Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 19, 2005

Bush e Lula, dois presidentes 'alertas' Alcides Amaral

o estado de s paulo

Quando o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, no dia 11 de setembro de 2001, foi avisado de que o país estava sofrendo ataques terroristas, parecia não acreditar. Presente a uma cerimônia, ficou pensativo, de boca aberta, demorou algum tempo para cair na realidade. As torres gêmeas foram destruídas, o Pentágono foi atacado, enfim, o terror estava espalhado pelo território norte-americano. Para vingar o sangue derramado do seu povo declarou guerra a Osama bin Laden, artífice do pior ataque terrorista conhecido até então. Como o bandido número 1 da humanidade não foi localizado, vivo ou morto, o presidente Bush não pestanejou em passar por cima da autoridade das Nações Unidas e atacar o Iraque, em busca de Saddam Hussein. Afinal, o presidente não poderia sair derrotado daquele episódio, e a cabeça do líder iraquiano era o troféu que podia apresentar ao povo do seu país.

Mais recentemente, com o furacão Katrina, a situação foi ainda pior. Não pelo número de mortos, mas sim pela reação tardia do presidente Bush em entender a realidade. Todos sabiam que o furacão estava a caminho, era dos piores de que se tinha notícia (categoria 5), mas o presidente Bush permanecia gozando suas férias de verão. Medidas antecipatórias para proteger a população que seria atingida foram insuficientes, o furacão veio e o desastre aconteceu como anunciado. New Orleans foi praticamente destruída, centenas de pessoas perderam a vida, a "inteligência" do governo norte-americano não funcionou e o presidente Bush demonstrou, mais uma vez, que não estava "alerta". O prefeito de New Orleans, Ray Nagin, revoltado com a situação, afirmou com veemência: "O governo federal não tem idéia do que está havendo na cidade." E pediu que o presidente "mexesse seu traseiro".

O povo norte-americano reagiu da mesma maneira, pois, em pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Zogby, o desempenho do presidente Bush caiu de 50% em fevereiro - dias depois do início do seu segundo mandato - para 41% após os estragos do furacão Katrina. A revista Business Week da última semana praticamente encerra o assunto de quem é culpado pela falta de ação e quão "alerta" estava o presidente Bush, ao afirmar que "a ironia e a tragédia da assassina tempestade chamada Katrina é que os devastadores efeitos do furacão foram inteiramente previstos e, em grande escala, eram evitáveis. Engenheiros sabiam há anos que os diques de New Orleans não seriam capazes de resistir a um furacão acima da categoria 3". E o presidente Bush, decorridos alguns dias do trágico evento, finalmente se mostrou "alerta", ao anunciar que mandará investigar "o que funcionou e o que não funcionou" na ação do seu governo diante dos danos causados pelo furacão Katrina.

Por aqui, embora , felizmente, não tenhamos vítimas a lamentar, o presidente Lula também demonstrou o quanto está "alerta" para o que acontece no nosso Brasil. Estamos passando por uma das maiores crises políticas já vividas pelo País e o papel do presidente Lula nesse episódio de corrupção que enlameou o Congresso Nacional e destruiu o seu partido, o PT, ainda permanece uma incógnita.

Há duas versões que podem ser igualmente aceitas.

A primeira delas é que o presidente Lula sabia o que estava acontecendo, pois pelo menos três dos seus ministros o haviam informado, segundo o ex-deputado Roberto Jefferson, a respeito do episódio do chamado "mensalão". E, se seus ministros, alguns muito próximos, sabiam, seria impossível que o assunto não tivesse sido abordado com o presidente, especialmente porque estava no PT a origem dos acontecimentos. Mas, como corrupção não é fato novo no Brasil - embora o PT tivesse prometido acabar com ela, quando no poder -, o assunto não teria causado maiores preocupações, pois o tempo se encarregaria de jogá-lo para o esquecimento. Afinal, nada ainda havia vindo a público, a imprensa não tomara conhecimento... E a vida continua.

Na segunda versão, que é a que o governo defende, o presidente Lula não sabia de nada, pois as denúncias de corrupção ficaram restritas ao PT e ao conhecimento superficial de alguns ministros. Esta é contestada por muitos, entre eles o ex-deputado do PT Milton Temer, que afirmou em fins de agosto que "quem disser que o presidente Lula não sabia de nada é marciano ou mal-intencionado". Mas, independentemente daqueles que pensam como esse ex-deputado (que é hoje um dos fundadores do PSOL), o fato é que a população brasileira também não está satisfeita com a situação. Em pesquisa realizada pela CNT/Sensus na semana passada, o índice de aprovação do presidente Lula caiu de 59,9% em julho para 50% em setembro.

Na medida, portanto, em que temos de acreditar na versão oficial , isto é, que o presidente Lula não sabia que a corrupção corria solta no seu partido e no Congresso, a pergunta que fica é: que diálogo o presidente tem com seus ministros? Todos o poupam dessas notícias desagradáveis? O que fazia a "inteligência" do presidente Lula, que não detectou esse movimento inusitado de dinheiro no Congresso e no seu partido? Enfim, temos um presidente "alerta" para o que acontece no País ?

Infelizmente, baseados na crise política que ficou sendo conhecida como do "mensalão", a resposta é certamente que não. O que o povo brasileiro espera do seu mais alto mandatário é que ele esteja realmente alerta para os problemas do País e que seja o primeiro a tomar iniciativas para resolvê-los. Tem de haver uma "inteligência" que funcione de fato e que o presidente não seja obrigado a saber o que acontece no País pelos jornais, rádios ou televisão.

 

Alcides Amaral, jornalista, ex-presidente do Citibank S.A., é autor do livro Os Limões da Minha Limonada (Editora Cultura). E-mail: alcides.amaral@uol.com.br

Arquivo do blog