Na linha de tiro
Vinte por cento das crianças nascidas e registradas em 2003 foram de mães adolescentes. Entre os rapazes de 20 e 24 anos que morreram em 2003, houve 150% mais casos de morte violenta do que por morte natural. Em 80, as duas razões de óbito eram da mesma dimensão. Esses dois dados mostram quem está sob ameaça no Brasil: os jovens, os adolescentes.
Pode-se procurar na Síntese dos Indicadores Sociais as boas ou as más notícias. O melhor é olhar ambas: os motivos para comemoração e os alertas para os riscos que a sociedade brasileira corre.
No balanço das boas notícias, está o esforço da década de 90: a mortalidade infantil caiu 33%, o analfabetismo caiu outro um terço e a escolaridade aumentou 1,4 ano.
Em algumas mudanças, a velocidade é tão grande que, de um ano para o outro, já há diferença: o número de mães com mais de três filhos caiu um ponto percentual. Isso mostra que a transição para um novo padrão demográfico continua acontecendo.
Outra mudança ocorreu, esta entre o último censo (2000) e a Síntese divulgada ontem, com dados de 2003: no censo, havia 87 homens para cada 100 mulheres no Rio de Janeiro. Já nesta síntese, o número havia piorado mais um pouco: 86,5 homens para cada 100 mulheres. Em todo o Brasil, a razão de sexo — na expressão técnica — é de 95 homens para 100 mulheres.
A diferença enorme, e que se acentua a cada pesquisa no Rio, é própria de países em guerra: onde os homens estão mais expostos à morte violenta. No Brasil hoje morrem dez vezes mais rapazes do que moças por violência ou trânsito.
Pior, o número de óbitos de rapazes (de 20 a 24 anos) por morte natural caiu 42% entre 1980 e 2003. O das moças caiu também, 44% no mesmo período. O de casos de morte violenta entre as moças ficou estável de 80 a 2003, enquanto o de rapazes cresceu 52%.
O que ameaça as mulheres é a gravidez na adolescência. Quando ela ocorre em classes de maior renda, acaba prejudicando a formação da menina, mas não é um problema tão grave. Tragédia mesmo é quando ocorre na pobreza, porque aí há um risco muito maior de reprodução do círculo da pobreza.
A ameaça aos jovens e adolescentes brasileiros precisa ser mais e mais estudada, porque isso aniquila o nosso futuro. Adianta pouco tentar resgatar o passado e não enfrentar as novas ameaças que pairam sobre os anos que virão.
Felizmente na mesma faixa, dos 20 a 24, ocorreram algumas boas notícias: a taxa de escolarização aumentou 47% de 93 para 2003. Foi a faixa etária em que ocorreu o maior aumento de escolarização. Na faixa entre 15 e17 anos, a escolarização aumentou 33%.
Mas, olha de novo o período: entre 15 e 17 anos a presença na escola chegou a 82,4%. Mas, na faixa do grande perigo, a dos 20 a 24 — a que mais melhorou — chegou a apenas 26,8%.
Resumindo, na adolescência, apenas 17% estão fora da escola, mas na faixa em que os jovens deveriam estar terminando sua formação, mais de 70% já abandonaram os estudos, a maioria antes de concluir o básico.
Na educação, há tantas razões para urgência! Um dado, pinçado assim só para ilustração: em cada dez crianças de 14 anos nordestinas, oito estão com defasagem escolar.
Mais importante que discussões ideológicas sobre o controle das universidades por forças sociais, é enfrentar todas essas tragédias educacionais. O Brasil perdeu tempo demais na educação ao longo dos séculos, apressou o passo na década passada, e ainda tem um vasto, vastíssimo, dever de casa para fazer. Diante disso, por que o MEC deve perder o tempo dele — e o nosso — com as questões bizantinas que anda discutindo?
A desigualdade continua lá, ano após ano. Na desigualdade de gênero, uma curiosidade: em Santa Catarina, foi encontrada a maior diferença salarial de sexo e na Paraíba — pasmem — foi encontrada a menor desigualdade salarial entre gêneros. Uma catarinense ganha 41% menos do que os homens; uma paraibana, 14% menos.
O IBGE mostrou também na sua síntese uma outra forma de fotografar a desigualdade salarial entre homens e mulheres: através do salário-hora. Isso torna possível comparar alguém que trabalha meio horário com alguém que trabalha tempo integral, já que é o que cada um ganha por hora. E os dados mostram que piorou. Em 2002, as mulheres ganhavam 86% do que os homens ganhavam; em 2003, passaram a ganhar 83%.
A desigualdade de raça permanece estável como se o mundo não se movesse. Desigualdade quando é assim estável exige remédios mundialmente conhecidos, como ação afirmativa. O Brasil ficou mais negro: caiu em dois pontos percentuais os que se declaram brancos. Há algumas boas notícias: os pretos e os pardos apressaram o passo no estudo e até melhoraram mais do que os brancos. Ainda que a desigualdade permaneça grande, os pretos aumentaram seus anos de estudo em 1,9; os pardos em 1,6 e os brancos em 1,4.
Os trabalhos de Hércules do Brasil continuam os mesmos: reduzir desigualdade, educar a população, proteger os jovens e as crianças, preparar o país para o envelhecimento, criar emprego, melhorar os serviços públicos. Há mais casas com televisão do que com água encanada.
Em dez anos, a razão de dependência se inverteu. Em 93, havia mais velhos e crianças do que pessoas em idade ativa. Em 2003, havia mais brasileiros em idade ativa do que jovens e velhos. O IBGE no seu texto lembra que isso significa uma chance. Claro, se houver emprego.
Entrevista:O Estado inteligente
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