Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, agosto 10, 2005

Merval Pereira O ovo da serpente

O GLOBO

Nos últimos dias, três fundadores do PT deram entrevistas analisando a crise política em que o partido está envolvido, e uma opinião é comum: a disputa pelo poder interno é a origem da deterioração política do Partido dos Trabalhadores. Dois dos fundadores — o cientista político César Benjamin e o economista Paulo de Tarso Venceslau — deixaram o partido em situações diferentes, mas pelas mesmas razões: denunciaram ao próprio Lula, então presidente do PT, a malversação de recursos pela cúpula nos anos 90, e não tiveram o seu respaldo.

O outro, o deputado federal Paulo Delgado, de Minas, encontra-se marginalizado no PT há muitos anos, por ter uma postura independente no diretório nacional. Todos situam nos anos 90 o início da derrocada petista, sendo que Benjamin e Venceslau marcam esse período como sendo o "ovo da serpente", no qual teria sido gestado esse projeto de poder que acabou desaguando nas práticas de corrupção, aprofundadas quando o partido chegou ao governo federal.

Fundador do PT e coordenador da campanha de Lula a presidente em 1989, o cientista político César Benjamin foi entrevistado pelo programa Canal Livre da TV Bandeirantes e garantiu que "o que está aparecendo agora não é fruto de uma atitude individual intempestiva de alguns. É uma prática sistêmica que tem pelo menos 15 anos no âmbito do PT, da CUT e da esquerda em geral. Nesse ponto, a responsabilidade do presidente Lula e do ex-ministro José Dirceu é enorme".

Segundo ele, o que está aparecendo agora "é o desdobramento de uma série de práticas que começaram na gestão do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) no fim dos anos 90, quando o senhor Delúbio Soares foi nomeado representante da CUT na gestão do FAT. Isso se desdobra na campanha de 94". Esse tipo de prática, segundo César Benjamin, deu "ao grupo do Lula" uma arma nova na luta interna da esquerda. "Esse esquema pessoal do Lula começou a gerenciar quantidades crescentes de recursos, e isso foi um fator decisivo para que o grupo político do Lula pudesse obter a hegemonia dentro do PT e da CUT", garantiu Benjamin.

Ele participou também da coordenação da campanha de 1994, onde houve o que classifica de "a gota d'água": o levantamento de recursos paralelos "sem que isso tivesse sido discutido na direção. Só o grupo de amigos do Lula participava desse tipo de decisão". César Benjamin diz que propôs abrir ao público o sistema de financiamento "e o próprio Lula foi quem me falou que não faríamos isso, sem explicar por quê. Depois ficou claro que havia um financiamento via bancos, empreiteiros, que nunca havia sido discutido na direção do partido".

Benjamin identifica "as impressões digitais desse esquema em Santo André, no caso Celso Daniel" e garante: "Estamos diante de um grupo que estava montando dentro do governo Lula o que talvez pudesse vir a ser o maior esquema de corrupção já conhecido".

Paulo de Tarso Venceslau, que foi companheiro de exílio do ex-ministro José Dirceu, dirige hoje um pequeno tablóide semanal intitulado "Contato", e foi expulso no começo de 1998, depois de denunciar um esquema de arrecadação de dinheiro junto a prefeituras do PT organizado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, na casa de quem Lula morou durante anos, e proprietário da empresa Cepem. Em entrevista ao "Estado de S. Paulo", ele disse que deu "a eles essa grande oportunidade. Se tivessem aproveitado, e feito a depuração, não estaríamos vendo o filme de agora."

Há dez anos, Venceslau denunciou para Lula que Roberto Teixeira estava usando o nome dele para arrecadar dinheiro para o PT, "com métodos que não eram lícitos". Um relatório de investigação interna do PT, assinado por Hélio Bicudo, José Eduardo Cardozo e Paul Singer concluiu pela culpa de Roberto Teixeira, mas quem acabou expulso do partido foi Paulo de Tarso Venceslau.

Ele identifica esse episódio como o momento em que "Lula se consolida como caudilho e o partido se ajoelha diante dele". Para ele, "o poder do Lula passou a ser quase que absoluto diante da máquina partidária. Um caudilho com esse poder, um partido de joelhos e um executor como o Zé Dirceu, só podia levar a isso que estamos vendo hoje", garante Venceslau. Segundo ele, "evidentemente que Lula não operava, assim como não está operando hoje, mas como ele sabia naquela época, ele sabe hoje, sempre soube".

