Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 23, 2005

JANIO DE FREITAS Acusações seletivas


FOLHA DE S PAULO

  As duas úteis questões que o ministro Antonio Palocci driblou, por possível distração ou por provável necessidade, na entrevista de resposta à acusação que o atingiu, não diminuíram o gesto generoso que teve para com o chamado jornalismo independente e objetivo à brasileira.
Desde sexta-feira, a partir do momento mesmo em que a ingratidão de Rogério Buratti chegava aos repórteres, a coisa estava feia para jornais, TV e rádios praticantes do propósito que atribuíam ao governo: "Blindar Palocci", "blindar a economia", quer dizer, a Bolsa. Como, diante daquela acusação?
Palocci, em outra demonstração de sua habilidade política maior que as de Lula e José Dirceu juntas, deu os meios para que tudo pudesse virar contra os promotores, contra o recurso investigatório da delação premiada e contra o depoente que ousou sugerir pistas aos inquiridores.
As ligações telefônicas entre Palocci e Buratti, porém, não são desprezíveis para a compreensão dos fatos em exame, como o ministro deu a entender. Sobretudo por haver telefonemas em horários muito tardios, que insinuam, mais do que assuntos de intimidade e confiança mútua, também prementes. Se a conversa não durou mais de um minuto, como Palocci disse de seu ou seus telefonemas com Buratti, isso não altera os indícios propostos por sua ocorrência. Apesar disso, ou talvez por isso, o ministro preferiu responder a questão com informações sobre seus telefonemas noturnos para assessores atuais.
Não foi menos tergiversante, pelo menos isso, a sua resposta sobre uma segunda contratação da empresa apontada, por Buratti, como pagadora de propina ao PT, por intermédio do então prefeito Palocci. Já era conhecido, antes da entrevista, esse contrato sobre o qual o ministro silenciou. Agora sabe-se um pouco mais: contrato de alto valor que, coincidentemente, foi reduzido em R$ 500 mil mensais, o que constatou o repórter Evandro Spinelli, quando o PT perdeu a prefeitura de Ribeirão Preto, no ano passado.
Mas a entrevista permitiu aos aflitos transferirem o interesse do caso para os promotores que, entre uma e outra fase do interrogatório de oito horas, passaram aos repórteres parte das afirmações relevantes do depoente Buratti.
"Irresponsáveis", autores de "prática ilegal", responsáveis pelo "abalo na Bolsa" e a "turbulência no mercado" - esses são, para o PT e para grande parte dos comentaristas, os promotores que informaram os repórteres. Ou seja, "blindar Palocci" também significa ver ilegalidade na informação sobre um depoimento, um só, no escândalo cujas demais inquirições e denúncias são feitas na TV, à vista de todo o país.
A Buratti coube a leviandade de "acusar sem prova". A delação em troca de redução da pena foi criada como auxílio à investigação, proporcionando pistas e fatos cujas provas cabe aos investigadores verificar se existem. É melhor, diante da acusação de "denúncias sem provas" feita a certos depoentes, não indagar se esse impoluto jornalismo decorre de desconhecimento ou de má-fé seletiva, aplicada em benefício de umas e não de outras pessoas.

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