocação para o erro, os conselheiros presidenciais - bem como sua excelência em pessoa - já demonstraram à larga sua especial habilidade.
Agora, defender Severino de uma documentada ilegalidade em troca de um punhado de reais e o pagamento do cartão de crédito, convenhamos, é de quinta.
Olho grande
Tivesse seguido seu destino sem se aventurar a dar passos maiores que as pernas, Severino Cavalcanti provavelmente teria vida longa no Congresso.
Lembra Jader Barbalho anos atrás. Tivesse aberto mão de se eleger presidente do Senado, não teria perdido o mandato de senador nem a condição de importante interlocutor.
Vale-tudo
Tão líquido e certo era tido o afastamento do presidente da Câmara, que os parlamentares já se ocupavam ontem em analisar as circunstâncias da sucessão.
Ninguém arriscava aposta em nomes. Mas o conceito geral é o de que haverá um "salve-se quem puder", pois não será seguida a norma da precedência para a maior bancada.
O PT é o partido majoritário e, sem crise, não conseguiu manter a praxe. Agora, com a crise, é peça fora do tabuleiro onde joga com as brancas a oposição.
Em números O leitor Joel Samways não concordou com o trecho do artigo de ontem, segundo o qual a maioria dos brasileiros votou em Lula em 2002. "Pode parecer picuinha da minha parte, mas não acho adequado dizer isso.
A saber: 115.184.176, os eleitores; 91.627.493, os votantes; 52.793.364 votaram em Lula. Em Serra, 33.370.739; em branco, 1.726.997; nulos, 3.771.336; 23.556.683 abstiveram-se."
"Logo", conclui ele, "62.425.755 (votos em Serra + votos em branco + votos nulos + abstenções) não votaram em Lula", esta sim, a maioria.
Entrevista:O Estado inteligente
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