Já o deputado federal Paulo Delgado, em entrevista a Roberto D'Ávila na televisão, fez uma análise sobre a história do PT e também identifica na luta interna desenvolvida a partir dos anos 90 a raiz da crise atual. Segundo Delgado, o PT "foi muito bem nos anos 80, e a campanha presidencial de 89 acelerou nosso processo político". A partir daí, "perdemos a chance de contribuir para o aperfeiçoamento teórico da esquerda depois da queda do Muro de Berlim. O PT era a esperança da esquerda democrática por que era um partido popular e se tornou o partido do socialismo democrático", analisa o deputado.

O deputado Paulo Delgado diz que esse papel não foi desempenhado por que o PT "entrou em uma luta interna, e a disputa pelo poder ultrapassou a idéia da consolidação teórica do PT. Com o oposicionismo deslumbrante do PT, tudo servia para fazer oposição".

***



Meu amigo músico Ricardo Silveira não tem nada a ver com os ternos de Lula. O nome do estilista é Ricardo Almeida.

3 comentários:

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ENTREVISTA DO CÉSAR BENJAMIM AO CANAL LIVRE

Fundador do PT e coordenador da campanha de Lula a presidente em 1989, o
cientista político César Benjamin foi um dos entrevistados por Roberto
Cabrini, Fernando Mitre e Antônio Teles na edição do programa Canal Livre
da TV Bandeirantes que foi ao ar no dia 31 de julho de 2005. César deixou o
PT em 1995. Segue o que ele disse:

Roberto Cabrini - O senhor acredita que o presidente Lula termina o seu
mandato?

César Benjamin - Eu acredito que termina. Eu acho que não há, nesse
momento, na sociedade brasileira nenhum setor minimamente significativo
interessado em interromper o seu mandato. O impeachment é, antes de tudo,
uma decisão política.

RC - Nós temos um presidente refém da oposição nesse momento?

CB - Eu acho que o Lula é refém de um pouco de tudo. Eu acho que ele é um
presidente fraco. Vai terminar o mandato de maneira melancólica.

RC- E se for comprovado que ele sabia de tudo isso?

CB - Certamente a situação se agrava muito e nós teremos uma situação
imprevista. A grande elite brasileira teme a possibilidade de que o
vice-presidente José de Alencar assuma o governo, altere a política
econômica e se credencie a como forte candidato para 2006. A gente prefere
o Lula fraco chegando em 2006 a criar esse vazio de poder.
Fernando Mitre - Como o senhor vê a alegação do presidente Lula de que as
elites estão tramando contra ele?

CB - Eu acho que o Lula desassociou aquilo que ele faz daquilo que ele
diz. Ele é capaz de demitir o Olívio Dutra de manhã e a tarde dizer que
jamais aceitará nenhuma pressão das elites, tendo nomeado o indicado de
Severino. Ele é capaz de cortar as verbas de todos os ministérios e dizer
que nenhum governo faz tanto quanto o dele está
fazendo. Eu acho que ele está apelando para os segmentos da opinião pública
menos informados e buscando uma identificação mais de base, de classe
social de origem. Uma identificação profundamente despolitizada, dirigida
aos setores menos informados. Foi a saída que ele encontrou.

RC - Até quando a popularidade do presidente resiste a esse processo?

CB - É difícil afirmar, até porque para isso seria preciso saber bem como
funciona a cabeça desses setores da opinião pública que estão mais
distantes. Setores mais empobrecidos e menos informados. Eu acho que ele
terminará muito mal o governo, até porque ele está fazendo um governo muito
ruim. As mudanças que ele fez desassociaram ainda mais seu governo do
projeto original do PT

Antônio Teles - O senhor acha que ele tem o controle dos movimentos sociais
de tal forma que em uma emergência ele poderia lançar mão desses
movimentos para um esforço na rua e pressionar pela permanência e se
fortalecer?

CB - Não acredito. A relação do Lula com os movimentos sociais vem piorando
e está no seu ponto mais baixo. É muito fácil armar cenários, mas os
movimentos sociais fizeram um esforço de ir a Lula propor uma alternativa
e a posição que eu percebo hoje é de grande frustração.

