Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 09, 2005

DORA KRAMER O senhor da irracionalidade

O ESTADO DE S PAULO

O tempo, em geral o senhor da razão, no caso do PT tem sido um mau conselheiro Para a maior parte da humanidade, o tempo é mesmo o senhor da razão; dar tempo ao tempo costuma produzir bons resultados. No caso do PT tem sido o oposto: quanto mais o partido adia decisões inadiáveis, mais se afunda nos problemas.

Agora mesmo são duas as enrascadas nas quais o PT está envolvido e em processo de prolongamento de agonia: a troca de comando, e por conseqüência de orientação, do partido e a tomada de posição em relação às denúncias que atingem o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

A bancada petista na Câmara resiste a assinar a representação pedindo o afastamento de Severino, diz que precisa de "tempo" até a semana que vem para decidir, mas, em princípio, defende sua permanência no cargo.

O argumento? O de que o PFL assume o lugar, na figura do vice-presidente José Thomaz Nonô, e tal substituição não seria aceitável por se tratar de parlamentar da oposição.

Ou seja, sendo o PFL o primeiro na linha de sucessão, está permitida toda e qualquer ilegalidade. Para o PT, nessa ótica, antes um presidente da Câmara sob grave suspeita de corrupção do que um presidente interino da oposição.

Convenhamos, em matéria de critérios, o partido já teve melhores.

Agora, quanto mais posterga o tempo de permanência no campo do mau combate - seja do ponto de vista da opinião pública, do conjunto da Câmara e dos fatos admitidos como muito graves até por assessores e aliados de Severino -, mais constrangimento a bancada se impõe, mais dá margem à consolidação da imagem de um partido vestido para acobertar, dissimular, disfarçar.

Para preservar Delúbio Soares, José Dirceu e companhia da cena do expurgo tão confortavelmente aplicado a quem um dia ousou enfrentar a autoridade da nomenclatura, o PT põe em risco sua última - e única - chance de sobrevivência.

Não decide, posterga, aceita sem recorrer decisões da Justiça de resultado político negativo para o partido e embrulha tudo num discurso de "refundação" e recomeço. Soa a enrolação e a repetição do mesmo.

Com vistas a ganhar tempo na esperança de que a crise enfraqueça, a mentalidade ainda dominante faz o partido dilapidar os últimos resquícios de capital moral.

Enquanto isso, petistas localizados do lado de fora desse círculo morrem de vergonha e, ao mesmo tempo, de medo de dar o passo para fora, deixando para trás vidas inteiras e um futuro incerto pela frente no caso dos detentores de mandatos eletivos com prazo até o próximo dia 30 para se definir.

Demolidor

Quando a gente pensa que já viu tudo, constata que ainda não viu nada.

A entrevista de Sebastião Buani, dono do restaurante da Câmara, contando em detalhes como, em 2003, pagou propina ao hoje presidente da Câmara e então primeiro-secretário, Severino Cavalcanti, em troca da prorrogação do contrato de concessão de serviços, é peça não de acusação, mas de condenação.

Há o testemunho, há a prova documental da prorrogação, há o cheque do pagamento da propina, há de tudo e mais um pouco para configurar não mais a quebra de decoro parlamentar, mas o crime de corrupção.

Se o PT e o governo nesta altura ainda considerarem a hipótese de enxergar alguma vantagem na defesa de Severino, devem estar cientes do que isso significa: a adoção da bandeira da amoralidade e da ilegalidade como preceito de vida política.

O próprio presidente da Câmara, se ainda tiver uma réstia de bom senso na cabeça, não deixará para segunda-feira a providência e anuncia hoje mesmo a decisão de se afastar a pretexto de dar bom andamento às investigações.

Seria bom agir enquanto pode. Nas próximas horas possivelmente perderá a prerrogativa da escolha sobre a forma de cumprir seu destino já desenhado de não terminar o mandato na presidência da Câmara.

Se ainda havia alguma esperança para ele, baseada na divisão de responsabilidades de quem o elegeu, com o testemunho de Buani essa ilusão se esvaiu.

Ainda que quisesse, o Legislativo não poderia transgredir coletivamente a lei, ignorando as faltas de Severino, fazendo de todos os deputados cúmplices, incorrendo em falha mortal só para expiar a culpa do pecado venial de tê-lo escolhido presidente numa madrugada de completo desatino no mês do carnaval.

Mas, em se tratando de Severino Cavalcanti, tudo é possível. Qualquer pessoa normal, já sabendo o que viria pela frente, teria tomado suas precauções, cancelado a viagem a Nova York, preparado a defesa e nem pensado em apresentar versões mentirosas e conflitantes a titulo de resposta às acusações.

No lugar disso, o presidente da Câmara achou por bem bravatear - "Vou enfrentá-los", "muita gente vai dançar" - e fazer pouco caso da situação (atos algo familiares, não?), dizendo-se um "homem sem problemas".

Portanto, convém não perder de vista a capacidade da crise em curso de surpreender e estarrecer.



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