O brasil precisa de outro acordo com o FMI? À primeira vista, não. As contas externas melhoraram de forma significativa. O superávit comercial supera os US$ 30 bilhões. O superávit em conta corrente equivale a quase 2% do PIB. As reservas internacionais do Brasil estão aumentando.
Arriscaria até dizer que o Fundo deve estar ansioso para se ver livre do Brasil. Temos sido um cliente cativo desde o final de 1998 e já acumulamos dívidas consideráveis com esse organismo. O país esteve sob a tutela do FMI durante todo o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Continuou assim nos dois primeiros anos do governo Lula. São mais de seis anos, portanto. Não basta?
Dentro do governo, há quem pense que não. O anúncio, anteontem, de que o FMI aprova o programa-piloto de investimentos públicos do Brasil talvez faça parte do marketing de mais um acordo. Tentou-se criar a impressão de que o Fundo se rendeu, finalmente, aos argumentos do Brasil e está agora mais flexível no que tange ao tratamento contábil dos investimentos governamentais em infra-estrutura. Na terça e ontem, grande parte dos meios de comunicação nacionais informou, com grande destaque, que o FMI teria aceito excluir certos investimentos do cálculo do superávit primário.
A informação é incorreta. O único documento do FMI que existe até agora a esse respeito é uma nota vaga, de três parágrafos, que considera bem-vindo o programa-piloto proposto pelo Brasil para investimentos públicos selecionados no montante anual de cerca de US$ 1 bilhão em 2005-2007. O valor é modesto. Sobre o tratamento contábil desses investimentos, a nota diz o seguinte (minha tradução): "Esse programa-piloto não acarreta mudanças na forma de cômputo dos resultados fiscais nem implica a exclusão de despesas específicas do saldo fiscal primário" ("Statement by the Fiscal Affairs Department Director Teresa Ter-Minassian on Brazil's Three-Year Public Investment Pilot Program", 22 de fevereiro, www.imf.org).
Explicações extra-oficiais, publicadas na imprensa, sugerem que o FMI teria concordado em deduzir dispêndios em infra-estrutura de até US$ 1 bilhão por ano das metas (não do cálculo) do superávit primário, sancionadas pelo Fundo. Em outras palavras, o FMI aceitaria eventualmente resultados um pouco inferiores às metas que viessem a ser fixadas, desde que a diferença possa ser atribuída aos investimentos selecionados no programa-piloto.
Nesse caso, já estaria tomada a decisão de fazer novo acordo? Enquanto o presidente da República proclama, em discurso, que "não precisamos fazer acordo com o FMI", a equipe econômica estaria articulando a continuação da tutela?
Toda essa discussão pode parecer, e talvez seja, meio supérflua. Afinal, a área econômica do governo já introjetou a forma de pensar e agir do Fundo. A Fazenda e o Banco Central formam uma espécie de "FMI doméstico", bem disciplinado e adestrado. Esse "FMI doméstico" chega a adotar às vezes um comportamento mais radical do que o próprio Fundo recomendaria. De vez em quando, o FMI ou técnicos do organismo deixam escapar sinais (discretos) de discordância ou desconforto com os excessos da ortodoxia de galinheiro tupiniquim.
Seja como for, não seria o caso de fazer um acordo de precaução, semelhante ao que foi negociado em fins de 2003 e está expirando agora? O Brasil não sacaria os recursos previstos a não ser em caso de emergência. Ficaria mais protegido, argumenta-se, para a hipótese de uma deterioração abrupta do quadro internacional ou das contas brasileiras.
O argumento não convence inteiramente. Recorde-se que, no acordo de fins de 2003, o Brasil se comprometeu a não sacar as parcelas, mas obteve um reescalonamento das amortizações devidas ao FMI. Haveria novo reescalonamento agora? Nos próximos três anos, os pagamentos de principal do Brasil ao Fundo serão da ordem de US$ 7 bilhões a US$ 9 bilhões por ano. Outra indagação: qual o custo financeiro de ter os recursos do Fundo à disposição?
Mas o fundamental talvez seja perguntar o seguinte: não estaria na hora de caminhar por conta própria? De mostrar um pouco mais de autoconfiança e autonomia?
Se ocorrer uma situação de emergência, alguma crise cambial provocada por choques externos, o Brasil não poderia articular um acordo com o FMI em prazo curto? É o que sugere a experiência recente.
Evidentemente, todas essas dúvidas e vacilações seriam desnecessárias se a política econômica tivesse centrado o foco no fortalecimento da posição internacional do país, se o governo e o Banco Central não tivessem permitido a exagerada apreciação da moeda brasileira, se não tivessem perdido diversas oportunidades de acumular reservas internacionais, de regular seletivamente os movimentos de capitais e de melhorar o perfil da dívida externa privada.
É a velha e surrada história: deixam o país vulnerável e depois querem se aninhar no colo do FMI.
Se possível, para sempre.
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