AT - Por exemplo, O MST não participa.

CB - Há um distanciamento crescente e cada vez mais explícito, até porque o
projeto de reforma agrária está parado.

FM - O senhor foi o primeiro a se declarar frustrado com o PT em 1990. Qual
o motivo?

CB - Isso remete a uma questão importante, relacionada com que está
acontecendo hoje: a longevidade desses esquemas que estão aparecendo nesse
momento. O que está aparecendo agora não é fruto de uma atitude individual
intempestiva de alguns. É uma prática sistêmica que tem pelo menos 15 anos
no âmbito do PT, da CUT e da esquerda em geral. Nesse ponto, a
responsabilidade do presidente Lula e do ex-ministro José Dirceu é enorme.

RC - Como o país vai sair desse processo?

CB- Talvez um país um pouco mais dilacerado. Eu temo muito porque temos
processos de natureza sociológica. É um país urbanizado e empobrecido, que
tinha até aqui uma espécie de reserva política e moral. Ele gastou essa
reserva.

AT - Mas o senhor não acabou de contar como foi seu processo
dedesilusão...

CB - Isso que está aparecendo agora é o desdobramento de uma série de
práticas que começaram na gestão do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) no
fim dos anos 90, quando o senhor Delúbio Soares foi nomeado representante
da CUT na gestão do FAT. Até onde eu sei, começaram ali práticas de
financiamento muito heterodoxas. Isso se desdobra na campanha de 94.

AT - Na época, lançou-se mão do FAT?

CB - Sim. Começa um tipo de prática que vai dar a esse grupo uma arma nova
na luta interna da esquerda.

RC - Na época, quem tinha conhecimento disso?

CB- O grupo mais íntimo de Lula. O Lula nunca foi um quadro orgânico. Ele
sempre teve seus esquemas pessoais na vida interna do PT que culminou na
formação do Instituto da Cidadania, anos depois. Um esquema paralelo que
seus amigos mais íntimos freqüentavam. Esse esquema pessoal do Lula começou
a gerenciar quantidades crescentes de recursos e isso foi um fator
decisivo para que o grupo político do Lula pudesse obter a hegemonia dentro
do PT e da CUT. No início dos anos 90, a disputa interna do PT era muito
equilibrada. Eles chegaram a perder uma convenção em 1993 e introduziram
uma arma nova nessa disputa interna. Quando você está numa disputa interna
e introduz uma arma nova, você tem grande vantagem. Essa arma foi o poder
do dinheiro.

RC - O senhor chama isso de deslumbramento do poder ou de os fins
justificam os meios?

CB - No início havia fins. Havia projeto político de controlar o PT, de
controlar a CUT, mas eu acho que com o tempo esse grupo foi dissolvido por
sua própria prática.

FM - Parece que houve uma desilusão muito grande do senhor em 89, ainda no
final da campanha eleitoral...

CB - No fim de 1989 eu tive meu sinal amarelo na relação pessoal com o
Lula. Ele me disse que nos dias seguintes ao famoso debate da rede Globo
ele tinha se reunido com a direção da Globo e tinha derrubado vários
litros de whisky. Eu achei que foi uma atitude extremamente antiética. Eu
achei que uma pessoa que se prestava a esse papel tinha um problema de
caráter.

FM - O que ele alegou?

CB - Ele alegou que não ia brigar com a Globo, que precisava ficar bem com
a emissora. Depois eu participei da coordenação da campanha de 1994 na
direção do PT. Houve nessa campanha um segundo fato que foi para mim a
gota d'água: o levantamento de recursos paralelos, como diz Delúbio Soares,
recursos não contabilizados, sem que isso tivesse sido discutido na
direção. Eu não sabia, a direção não sabia. Só o grupo de amigos do Lula
participava desse tipo de decisão. Eu me lembro de ingenuamente propor
várias vezes na coordenação da campanha que nós abríssemos ao público o
nosso sistema de financiamento e pedíssemos que os adversários fizessem o
mesmo por uma questão de transparência de campanha. O próprio Lula foi quem
me falou que não faríamos isso, sem explicar por quê. Depois ficou claro
que havia um financiamento via bancos, empreiteiros, que nunca havia sido
discutido na direção do partido. Não era aceitável que uma fração da
direção do partido montasse mecanismos paralelos. Não obtive nenhuma
reação da direção do PT. Havia um encontro nacional do partido em 1995.
Levei essa questão a800 delegados do partido e usei a expressão "isso é o
ovo da serpente" - se não cortar imediatamente, isso vai destruir o
partido.

