Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 26, 2005

A primeira Vítima" (por Ronaldo Costa Couto)

A Revista Exame de 16 de fevereiro, edição de nº 836, nas bancas, publica artigo do escritor Ronaldo Costa Couto, intitulado "A Primeira Vítima".
A matéria trata de Percival Farquhar, o idealizador da Madeira-Mamoré, personagem da trama "Mad Maria", da Rede Globo . Segue a transcrição autorizada pelo autor.
"Nos últimos dias, um personagem praticamente desconhecido do Brasil surgiu como um dos protagonistas de um folhetim televisivo visto por milhões de pessoas. A trama, batizada de Mad Maria, joga luzes sobre a personalidade audaciosa e os empreendimentos do americano Percival Farquhar, um dos maiores empresários do país na primeira metade do século 20.
Alvo de incompreensões e campanhas políticas, estigmatizado pelo fracasso de alguns de seus projetos, o polêmico Farquhar caiu no limbo da história do capitalismo brasileiro. Sua saga diz muito sobre a xenofobia com que os nacionalistas radicais sempre trataram os investidores estrangeiros.
A fascinante personalidade de Farquhar e sua trajetória estão retratadas no livro The Last Titan, de Charles Anderson Gauld, lançado em 1964, nunca traduzido.
Farquhar foi um daqueles visionários que enxergaram as oportunidades de um país a ser construído. Investiu em terras -- era proprietário de extensões maiores do que certos países europeus --, em ferrovias, siderurgia, transporte urbano, energia, navegação, portos, agropecuária, mineração e até em hotéis. Foi ele quem gerou os embriões do que hoje são negócios gigantescos, como a Companhia Vale do Rio Doce e a siderúrgica Acesita.
Filho de um próspero industrial da Pensilvânia, Farquhar optou por ser um investidor do mundo. No início do século, executou projeto de eletricidade em Cuba e de ferrovia na Guatemala. Logo depois descobriu o Brasil. A partir de então, teve início um período de empreendimentos em série.
Em 1904, assumiu a Light, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, começou obras no porto de Belém, que passou a controlar. Em 1906, criou a holding Brazil Railway. Farquhar sonhava com um sistema unificado de ferrovias na América do Sul, numa espécie de antevisão da importância da integração regional.
Comprou a Estrada de Ferro São Paulo­Rio Grande, arrendou a Sorocabana, participou da Mojiana e da Paulista, atuou na Bahia, no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Com apoio de capital europeu, levou seus trilhos a países vizinhos, como o Uruguai. Em 1906, lançou-se no seu mais arriscado projeto -- a construção da ferrovia Madeira­Mamoré, em Rondônia.
Durante as obras, milhares de trabalhadores morreram, quase todos de doenças tropicais. A conjuntura econômica negativa que precedeu a Primeira Guerra dificultou a atração de capital. Ao mesmo tempo, brotou no Brasil uma poderosa campanha nacionalista contra ele e seus projetos. Os negócios entraram em colapso.
Farquhar perdeu o comando do seu império brasileiro em 1917.
E aí entra mais um aspecto, típico dos empreendedores -- a persistência quase irracional. Dois anos após o auge da crise, ele apresentaria o projeto de ativação da Itabira Iron Ore Company, em Minas. Negociou com o governo Epitácio Pessoa um contrato de exploração de minério e construção de uma grande siderúrgica em Minas Gerais, cancelado mais tarde por Getúlio Vargas.
Em 1939, criaria, com participação de empresários brasileiros, a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia. Em 1942, porém, Vargas passaria tudo à Companhia Vale do Rio Doce. Já octogenário, Farquhar fundaria a Companhia Aços Especiais Itabira (Acesita), transferida ao Banco do Brasil em 1952, um ano antes de sua morte.
Ao insistir em fazer negócios no Brasil, Farquhar poderia ser visto como maluco. Não era. Tinha um tanto de aventureiro, mas era sobretudo empreendedor. No balanço final, deu-se mal no Brasil. Ganhou muitas frustrações e perdeu fortunas colossais. Mas fez muito como visionário, desbravador, criador de riquezas e de oportunidades.
Um titã empresarial que, embora esquecido, conquistou no Brasil estatura próxima à do barão de Mauá e à do conde Francesco Matarazzo."
(Ronaldo Costa Couto é autor de Matarazzo (Editora Planeta do Brasil).
enviada por Ricardo Noblat

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