Aface mais feia da sociedade brasileira, mas que freqüentemente se manifesta de maneira inconsciente, é o que chamo de “classismo”: o preconceito contra os pobres. Estou cada vez mais seguro de que o racismo decorre essencialmente do “classismo”. O negro que dirige um carro de luxo e é confundido com um motorista, e, por isso, maltratado, é mais vítima de “classismo” do que de racismo. Uma vez desfeito o mal-entendido, um tapete vermelho se estende para a vítima. Em outros países, o negro, mesmo rico, continuaria a ser discriminado, dirigindo um fusca ou um Mercedes. Isso não torna o “classismo” menos odioso que o racismo. São sentimentos igualmente repulsivos, como toda forma de preconceito.
O fenômeno do “classismo” faz vítimas independentemente da cor ou mesmo da posição que o sujeito ocupa. Se tiver deixado de ser pobre, ele será aceito em todos os salões, mas correrá sempre o risco de ouvir risadas por detrás. Uma vítima recorrente do “classismo”, eu não tenho dúvida, é o presidente Lula.
A compra do avião presidencial, a reforma no Alvorada, a verba de manutenção do Planalto, a compra de roupões de algodão egípcio e até a aquisição de duas ambulâncias para acompanhar as comitivas presidenciais se prestaram a toda sorte de impropérios. “Lula está deslumbrado com o poder” foi o mínimo que andei lendo. A falta de cerimônia foi tanta que escreveram em mais de um lugar que o projeto de Lula não é político, mas de ascensão social. Coisa mais brutalmente ofensiva não existe.
E injusta. Num país com as nossas dimensões, um avião é absolutamente necessário. Em janeiro de 2003, na primeira viagem ao exterior, Lula usou um avião de carreira, com imensos transtornos para os passageiros e com inconvenientes que não devem ser vividos por um presidente.
Lula chegou a Davos sem dormir direito, com os cabelos desalinhados, com a cara amassada, mas tendo de se encontrar, ainda no aeroporto, com autoridades e jornalistas. Um presidente da República, aqui e em qualquer lugar, não é um cidadão comum: ele deve chegar a seus encontros pronto para trabalhar no melhor estado físico, mental e de espírito possível. Não para o bem dele, mas para o bem do país. Desde JK, presidentes brasileiros dispõem de avião. O último deles durou 40 anos.
Da mesma maneira, a reforma do Palácio da Alvorada não está sendo feita para agradar ao presidente Lula ou em seu benefício pessoal. Trata-se de um patrimônio da União e mantê-lo em bom estado é uma obrigação. O presidente incorreria em crime se deixasse que o palácio se deteriorasse: e, com 45 anos de uso, o estado dele clamava por uma reforma. Temendo gastar recursos do orçamento, Lula teve a idéia de pedir a ajuda de empresários — e foi criticado por isso. Difícil entender: se gasta dinheiro do orçamento, como no caso do avião, Lula é criticado; se não gasta, como no caso da reforma, é criticado igualmente.
No Palácio do Planalto, as instalações, sóbrias, precisam de reforma, sempre adiada. Na portaria, a traquitana de detectores de metal está instalada de maneira precária e o guarda-volumes é uma estante improvisada de madeira compensada. Nas pilastras que dão sustentação ao prédio, uma mesma tomada elétrica é usada por muitos aparelhos, ligados a benjamins. A cadeira de pelo menos um secretário com status de ministro está puída e muitas das que servem aos funcionários também. Portas estão com o revestimento danificado. E, no entanto, a simples troca da empresa que faz a manutenção de rotina por outra, ao fim do contrato e de acordo com licitação pública, provocou críticas.
Igualmente injusta é a crítica quanto aos roupões de algodão egípcio e a aquisição de novas ambulâncias. O tipo de roupão não é definido pessoalmente por Lula, mas por quem cuida disso na Presidência. Os roupões devem servir ao presidente e aos seus convidados, muitos deles chefes de Estado e de governo. Trata-se de um padrão, adotado pelo Palácio muito antes de Lula chegar lá. O mesmo em relação às ambulâncias: é uma regra elementar de segurança dar ao presidente da Republica o melhor atendimento médico. De novo, não em benefício dele, mas do país.
Imagine o leitor que Lula decidisse comprar roupões de chita, deixasse o Alvorada com goteiras, o Planalto sem manutenção, e vetasse a compra das ambulâncias. Aqueles que o criticam agora, acusando-o de deslumbramento, seriam os mesmos a ridicularizá-lo, dizendo, talvez, que só mesmo um presidente operário para fazer demagogia com roupões, descuidar de prédios públicos e ser imprevidente com a própria saúde, desconsiderando o fato de que é presidente. Essa é a lógica do preconceito. É como se acusassem Lula de ter concordado com todas aquelas iniciativas não por se submeter às regras do Estado, mas porque, tendo sido muito pobre, pretende agora usufruir das benesses de uma temporária vida de rico. Nada na história de Lula e no seu comportamento na Presidência permite uma crítica assim. É um xingamento.
Lula e seu governo devem ser criticados ou elogiados pelo que de substantivo fazem. Querer desmerecer a sua figura com acusações que só fazem sentido se a sua condição de classe é levada em conta é exercitar um preconceito que, mesmo inconsciente, é inaceitável.
PS: Fenômeno curioso, o “classismo” não acomete apenas ricos, mas pobres também.
ALI KAMEL é jornalista.
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