RB - Então o senhor não se surpreendeu com que aconteceu?

CB - Não. Esse é, inclusive, um esquema que se desdobra em várias frentes.
É possível ver as impressões digitais desse esquema em Santo André, no caso
Celso Daniel. Estamos diante de um grupo que estava montando dentro do
governo Lula o que talvez pudesse vir a ser o maior esquema de corrupção já
conhecido. Se pegarmos os fios e juntarmos, teremos um conjunto de
entidades, instituições e empresas públicas e privadas que é assustador.
Aparece no Banco do Brasil, na Petrobrás, nas verbas de publicidade, nos
fundos de pensão. Esse esquema tem complexidade e permanência no tempo. Ele
estava inovando. Houve um tempo que as empreiteiras eram as grandes vilãs,
mas como o governo não faz obras, passou a ser a publicidade.

FM - O senhor concorda com o roteiro de denúncias de Roberto Jefferson?

CB - Eu não conheço o Roberto Jefferson, mas acho que é uma questão muito
grave. Acho que o Lula tem uma responsabilidade histórica por ter
introduzido um tipo de prática que a esquerda brasileira não conhecia e
que corroeu por dentro seus valores.

RC - Esse país dilacerado que o senhor antevê será um país
maisdemocrático?

CB - Não sei o final. Nós estamos em vôo cego.

ARTIGOS disse...

Paulo de Tarso Venceslau, entrevista a O Estado de S. Paulo (28/07/05)

Expulso do PT em 1998, depois de ter denunciado o esquema operado pelo compadre de Lula para arrecadação de dinheiro em prefeituras administradas pelo partido, Paulo de Tarso Venceslau vê semelhanças entre o atual escândalo petista e o caso CPEM

Luiz Maklouf Carvalho Especial para o Estado TAUBATÉ

Na pequena redação do jornal que escreve e dirige, o tablóide semanal Contato, o economista Paulo de Tarso Venceslau assiste, de camarote, mas sem alegria, ao desenrolar da maior crise na história de um partido que já foi seu, o PT. Expulso no começo de 1998, depois de denunciar o caso CPEM - esquema de arrecadação de dinheiro junto a prefeituras do PT, operado pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula -, ele sustentou, e continua a sustentar, que sua expulsão foi injusta e teve dois objetivos: proteger o amigo de Lula e evitar a investigação profunda da até ali mais grave denúncia de corrupção na história do PT. "Eu dei a eles essa grande oportunidade. Se tivessem aproveitado, e feito a depuração, não estaríamos vendo o filme de agora."

Ele cita documento que foi boicotado na época pela direção do PT: a explícita condenação dos métodos de Teixeira por uma comissão de investigação integrada pelo economista Paul Singer e pelos juristas Hélio Bicudo e José Eduardo Martins Cardozo, hoje deputado e integrante da CPI dos Correios. "Apesar disso, o expulso fui eu."

A denúncia do caso acabou com sua amizade com o hoje deputado José Dirceu, que na época negou as denúncias, assim como o presidente Lula. Em março de 1995, o economista entregara a Lula carta em que relatava a atuação de Teixeira e da Consultoria para Empresas e Municípios (CPEM). Também em carta pediu a Dirceu, Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante a apuração da denúncia. Depois de 2 anos sem providências internas, em 1997 ele tornou público o que sabia, em entrevista ao Jornal da Tarde. Lula, Dirceu e outros dirigentes o processaram. Mas até aqui Paulo de Tarso não não perdeu nenhuma das ações, que continuam tramitando.

Na entrevista, ele aponta semelhanças entre o caso CPEM e o de agora, diz que seria "ingenuidade" acreditar que Dirceu não soubesse do esquema Delúbio Soares-Marcos Valério. Procurado para comentar, Dirceu não quis responder. Por sua assessoria, informou que não falaria porque o assunto "é requentado". Lula, Teixeira, Silvio Pereira, Delúbio Soares e José Genoino não deram retorno. O deputado José Mentor, relator da CPI do Banestado, negou que tenha "blindado" Teixeira. "O Roberto é meu amigo há 40 anos, mas não houve blindagem."

