Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 17, 2005

AUGUSTO NUNES A mais espantosa quarta-feira

jb


Atarantado pela crise desencadeada em junho e sem data para encerrar-se, o país foi sacudido neste 14 de setembro pela mais espantosa quarta-feira da saga republicana. Acordou com o barulho provocado por um cheque de R$ 7.500. Tentou dormir depois da ruidosa cassação do deputado Roberto Jefferson.

Na manhã de quarta-feira, o empresário Sebastião Buani exibiu o atestado de óbito político de Severino Cavalcanti. Descontado por Gabriela Martins, secretária de Severino, o cheque comprovou que Buani pagou propinas ao atual presidente da Câmara. Feliz, o operador de restaurantes improvisou uma oração.

Rezou sozinho: a platéia estava concentrada na contemplação da bela mulher de Buani, Diana. O marido comunicou que a ''musa do mensalinho'' está liberada para despir-se nas páginas de uma revista masculina. Era a boa notícia da manhã. Logo viria a má, patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal.

Na quarta-feira, o STF divulgou a liminar que adiou a subida ao cadafalso de seis parlamentares petistas drenados do pântano. A desoladora informação seria logo abrandada por uma decisão do Banco Central. Naquela manhã, a taxa de juros fora reduzida. Em 0,25%.

No começo da tarde de quarta-feira, o ex-ministro Luiz Gushiken, hoje com funções indefinidas, abriu seu depoimento na CPI dos Correios. Jurou que não teve nada a ver com nada, trocou desaforos com deputados e, irado, espancou o idioma. ''Sejemos claros'', disse no meio da sessão.

Na mesma tarde de quarta-feira, Severino explicou que o cheque de Buani não passava de uma contribuição voluntária à campanha de Severino Júnior, candidato a deputado, morto dois meses depois da doação. Na noite de quarta-feira, concordou em renunciar ao comando da Câmara.

Na noite de quarta-feira, Jefferson foi guilhotinado. No discurso de despedida, pegou pesado. Qualificou o presidente Lula de ''malandro'' e ''preguiçoso'', acusou José Dirceu de comandar o governo mais corrupto da história. Na fila de votação, aproximou-se do inimigo centímetros à frente e murmurou: ''Eu sou você amanhã''. Perturbado, Dirceu esqueceu-se de colocar a cédula no envelope e teve o voto anulado.

Antes de concluída a apuração, Jefferson voltou para casa. Ali, comunicou aos amigos que uma gravadora italiana o convidara a gravar um disco de ópera. Em Nova York, onde ensaiava o discurso que faria na ONU naquela quarta-feira, Lula foi informado da cassação de Jefferson e das críticas de Paulo Maluf à comida da cadeia. Aparentando tranqüilidade, retomou a leitura do texto que ensinou o mundo, de novo, a acabar com a fome. Menos sereno parecia o vice-presidente José Alencar. ''Que coisa, onde nós estamos?'', perguntou no fim do Dia do Espanto.

No Brasil, claro. Onde mais?

Protegidas por zumbis

Os militantes premiados pela Agência de Empregos Federais para Companheiros, uma parceria público-privada entre o governo Lula e a caciquia do PT, têm conseguido sobreviver à erosão do prestígio dos padrinhos. Sílvio Pereira foi afastado da Secretaria Geral do PT (e do volante do Land Rover). A irmã, Analice Novaes Pereira, continua na direção do Ibama em São Paulo, mesmo sem ter decorado o pomposo nome oficial: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

A principal auxiliar de Analice é Cristiane Leonel, chefe da Divisão da Fauna. Incapaz de distinguir um lobo-guará de um gato angorá, chegou lá por ser cunhada de Luiz Gushiken. O poderoso comandante da Secom foi promovido a nada. Contentes com a preservação dos gabinetes, as duas vêm presenteando ricaços amigos com aves raras.

Sem dormir há cem noites, consumidas no acompanhamento dos trabalhos das CPIs e das investigações policiais sobre o Pântano do Planalto, o Cabôco decolou de Brasília para um ligeiro descanso no Rio. O plano tropeçou na memória infernal do Perguntadô. Ainda no Galeão, lembrou-se dos fiscais da quadrilha de Rodrigo Silveirinha. Quer saber onde andam os ladrões e a fortuna que roubaram.

Pesadelo culinário

''Lugar de bandido é na cadeia'', trovejou anos a fio o candidato-a-tudo Paulo Maluf. Decerto pensava em assassinos, latrocidas, estupradores - essa gente que usa sangue alheio como anabolizante. O feroz discurso do xerife não abrangia criminosos que, sem recorrer à violência física, roubam milhões de dólares.

