Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 02, 2005

AUGUSTO NUNES :Há no Planalto um São Jorge de bordel

JB

 

Antes da revolução dos costumes desencadeada nos anos 60, que operou notáveis mudanças também no comportamento sexual do brasileiro, havia pelo menos um bordel em cada município com mais de 10 mil habitantes. Abrigavam-se em casas identificados pela luz vermelha na varanda. Costumavam esconder-se no difuso território onde a cidade já acabou sem que tenha começado a zona rural. Em todas havia, na parede da sala, um retrato de São Jorge.

Bonito, aquilo. Os trajes de guerreiro, o corcel colérico, a lança hasteada, o dragão subjugado - o painel beligerante era abrandado pela placidez do rosto. A fisionomia serena do herói no duelo tremendo nada tinha de surpreendente. Retratos de santos recomendam rostos plácidos. Sobretudo quando o personagem é um São Jorge de prostíbulo.

A expressão beatífica completava o espetáculo da coragem impávida. Sobretudo, combinava com a figura do escolhido para proteger lugares do gênero. Na sala, prostitutas e clientes, entre carícias ousadas, negociavam o acordo que os levaria aos quartos do pecado - meia dúzia de cubículos escurecidos pela meia-luz que eternizava o crepúsculo. Como informava o rosto, o suave guerreiro não tinha nada a ver com aquilo. Perdidos na contemplação do insondável, os olhos nem notavam o que se passava na sala ou nas alcovas. Um exterminador de dragões não pode perder tempo com batalhas na zona do meretrício.

A expressão logo estendida, pelos adolescentes daquele Brasil, a homens que agem como se desconhecessem iniqüidades incorporadas à rotina da casa. O filho deixa a escola para traficar drogas, a filha cai na vida bandalha, a mulher arrasta para o motel vizinhos de todas as idades, o amigo pobretão enriquece roubando a avó, e a tudo segue alheio o chefe de família. Como um São Jorge de bordel.

Como um São Jorge de bordel sempre agiu Luiz Inácio Lula da Silva. O advogado Roberto Teixeira nunca lhe cobrou aluguel pela casa onde Lula viveu durante oito anos. O inquilino achou tudo natural. Em 2002, sobrou o dinheiro que faltara às campanhas anteriores. Lula não fez perguntas sobre o milagre. Tampouco quis saber quem financiara a milionária festa da vitória na Avenida Paulista.

O presidente não registrou agudas mudanças na paisagem. Bons parceiros como Djalma Bom estacavam na secretária do chefe de gabinete. Entravam sem bater na sala presidencial aliados como Pedro Correia ou Valdemar Costa Neto. Petistas de esquerda eram expulsos do partido, Roberto Jefferson ganhava cheques em branco. Lula guardou a voz para improvisos em mau português.

Sílvio Pereira e Delúbio Soares se tornaram clientes assíduos da casa, ganharam salas para negociar com a freguesia, assimilaram hábitos curiosos para socialistas impenitentes. Lula não ouviu o ronco do Land Roover de Silvinho nem a barulheira dos jatinhos de Delúbio. Não percebeu que sindicalistas promovidos a diretores de banco agora usavam gravata borboleta.

Despertado pelo ruído provocado por Waldomiro Diniz, voltou a dormir depois das explicações sussurradas por José Dirceu. Lula não ouviu o governador de Goiás, Marcone Perillo, assombrado com a desenvoltura dos trambiqueiros aliados que tentavam comprar mais deputados. Não quis ouvir a mesma denúncia repetida por Roberto Jefferson. Não enxergou a expansão do pântano. Não vê as marcas de lama no interior do Planalto.

Num prostíbulo de antigamente, a figura protetora desceria da parede para botar ordem na casa. No Brasil submerso na crise, o presidente só quebra o silêncio de São Jorge de bordel para berrar improvisos insensatos. Em seguida, volta ao retrato.

Que outros santos nos socorram.

[02/AGO/2005]

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