Com que sentimento o sr. está assistindo à maior crise do PT?
Diz o ditado que o pepino se torce enquanto é novo. O PT teve essa oportunidade há dez anos, quando contei para Lula que Roberto Teixeira estava usando o nome dele para arrecadar dinheiro para o PT, com métodos que não eram lícitos, o que foi comprovado por uma auditoria externa e uma sindicância interna. Lula reagiu com destempero, achando que eu devia ser expulso, para preservar o compadre. Isso quando havia um relatório de investigação, assinado por Bicudo, Cardozo e Singer, pedindo a cabeça do Teixeira.

Qual a conseqüência do relatório?
Nenhuma. O Lula foi o primeiro a saber do caso. Sabia do comprometimento do seu compadre, sabia do volume de dinheiro público envolvido, e fez questão não só de acobertar, mas de punir quem tinha descoberto.

Podia ter cortado na própria carne já naquele momento?
Devia, é claro. Se era seu compadre, paciência. O compadre que não tivesse abusado da amizade dele. Nesse episódio Lula se consolida como caudilho e o partido se ajoelha diante dele. Esse ajoelhar foi mortal para o PT.

Por que "caudilho"?
Por que ele foi ungido de uma liderança incontestável, poderosa, em que todo mundo passou a fazer aquilo que mandava. Ele já tinha uma liderança natural, histórica, mas nunca tinha sido tão formalizada. O poder do Lula passou a ser quase que absoluto diante da máquina partidária. O partido se ajoelhou.

A roupa suja deveria ter sido lavada naquele momento?
É evidente. Dei a grande oportunidade de mostrar que o partido era aquilo que eu e muita gente tínhamos na cabeça: impessoal, no sentido de não ter caudilho nem chefão, no sentido de que deviam prevalecer os princípios, os valores que estão estabelecidos, nos quais se votava.

Qual foi o papel do José Dirceu?
O Zé Dirceu era o executor. Até então aparentava manter uma velha amizade comigo, mas passou a ser meu algoz. Naquele momento ele provou pro Lula sua extrema lealdade. Um caudilho com esse poder, um partido de joelhos e um executor como o Zé Dirceu só podia levar a isso que estamos vendo hoje. Os atores são praticamente os mesmos, com pequena variação.

Quem seria o Valério na época?
O Teixeira. Ele era o grande operador. Ele se apresentava nas prefeituras em nome do Lula, para pegar dinheiro para o PT.

Como pode ser possível a montagem dessa máquina de dinheiro - o valérioduto - dentro do PT?
Silvio, Delúbio, essas pessoas foram postas no entorno de Dirceu. Silvinho, por exemplo, sempre foi uma pessoa medíocre no PT. Foi alçado a dirigente pelo Zé Dirceu e virou pau-mandado. Assim como o Delúbio. São pessoas que raciocinam muito pouco, não precisam pensar muito. Tinham de executar.

Paus-mandados de quem?
Do Zé Dirceu, que era o grande comandante, o grande chefe desse pessoal. Quem mandava e desmandava era Dirceu. A maquina partidária era controlada a mão-de-ferro por ele.

Delúbio Soares afirma que Dirceu não sabia do esquema.
Isso é conversa para boi dormir. Zé Dirceu controlava o partido, colocava as pessoas nos postos que lhe interessavam, mantinha sob rígido controle. É ingenuidade achar que não sabia a origem dos recursos. Até porque o Delúbio não tem capacidade, nem origem, formação, preparo nem nada para montar um aparelho desse tipo. Vamos ser realistas. É um sindicalista do interior de Goiás, professor de carreira do Estado, neófito em São Paulo, nunca circulou nas rodas do poder e de repente adquire amizade sólida com um grande operador chamado Marcos Valério. É piada achar que ele fez isso da cabeça dele.

Além de José Dirceu, quem sabia, na sua opinião?
Ninguém é ingênuo ali. Cedo ou tarde certas relações vão ser esclarecidas. Eles acharam que podiam manter a impunidade o resto da vida. Pisaram no tomate e vão pagar caro. Ao entrar com essa prática condenável aí, não se expuseram só do ponto de vista moral, mas político-histórico. Ao renegar a própria formação ideológica, marxista, se comprometeram até do ponto de vista intelectual. O oportunismo foi tão exacerbado, foram com tanta sede à fonte que acabaram renegando a matéria-prima em que sempre deveriam beber. Estão pagando caro. A história é implacável. Todos vão ter de prestar contas.