Todo bandido merece cadeia, descobriu o Brasil. A terra da indulgência perdeu a paciência com a impunidade dos criminosos vips. E aplaudiu a prisão preventiva de Maluf e seu filho Flávio, engaiolados pela Polícia Federal.

Demoradas investigações haviam reunido montanhas de provas quando ocorreu a captura, precipitada por mais um pontapé na lei. Telefonemas gravados com autorização judicial pilharam os Maluf na tentativa de impedir que uma testemunha contasse a verdade à PF.

O alvo do cerco era Vivaldo Alves, o doleiro Birigui, parceiro dos acusados em tenebrosas transações. Uma delas resultou na remessa ilegal a bancos no exterior de US$ 161 milhões desviados dos cofres públicos quando Maluf foi prefeito de São Paulo. Ele está nesse ramo há 40 anos.

O conjunto da obra permitiu o enquadramento de pai e filho nos crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal e corrupção. Maluf está irritado com as acusações e a rotina de detento. Mas nada o aborrece mais que a comida na cadeia. Impedido de saborear iguarias árabes enviadas por parentes e amigos, o velho gourmet tem de engolir a a baixa cozinha da cadeia.

''Essa quentinha eu não daria nem para cachorro'', protesta. A comida é a de sempre, doutor Paulo. Só que nunca foi servida a paladares tão exigentes.

Filosofia é isso, companheiros

A filósofa Marilena Chauí rompeu o longo silêncio e buscou a taça com a tese bolada para explicar a crise do PT. Nada a ver com maracutaias e mensalões.

''Nunca em minha vida presenciei um ódio igual. E sei hoje por quê. É porque nós fomos o principal construtor da democracia neste país. E não seremos perdoados por isso nunca''.

Essa foi boa, Marilena. Conta outra.

Essa obra é do Brasil

Um acordo firmado em 1998 autorizou a decolagem do projeto que resultou no Rodoanel Mário Covas. Um conjunto de rodovias complementares interligaria as principais estradas que desembocam na capital paulista. Depois de concluído, o Rodoanel permitirá que milhares de veículos em busca de outros destinos contornem o perímetro urbano, eliminará congestionamentos, tornará bem mais fácil o acesso aos portos. Não é coisa de paulista. É o mais importante projeto viário do Brasil.

Por isso mesmo, os custos do empreendimento foram repartidos entre o governo estadual (50%), a União (25%) e a prefeitura (25%).

O governo paulista sempre pagou o combinado. A prefeitura finge que o acerto não existe. FH entregou parte do prometido. Lula está no limite do calote. Quem tem avião não precisa de estradas. São Paulo que pague a conta sozinho.

A pastoral de Jobim

O ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal, dirige uma refinada contrafação da Pastoral Carcerária. Criada pela Igreja, a Pastoral presta assistência a presos sem dinheiro nem advogados. A versão brasiliense só socorre pilantras engravatados. Além de dinheiro e advogados, têm muita culpa no cartório.

Especializada em adiar a hora do castigo, a pastoral de Jobim conseguiu a liminar que paralisou a caminhada de seis parlamentares do PT, incluídos entre os 18 do Cofre, rumo à merecida cassação.

Comprovadamente envolvidos em patifarias irrigadas pelo valerioduto, os deputados petistas montaram o mandado de segurança que se apóia numa falácia: não puderam exercer, nestes três meses, o direito a ampla defesa garantido pela Constituição.

Endereçado ao presidente do STF, o esperto documento foi entregue ao chefe da pastoral dos cinco estrelas. Se pousasse no tribunal durante o expediente, Jobim teria de repassar o mandado a algum ministro. Como Jobim recebeu-o à noite, já em casa, tratou pessoalmente do caso.

O jurista experiente foi também um astuto deputado federal. Jobim sabia que os condenados à degola não têm como defender-se. Tampouco guardam na manga alguma mentira salvadora: já contaram todas, nenhuma colou.

O ministro sabia, enfim, que os seis pedintes só queriam ganhar tempo para decidir se a retirada é a melhor solução. Sem a liminar, eles seriam remetidos ao Conselho de Ética. E quem ali desembarca perde a chance de renunciar ao mandato (e preservar os direitos políticos). Jobim endossou a esperteza.

A indulgência corporativista prevaleceu sobre a sensatez do juiz, e o político Jobim adiou o julgamento de meia dúzia de valerianos: João Paulo Cunha (R$ 50.000 confessados), João Magno (R$ 350.000), José Mentor (R$ 120.000), Josias Gomes (R$ 100.000), Paulo Rocha (R$ 420.000) e Professor Luizinho (R$ 20.000).

O benefício acabou estendido a todos os alojados pelas CPIs no corredor da morte política. Ponto para a pastoral de Jobim. Mas a virada logo virá: não haverá salvação para as criaturas do pântano.

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