O sr. acha que o presidente Lula sabia o que ocorria no partido?
O Lula sempre geriu de perto as questões que envolvem sua relação de poder. Claro que não vai estar mandando fazer, mas saber, ele sabia. Não os detalhes. Comparando com a época que estourou o negócio do Teixeira: a primeira pessoa que soube foi Lula. Eu levei para ele, pessoalmente. E o tempo todo fingiu que não sabia. Evidentemente que Lula não operava, assim como não está operando hoje, mas como ele sabia naquela época, ele sabe hoje, sempre soube.

Sempre soube o quê?
Que havia mecanismos não muito ortodoxos para manter a base, garantir maioria, se relacionar com partidos. Que ele ficou sabendo do mensalão nem se discute mais. Não sou eu que estou dizendo. Pessoas disseram que ele sabia. Eu não estranho.

E no caso do José Genoino?
Genoino foi um dos poucos que botou a impressão digital lá. A partir do momento em que assinou aqueles documentos, os contratos, dispensa comentários. Seu grau de comprometimento eu não saberia dizer.

Como o sr. viu a saída do deputado José Dirceu do governo?
Ele saiu porque a casa caiu. Eles sabiam antes, já. Quem está no meio da fogueira tem a dimensão de onde a coisa vai estourar. O Zé Dirceu aceitou a saída do governo porque já tinha visto na frente o que ia acontecer. Sabia que os nomes iam aparecer. Disse que era contra a CPI porque, por mais fraquinha que fosse, ia pegar o Silvinho. Você acha que o Dirceu não sabia que o Silvinho tinha um Land Rover?

O sr. conheceu Silvio Pereira no começo da militância?
Nos anos 90, quando eu militava no PT, o Silvinho ficava exibindo grife italiana, roupas e sapatos carésimos. Todo mundo se espantou: qual é a desse cara? Todo mundo pagando para trabalhar, e o cara exibindo grife, e só vivia daquilo. Se as datas estiverem certas, ele veio pro PT com 17 anos de idade e nunca mais saiu da máquina do PT. Um cara que veio de uma comunidade de bairro da igreja, da periferia de Osasco, de repente andando de Land Rover. Eu não sabia que o PT oferecia carreiras profissionais tão exuberantes assim.

E a nota em que Dirceu diz estar sendo linchado pela imprensa?
Achei incrível, porque o Dirceu linchou muita gente. Ele tem uma semelhança de comportamento com Lula: nunca sabe de nada. E é o cara que tem aquele controle rigoroso de tudo. Pessoas eram expulsas, eliminadas de cargos no PT, deixavam de ser candidatos e não sabiam direito o que acontecia, mas o Dirceu sempre estava ali por trás, mexendo os pauzinhos. Agora ele vem dizer que é linchamento. Ora, é um linchamento que ele próprio construiu. Ele preparou seu cadafalso. Ele construiu uma situação em cima de falácias, de mentiras, e agora está pagando por elas. Só isso.

O que o sr. acha que vai acontecer a curto e médio prazo?
Eu torço para que Lula acabe o mandato, não tenha impeachment, e seja derrotado nas urnas. E o PT, com Tarso Genro, consiga se reformular. Mas tem muita água para passar. E podem aparecer mais cadáveres e comprometer mais a figura do presidente. Pode chegar lá. Torço para que não chegue, para que o Lula seja preservado politicamente, institucionalmente, e seja enterrado nas urnas. Acho a melhor saída para o Brasil e para todos nós.

É possível o sr. voltar para o PT?
Enquanto essa burocracia estiver aí é impossível.

Em que condições o sr. voltaria?
No dia em que a roupa suja for lavada pra valer. O Tarso é uma pessoa que gosto, conheço. Ele tem algumas qualidades que fogem desse padrão que Dirceu montou. Essa profissionalização burra de quadros partidários e despreparados. O Tarso é preparado, realizado profissionalmente, foge desse padrão.

O sr. tem ouvido falar do advogado Roberto Teixeira?
Ele está blindado, completamente blindado. Mas na hora em que reabrirem o caso Banestado talvez a gente descubra por que foi blindado.

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